7 - O SÉTIMO SONO

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21 de fevereiro de 2085, 22:32pm. No escuro de seu apartamento, Hollowpointtown.

Ela segurava o celular, quase discando o número. Sentada em sua mesa, tomando a sexta dose de conhaque com Coca-Soda, gelado e servido num copo médio. Já estava um pouco tonta, a dor de dente a assolava novamente. Na escuridão de seu lar. Arrumou o sofá perfeitamente, organizou seus pequenos ornamentos de brechó no seu hack perfeitamente limpo. Lavou sua louça, comprou novos conjuntos de copos, encheu sua geladeira, pagou suas contas, seu aluguel, seus impostos e boletos. Estava tudo em seu devido lugar.

Pensava em discar aquele número, ela não a ligava já faziam dois meses, foi no natal. Pensava em como dar essa notícia. Como diria o que estava prestes a dizer sem correr riscos desnecessários ou estranhezas fúteis. Ligou a luz da sala por voz, a casa possuía um sistema operacional próprio mordômico que fazia as funções automáticas como ligar as luzes, fazer café, tocar o despertador, entre outras funções. Virou mais um copo, e então... ligou.

Estava chamando. Enquanto chamava, pensava nas palavras que usaria...
- Alô? Irmã! -
- Éh... oi, Sue. Como você tá? -
- Ah, vou bem... vou me casar mês que vem! Eu não sei se acompanha minhas redes sociais. -
- Não acompanho de ninguém. -
- Puxa... mas é sério, ela é muito romântica. Foi numa fonte próxima de Long Island. Foi tão fofo! Acho que faremos ao ar livre ou coisa do tipo. E você? Como você tá? -
- .... vivendo. Eu... ando trabalhando. Lidando com insônia... essas coisas. -
- Acredita que a Martina também tem insônia? Às vezes ela acorda de noite e fica parada na frente da janela por horas! Eu vou buscar água e sempre tomo cagaços! É uma doideira isso. -
- Quem é Martina? -
- M... minha noiva. Eu acabei de falar dela. -
- ... -

Ela virou mais um gole do conhaque...
- Mas enfim. Você queria me contar mais alguma coisa? -
- Bem... ... ... eu não sei como te falar isso. Então eu vou falar de uma vez... eu tenho câncer, tá? -
- ... ... -
Ficou um silêncio longo no momento, não houveram mais palavras, apenas respiração e um certo tom de choro. Foram três minutos de silêncio, que não acabavam. Até que quando ela vai virar outro gole...

- Há quanto tempo sabe disso? -
- Descobri semana passada. -
- Câncer de quê? -
- Pulmão... ... -
- Meu deus... você nem mesmo fuma! Como isso é possível? -
Ela não se deu o trabalho de explicar para a própria irmã que sempre fumava desde os 14 anos.

- Só... aconteceu. Tá? -
- Meu deus, e você vai se tratar, não é?! Não vai deixar isso assim, pelo amor de deus! Vai se tratar! -
- Eu sei... eu sei... -
- Ah, meu deus. O que vai fazer agora? Tem plano de saúde? -
- ... eu tô bem, tá? -
- Eu vou te visitar o quanto antes! Eu juro! -
- Tá... tudo bem. -
- Opa, tenho que ir. Patroa chamando... -

O telefone desligou-se enfim. Apoiou seus cotovelos sobre a mesa e começou à respirar fundo, sentindo algo se corroendo dentro si, sentia os tecidos se desprendendo, e seus ouvidos se sensibilizando com o reflexo que seu cérebro gerava ao perceber seu estado doente. A sua regeneração não era forte o bastante para a livrar disso. Algo a fazia simplesmente vomitar pensamentos estranhos e desformes por sua cabeça. A noite zumbindo num tom ressoado e úmido que pingava pela sua janela, e o prédio se mexendo com o movimento do vento.

Alguém bateu em sua porta. Abriu sua gaveta próxima da porta, um revólver .357 novinho em folha, pronto para ser usado e implantado no corpo de alguém. Olhou pelo buraco do olho mágico, viu o que parecia ser uma mulher. Usava um cabelo ruivo cacheado pouco longo de um lado e comprido do outro, num penteado cônico difícil de definir, com um caminho ondulado pelo seu rosto, cobrindo parte de sua face no trajeto da perfeição. Possuía olhos verdes bastante escuros, um tom de verde musgo escuro que refletia por seu rosto branco, pálido como a lua, em sardas pontilhadas vermelhas, uma boca fina e sem muito destaque, corada num tom de laranja incomum, um rosto um tanto oval e de queixo fino.

DEPARTAMENTO DE VESTÍGIOS HUMANOSWhere stories live. Discover now