3 - PESTANA PÓS-AMERICANA

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25 de janeiro de 2085, 20:32pm. Píer central, distrito residencial externo 30, Hollowpointtown.

Os distritos residenciais externos mais ao norte são um tanto mais tranquilos, menos povoamentos e menos prédios gigantes. Do ponto de vista de onde "Ela" estava, era possível ver cada camada crescente da cidade. Os prédios imensos das regiões externa, os edifícios altos, reluzentes e coloridos do centro, hologramas de mais de 200 metros de altura e enormes painéis holográficos de noticiários e propagandas no topo da cúpula, quilômetros de distância do alcance das mãos do povo. Televisões gigantes ao redor dos centros, dizendo muito sobre os tempos em seu redor.

O píer era um ponto de insanidade, um lugar baixo e escuro, num rio pseudo-natural. Um lugar pouco iluminado e repleto de forças macabras especulando nos becos, e matando tempo com cigarros, drogas e solidão. "Ela" estava sentada numa cadeira de praia retrátil branca e vermelha, com uma vara de pescar apoiada em seu colo, ao lado de Fresna, numa cadeira de praia retrátil verde e azul. Ambas separadas por um pequeno frigorífico cheio de cerveja com um pote de salgadinhos de queijo suave tamanho extra grande. E juntas estavam pescando, com as varas de pescar, naquele local que com certeza não era para pescar.

O plano não era pescar de fato os peixes, mas ver quem conseguia  encontrar o objeto ou ser vivo mais estranho e inusitado. Há pouco menos de vinte minutos, Fresna pescou uma "medusa do mar" radioativa coberta de bolinhas verdes. Era uma brincadeira que necessitava dos trajes de proteção da empresa. Pois "Ela" já achou um pedaço de nitrato de césio de 25 gramas dentro de uma lata de afrodisíacos nesse rio. Alguns barcos passavam, mas nenhum era pesqueiro, a maioria eram de pessoas menos afortunadas que confiavam mais nas rotas de barco do que nas ruas da cidade.

Estavam em silêncio havia um tempinho. Mas estavam um tanto à vontade. "Ela" pôs um grampo de cabelo em forma de caveira em seu coque, e usou lápis de olho, estava se recuperando aos poucos da insônia - por enquanto -, mas ainda estava com todos os efeitos, a fraqueza, os olhos avermelhados e sem vida, além das rugas acentuadas. Fresna por sua vez, cortou seu cabelo mais curto e o prendeu com uma presilha em forma de guitarra elétrica. Ambas trajando as roupas de proteção sem nada de especial, mas sempre com as máscaras à postos, não permitem levar os capacetes do departamento.

Algo rondava suas mentes, mas Fresna demonstrava alguma tranquilidade. "Ela" estava pensando em algo que lhe incomodava a cabeça, algo que estava errado no mundo. Faziam duas horas que não pegava seu diário para escrever qualquer coisa. Tentava manter uma certa discrição sobre seus sentimentos, mas não era possível. Fresna sentia essa tensão vindo dela. Não falava, mas sentia...

- Aí... ... aí. -
- Que é? -
- Como é que tá o dente? -
- .... ... melhor. Os remédios tão funcionando e... os pontos tão sumindo. -
- Hehe, que bom. Não disse que ele era bom? -
- Éh... disse sim. ... *fungada* ... -
- Ele... ... tirou um dente meu uns dias atrás... eu tinha levado um soco numa briga de rua, só que meu dente ao invés de cair com o soco, ele entrou em mim... aí ele teve que remover, não deu pra salvar nada, já que só tinha um "bolo" de ossos inútil fundido na cavidade dental... -
- O meu ficou podre depois de passar uns dias sem escovar os dentes numa operação de defesa numa toca inimiga. Ficamos 32 dias sem dormir, esperando o ataque... não chegou... alguns acabaram morrendo de exaustão... eu só sobrevivi porque fui a que melhor dormiu e comeu... ... o tempo todo, a gente com medo de explodirem a toca com um míssil ou coisa assim. ... ... quando saí das bases inimigas... descobri que tinha um dente nojento... isso foi há quatro anos.... -
- Porra... ... -
- .... é... foi... horrível. E nem chegamos à atirar em ninguém. Só ficamos parados esperando... -

DEPARTAMENTO DE VESTÍGIOS HUMANOSWhere stories live. Discover now