8 - SONOS EM JOGO

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24 de fevereiro de 2085, 19:42pm. Departamento de Vestígios Humanos, bairro Huey Pih-Hannon Lawrence Moss, distrito residencial externo 14, Hollowpointtown.

O dia foi cheio ontem, mas hoje... hoje Harvey... Harvey ainda refletia sobre o cigarro da dona Morte. O cigarro e seu potencial não saía de sua cabeça. Estava no alojamento o dia inteiro, esperando o turno acabar, junto com sua equipe. O lugar ainda pingava por todos os lados. E o mesmo cheiro de ferro estourado perdurava o lugar numa ressonância constante.

Fora o dia menos movimentado do mês, nenhum caso que necessitasse deles. As outras equipes também foram mobilizadas com uma raridade desinteressante de tão ínfima. Nenhuma morte hoje. Então o dia inteiro foram elas sentadas no alojamento e tentando se distrair. Começaram lendo gibis novos que compraram para trocar entre si, jogaram baralho, e beberam alguns shots de uísque com coca-soda.

Novamente estavam no mesmo estado letárgico de sempre. Hoje não prestou muita atenção em suas vestes, não ligava muito hoje, não enquanto durava aquela curiosidade mórbida em relação ao cigarro. Só lembrava que Kassie usava alguma peça roxa e Richer usava uma peça branca um tanto suada. E nada muito além disso pelas horas que o dia se seguiu.

Ambas estavam com o rosto machucado e as mãos calejadas e sangrentas. Pareciam estar sucumbindo ao jeito desforme que estavam andando pelas noites. Não falaram o dia inteiro sobre uma única música. Ou sobre algum ato obsceno. Uma raridade. Um dia inteiro falando besteiras e piadas, e nada estranho saiu nesse tempo.

Mas reparou em Fresna, ela estava um tanto mais reluzente do que o normal. Talvez fosse o suor de estar sempre se exercitando e batendo num saco de pancada que colocou no alojamento há duas semanas atrás. O suor gerava um reflexo distinto. Reparou nela e seus shorts pretos jeans de textura leve, com sua camiseta branca militar do exército separatista do norte enfiada dentro do shorts como num daqueles animes de luta dos anos 80.

Veio com uma jaqueta preta longa de jeans com diversos bolsos e um capuz enorme que pendia pelas suas costas. Estava com o cabelo levemente penteado para trás e finalmente, após meses, não estava cobrindo seu nariz, ria e interagia em lapsos de surdez que... Harvey não captava nas horas certas. Possuía uma espécie de atraso na hora de captar esses momentos, estava ocupando vendo a maneira como ria de boca aberta, expondo seus dentes quase perfeitos.

Ontem ela perguntou sobre a questão do câncer, e Harvey não soube como responder. Pensou em dizer que a própria Morte a poupou ou coisa do tipo, que estava simplesmente curada e não morreria. Por um lapso de segundo, quase se atentou à dar o cigarro à ela no banheiro. Quando sentiu a vontade chegar, derramou lágrimas silenciosas sem choro, sem muita reação. Quando indagada pela própria Fresna do porquê das lágrimas, ela apenas disse...

- Eu tô bem... -

Estava sentada no sofá, ainda sentia a insônia batendo em sua nuca. Tentou tomar as pílulas Goodfeelin dos comerciais contra depressão, mas não sentia efeito nenhum. Foram os cem dinheiros mais mal gastos que já investiu. Pílulas da felicidade que não cumpriram seu trabalho e ainda entupiram o ralo da pia.

Olhou para Richer saindo do alojamento, devem ter dito algo sobre limpeza de trajes. Não importava, ficou ainda encarando Fresna de costas enquanto ela lia seu gibi na altura das pernas, sem cobrir seu nariz. Observando agora, um nariz um tanto alongado na base e grosso na base, um nariz único e projetado de uma forma única. Um nariz colorido por suas sardas suaves.

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