2 - SONOLÊNCIA DOS INOCENTES

77 18 147
                                    

06 de maio de 2082, 07:44am. Escritório do Departamento de Vestígios Humanos, distrito residencial externo 20, Hollowpointtown.

Lembrava "Ela" das roupas que usava naquela manhã fumegante e fétida de domingo. Tomara seis pílulas para o sono, e mesmo assim, não dormiu, visitou um cinema pornográfico pouco antes do dia raiar, e viu que estavam contratando nesse local enquanto vomitava no banheiro do cinema.

Estava com a jaqueta militar de sargento que seu pai lhe deu quando voltou das incursões na Escócia em 2075, depois da chamada "Operação Bolina", que foi responsável por explodir mais de 100 hectares de terras civis fora da zona de conflito. Essa jaqueta verde escura com retoques flácidos de uma cor musgo por cima daquela camiseta de flanela vermelha e branca, geravam uma certa dissonância visual, uma flanela vermelha surrada com cheiro de remédios para sono. Uma calça jeans azul desbotada rasgada e botinas amarelas. O cabelo longo e espalhafatoso para os lados... um estilo estranho.

O escritório dos supervisores cheirava a cigarro, cerveja e à urina. Haviam diversos pôsteres e horários novos por todos os lados, alguns mofados, outros queimados, um almoxarifado aberto com pastas saindo para fora. Um sofá velho com colchas rudimentares de tricô, tipo as que avós fazem domingo à tarde sentados nas cadeiras de balanço. Haviam um trio de supervisores de ternos e gravatas surrados e cortes de cabelo ruins jogando cartas, e outro supervisor um pouco mais velho, robusto e de barba, estava na mesa de escritório para atendê-la.

Estava com as mãos nos bolsos de sua jaqueta militar, os olhos caídos atrás de óculos escuros, para esconder o olho roxo que recebeu quando desmaiou no banheiro do cinema batendo o rosto na pia. E esperava alguma retribuição enquanto olhava aquele ambiente quente e repleto de tons amarelados enjoativos.

O homem sacou um papel e caneta e sem dar muito contato visual, e começou à conversar...
- Veio por um emprego? -
- Sim... -
- Tudo bem. Estarei agora preenchendo um contrato de cinco anos de serviço obrigatório remunerado por livre espontânea vontade. Quando cumprir, leve esse documento pro Fórum Central da cidade e eles podem emitir créditos para uso pessoal. Poderá fazer uma faculdade, abrir uma financia... o que quiser. O céu é o limite. -
- Entendi... -
- Nome... -
- Harvey... Wanda Harvey. -
- Idade... -
- 26. -
- Formação? -
- ... ... aqui, ali... não tenho como responder isso. -
- Humpf... ... carteira de motorista? -
- Limpa... nenhum problema. -
- Ótimo. Serviu? -
- 5 anos no batalhão de fuzileiros anti-separatistas de Alpha-centauri, octogésimo sexto regimento. -

O homem então largou a caneta, se ajeitou na cadeira, e a olhou nos olhos por trás de seus óculos de grau num certo tom de retribuição.
- ... ... eu fui fuzileiro também... ... teve sua cota de esquerdopatas mortos? -
- Prefiro não falar disso... -
- Humpf... quem foi seu comandante? -
- A general Boris Freakman... -
- Ah... cacete. Não brinca... eu fui o tenente-coronel Lendon Friedger. Tá concorrendo à presidência agora, esse puto. -
- ... é... ... -
- ... bem, porquê quer servir ao DVH? -
- Eu... não consigo dormir. -
- Pra isso que existe cinema pornô... -
- Já tentei também... quero a maior quantidade de trabalho possível... faço de dia, tarde e de noite. Qualquer hora e qualquer lugar... -
- Vai nos Lados de Baixo? -
- Qualquer hora e qualquer lugar... -
- Feriados judaicos? -
- Não... qualquer hora e qualquer lugar. -

Ele fez um gesto com o rosto em tom de desconfiança, assinou mais coisas num papel da qual não prestou atenção do que se tratava com exatidão.
- Começa segunda-feira. Venha cedo... levaremos você para sua equipe, será dado um traje e botas, é bom não perder e precisa lavar sempre. Vai conhecer melhor o lugar... aos poucos. -

DEPARTAMENTO DE VESTÍGIOS HUMANOSWhere stories live. Discover now