Capítulo 20

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Víbora

Tomei banho numa dificuldade sem fim, tia Jheni de vez em quando vem aqui fazer curativo nos meus machucados e tal, mas de resto faço tudo sozinha. Santos quis trazer a prima dele aqui pra cuidar de mim e fazer os bagulho certo, mas eu num quero ela na minha casa.

A bala ficou alojada, mas nada que causasse tanto estrago e que eu precisasse ir pro hospital. Santos vem aqui, me ajuda em alguns bagulho e depois volta pra casa, minha vó também tá me ajudando bastante.

Chegou mensagem do Davi e eu nem queria visualizar, muito menos responder, mas foi impossível me segurar. "Precisamos conversar melhor. Não quero te perder, meu amor", fiquei mó feliz lendo isso, só não quero me arriscar novamente. Perguntei se ele podia vir me ver aqui na favela e ele disse que sim, mandei o endereço e esperei a resposta, mas não tive nenhuma.

Grego: Tava falando com quem? - coloquei o celular na mesinha. Me esforcei e consegui levantar me segurando no sofá.

Víbora: Te interessa? - ia perguntar como ele entrou aqui, mas deixei pra lá.

Grego: Pelo visto o respeito morreu à muito tempo. - revirei o olho, ignorando o que ele disse.

Víbora: O que foi isso na tua mão? - tava enfaixada e no braço dele umas pequenas marcas roxas. Fazendo caridade é que não tava.

Grego: Te interessa?

Víbora: Idiota. - ri baixo, olhando pra cara de bolado dele.

Parece que Grego nunca tá feliz ao meu lado, ele nunca sorri comigo, a num ser quando tá debochando ou rindo das minhas desgraças. Eu só queria um pai de verdade, tá ligado?

Tentei me ajeitar no sofá e sem querer me esforcei demais. Onde atiraram em mim ainda tá uma ferida aberta e inflamada, então qualquer coisa começa sangrar e doer pá caramba.

Víbora: Me ajuda levantar? - pedi, vendo minha roupa manchar de sangue.

Grego: Não. - suspirei tentando encontrar paciência, pq até se eu me estressar a situação piora e se depender dele, eu vou morrer aqui de tanto sangrar. - meu pior erro foi mandar aquele vacilão fazer o serviço no meu lugar...

Víbora: Tu teve coragem? - perguntei incrédula.

Grego: Para de drama. Eu te expliquei o proceder, não posso trabalhar com quem quer me prejudicar.

Víbora: Cara, eu sou tua filha. - ele deu de ombros.

Grego: Pois é né, tu é minha filha! - gargalhou irônico. Balancei a cabeça em forma de negação. Consegui levantar e fui andando devagar pra cozinha. - regra número um, nunca dê as costas ao seu inimigo.

O barulho do disparo foi alto e eu fiquei sem acreditar naquilo. Sempre esperei que isso acontecesse, não era um bagulho que eu queria, tá ligado? Mas à muito tempo eu esperava.

O sangue escorria pelo meu corpo, e naquela casa tão cheia de histórias e ao mesmo tempo tão vazia eu pensava até onde a ganância pode levar uma pessoa. "Filha, eu prometo sempre te proteger", um dia ele disse isso pra mim, acho que foi no momento de fraqueza ou talvez era só mais uma mentira e eu caí naquele papinho.

Deixei a minha última lágrima escorrer até se perder no meu rosto, um rosto cheio de dúvidas e tristeza.

O impacto do meu corpo contra o chão foi forte, mas nem senti dor, pq a dor maior é de saber que mesmo ele sendo aquela pessoa ruim, aquele homem tão sujo e imundo por dentro quanto por fora eu amei e acreditei nele, pensei que um dia eu teria um pai que me amasse, mas não, eu vivi uma ilusão.

Aos poucos ia perdendo o sentido, minha mente esvaziando e as mínimas lembranças boas que ainda restaram de uma vida toda iam sendo deletadas.

O Morro e Eu Onde as histórias ganham vida. Descobre agora