🌀Capítulo quatro🌀

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Heros

Acordei com uma vozinha doce e irritante bem próxima a mim cantarolando uma música estranha sem nenhum ritmo ou sentido. Quando abri os olhos vi uma garotinha de joelhos próxima à cama onde eu estava deitado, fazendo trança no meu cabelo como se fosse uma de suas bonecas. O fato de eu ter aberto os olhos e a encarado de cara fechada não intimidou nem um pouco a peste, ao contrário, a ciganinha continuou o que estava fazendo e a repetir várias e várias vezes o mesmo refrão daquela melodia esquisita que dizia algo do tipo:

"Oh Santa Sara Kali, minha protetora, cubra o meu novo amigo rabugento com seu manto celestial. Cure suas feridas e afaste as negatividades que porventura estejam querendo o atingir. Santa Sara, protetora dos ciganos, peço que sempre proteja esse homem enquanto estiver andando pelas traiçoeiras estradas da vida, e não deixe, por favor, que as pessoas que tentaram tirar sua vida saiam impunes."

— Eu não gosto que toquem no meu cabelo, ciganinha. – Franzi o cenho em uma careta zangada, mas ela abriu um sorriso levado e continuou o que estava fazendo.

A peste era igualzinha à mãe, pele morena e olhos verdes grandes e cintilantes envoltos por longas pestanas. Como pano de fundo para o rosto de traços rústicos, havia uma bela montoeira de cabelo escuro ondulado muito bonito, mas longo demais para uma criança na idade dela, quase chegava na altura dos joelhos.

— Você nunca obedece ao que os outros falam, garota? – Elevei a voz, nunca gostei de crianças e as únicas que fui obrigado a suportar eram os meus irmãos.

— Sou cigana e tenho o espírito livre, já disse. Ora essa! – Ergueu o queixo mostrando superioridade, também era petulante igual à mãe. – Ninguém manda em mim, só a mamãe e o Igor, às vezes. – Balançou a cabeça de um lado para o outro igual a um filhote de serpente.

— Então na sua cultura as crianças usam o fato de ser cigana como desculpa para serem malcriadas? De onde eu venho, uma menininha da língua afiada como a sua teria a mão cortada fora para aprender a respeitar os adultos – tentei assustar a ciganinha, mas ela nem se abalou e soltou uma gargalhada achando graça do que eu disse.

— Você que tente cortar a minha mão, vai se arrepender pelo resto da sua vida. — Colocou as mãozinhas na cintura e balançou os ombros abusada, os babados do seu vestido colorido seguiram os movimentos do corpo miúdo.

Ah, é mesmo, ciganinha? – Senti vontade de rir, mas estava sentindo dor até na alma.

— Pois pode apostar que sim, cara! Te jogarei uma praga que vai durar mil anos, passando de geração em geração de todos aqueles que são seus consanguíneos. – Estreitou os olhos e estranhamente suas pupilas dilataram e foram ficando mais verdes.

Ouvi errado ou ela usou mesmo a palavra consanguíneo? Na idade dela, eu não sabia a diferença entre sangue e Ketchup e eu era filho do homem mais perigoso da Colômbia.

— Me ameace de novo, ciganinha, e a última geração consanguínea da sua mãe vai terminar em você e no seu irmão.

— Meu nome não é ciganinha, é Aurora. Significa deusa da manhã.

— Não estou nem aí! – Virei o rosto para o outro lado na esperança de que aquele ser insuportável fosse embora e me deixasse em paz, não entendia como alguém tão pequeno podia ser tão insuportável.

— Eu já disse o meu nome, agora é sua vez de me dizer o seu – insistiu a peste, com um sorriso brilhante do tamanho do sol.

— Não é da sua conta – gritei sem paciência, só queria que ela parasse de falar comigo.

HEROS - A rendenção do mafioso Onde as histórias ganham vida. Descobre agora