10 de Junho de 1990 (Domingo)

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Declarei, movimentando a colher no ar em círculos:

– Uma coisa muito aborrecida em relação aos dias feriados... é quando calham a um domingo. Que desperdício! A maneira de se ultrapassar o contratempo é sermos criativos. Então, hoje decidi que vou aproveitar o meu domingo e irei passear em Roma. Também não me deveria queixar, não é? Afinal, já estou de férias e os feriados nos meses de férias não contam para nada. Quando começar a trabalhar, aí vão contar. Enquanto isso... Mas, pronto, tenho todo o direito de me queixar. Hoje é feriado em Portugal e é um domingo. Um desperdício, um enorme desperdício!

Diego e Claudio Caniggia não me escutavam, estavam recostados nas suas cadeiras, entretidos a saborear o seu chá mate. Óscar Ruggeri mastigava devagar com um olhar perdido num qualquer pensamento que o levava para longe. Só Julio Olarticoechea me escutava com atenção.

– Então... hoje é feriado em Portugal – comentou.

– Sim. Dia dez de junho é dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Foi neste dia que morreu o nosso maior poeta, o Luís Vaz de Camões, que escreveu Os Lusíadas.

– Hum-hum.

– Devemos ser dos poucos países do mundo que celebra o seu dia nacional associado a um poeta. Somos um país de poetas, no fundo. Como escrevo e penso publicar um romance, seguir uma carreira de escritora, gosto de frisar esse pormenor. Devemos enaltecer a literatura. Se o Jorge Valdano estivesse aqui, ele haveria de me encorajar.

– Sim, o Valdano era o intelectual do grupo. O filósofo!

– Vão haver umas festas em Lisboa e comemora-se o dia oficialmente... mas é domingo! Que desperdício! – repeti, revoltada. Baixei a colher e voltei a enfiá-la na tigela dos flocos de milho regados de café com leite.

– E o que te interessa isso se estás em Itália? Ser feriado ou não em Portugal num domingo não te vai afetar muito, pois não?

Estiquei o pescoço.

– Sou portuguesa e essa condição mantém-se em qualquer parte do mundo. Assim como tu és argentino em Itália.

– Ela tem razão. Um a zero para a Tina – observou Diego.

– Obrigada! – agradeci o apoio admirada. Julgava que ele não estava a escutar a conversa.

– Está bem, mas de qualquer maneira é domingo e temos o dia livre. Sendo feriado ou não... mas concordo contigo que é um desperdício que os feriados calhem a um domingo – acrescentou Julio ao ver-me a arrebitar o lábio superior.

– Ah, bom.

– O que vais fazer hoje?

Voltei-me para Diego que fizera a pergunta.

– Vou passear em Roma. Quero visitar o fórum, o Coliseu, o Capitólio e o Palatino. Preciso de tirar uns apontamentos para um trabalho que tenho de apresentar – respondi.

– Um excelente programa. Vê lá se te perdes.

– Ora essa, Diego. Já sou crescidinha. Não me irei perder.

– Poderás ter um encontro qualquer que te faça perder. Roma tem as suas surpresas. E depois há as outras tentações...

– O que queres dizer? Que tentações?

– O que o Diego quer dizer – explicou Ruggeri, inclinando-se para diante – é que não quer que regresses demasiado tarde a Trigoria, Cristina. Temos hora de recolher obrigatório. Sabes disso, não sabes? Sim, tens de voltar até às seis da tarde. Depois disso torna-se complicado. O Bilardo verifica sempre quem anda fora, quem anda a sair, os porteiros estão instruídos para fazer denúncias... estamos num regime militar aqui dentro.

O Outro Lado do VerãoOnde histórias criam vida. Descubra agora