DEPARTAMENTO DE VESTÍGIOS HUMANOS

5 - DE OLHOS BEM DORMIDOS

05 de fevereiro de 2085, 05:45am. Apartamento de Harvey, Hollowpointtown, Nova Iorque.

As luzes não se acendiam ainda, programara o sistema automatizado do apartamento para ligarem a toda força lá pelas sete da manhã. Deixava secando algumas roupas íntimas e meias na janela, ao menos enquanto não chovia. Estava deitada em seus lençóis novos e seus travesseiros confortáveis novos em folha, olhando para o teto, com os olhos doendo e viajando em pensamentos.

Alguém bateu em sua porta, ela pegou um hobbie que achou nos pés de sua cama e envolveu em seu corpo, escondendo sua camiseta branca do grupo METALLERA que usava de pijama. As noites de insônia tornavam a menor das casas num lugar escuro e difícil, com profundos esticares de ambiente para cantos, como se algo escorresse sob seus pés. Tinha essa sensação onde quer que fosse.

Recebera uma missão valendo um bom dinheiro, era uma missão relativamente simples. Estava agora em seu alojamento, pronta para o trabalho a qualquer momento, junto com suas colegas de sempre. Fresna não veio hoje, deverá ser ela a motorista do dia. Sentiu um lapso de surdez enquanto consumia um livro de bolso que comprou na promoção há dois dias, algo sobre um assassino de aluguel que está sendo perseguido por um alvo que possui a incrível capacidade de se multiplicar....

Não ouvia muita coisa além de leves chiados foscos e um estridente som alongado que percorria seus tímpanos numa frequência única e interminável. Um urro agudo de uma forma distante enquanto passava a língua no céu da boca. Kassie estava com o braço direito inteiro enfaixado e com uma tala no anelar e mindinho direitos, todos unidos no mesmo esparadrapo que chegava perto do seu cotovelo. Mais um machucado na boca, e agora era só seu olho direito que estava roxo. Usava uma camiseta rosa de um anime antigo e como sempre, para evitar fadiga, já andava com as calças dos trajes de proteção.

Richer começou a aparecer com machucados também, hoje estava com arranhões nas pontas dos dedos, curativos no rosto e com pontos recentes na bochecha. Estavam conversando sobre um tal de "Sergei", um cara que sempre batia na altura do peito para fazer os adversários perderem o fôlego no combate. Richer dizia como seu gancho de direita derrubava ele numa só tentativa, e como seu tamanho mais avantajado ajudava à carregar ele para bater nas paredes com a simples força do impacto. Kassie disse como não teve chance com uma contadora chamada "Polanski", ela batia forte demais mesmo pra altura pequena, mostrou um dente da frente quebrado. Dizia do preconceito que havia no pessoal, eles não enfrentavam asiáticos, acreditando que eles sempre lutavam melhor. Mas não era a verdade, a maioria não luta, só briga, e os que brigam, geralmente apanham tanto quanto qualquer um que não é asiático.

A missão seria feita após seu expediente quando recebessem seus cheques salariais.
Acabaram precisando levar o corpo de um homem que foi espancado num beco por mafiosos, era um devedor de jogos de azar e trapaceiro de jogos de cartas. Ela já sabia ter visto ele em algum lugar, mas estava com a cabeça rachada e vazando, seria levado para se tornar adubo e não tinha história. Acontecia de necessitarem de levar o corpo para o departamento de saúde para realizarem coleta de órgãos quando o homem for doador, é mais raro do que devia ser. Mas faziam isso pelo menos uma vez por semana, às vezes duas, mas têm vezes que nenhuma.

Alguns doam só alguns órgãos, mas nesse caso de hoje, ele doou tudo. Tudo de seu corpo seria doado e usado em procedimentos cirúrgicos. A tecnologia resolveu dezenas de problemas com transplantes. Se um homem tivesse grana o bastante, poderia, ao invés de requisitar um transplante de rim, os cirurgiões-engenheiros podem projetar para ele exclusivamente um sistema de órgão artificial que exerceria perfeitamente a função do rim, com o preço de ser absurdamente caro e perigoso. Mas não era incomum ver pessoas com um pouco mais de dinheiro terem pelo menos um órgão artificial. Quem não se regenerava, podia usar implantes invasivos para melhorar a potência da regeneração.