9 de Julho de 1990 (Segunda-Feira)

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Diego Maradona partiu para Nápoles na noite anterior. Reuniu-se à família, aos pais, aos irmãos, mulher e filhas, e seguiram todos juntos para a Argentina. Não nos despedimos. Pensei que ainda o veria de manhã, mas confiei demasiado na minha própria importância e perdi a oportunidade de um último abraço antes das respetivas férias. Se me magoou? Continuava estupidificada, tão devastada como a terra de ninguém de uma batalha sangrenta esventrada por um intenso bombardeamento, e qualquer coisa que acontecesse não significaria nada após esse cataclismo. Por isso, não, não me magoou. Decidi pensar no que me estava a acontecer depois, quando estivesse mais calma e menos exausta.

Não dormi nada. Cheguei a deitar-me e a dormitar, mas ao reabrir os olhos fiquei tanto tempo com estes esbugalhados que desisti de tentar convocar o sono. Estava a enganar-me e estava farta de me ter enganado nas últimas horas.

Lembrei-me com pena que deixara no estádio a camisola alviceleste, sem número, que Diego me tinha oferecido quatro anos antes. A boneca mexicana e o cachecol do Napoli salvaram-se, continuavam comigo. Não tinha perdido tudo. Só um mundial e a dignidade. Que triste espetáculo dera na noite anterior! Abanei as mãos. Tinha de parar com a autocomiseração. O mundial estava terminado.

No entanto, perder era a ulterior degradação e sentia-me embaraçada pelo desaire e pelas sucessivas desilusões.

Pus-me a deambular pelo campo de treinos abandonado. Já não restava nenhum futebolista em Trigoria, nem corpo técnico, nem dirigentes, nem jornalistas, nem grande parte do pessoal auxiliar. Ninguém. O silêncio deixava ouvir os pássaros a pipilar entre as árvores. Era pouco mais das seis da manhã. Uma manhã lavada, um dia novinho em folha. Tinha qualquer coisa como vinte minutos antes de seguir para o aeroporto para viajar para Lisboa. Encontrei o meu bilhete de avião sobre a mesa do quarto, antes de sair para aquele curto passeio. Um gesto impessoal. Não compreendia a razão de tudo se ter tornado tão indiferente.

Quando amanhecer eu vencerei!

Amanhecera e eu não tinha vencido.

Enganei-me. Ainda havia um futebolista.

Ruggeri encontrou-me. Abraçou-me. Consolei-me nos seus braços e quase cedi à vontade que tinha de repisar o jogo perdido, de fazer perguntas que acalmassem as minhas dúvidas. Refreei-me, contudo. Calei os gritos que demandavam explicações satisfatórias. Naquele momento devia ser forte e mostrar-me respeitável. Já chegava de tanto dramatismo e de tanto sofrimento.

Pediu-me desculpas. Não percebi que culpas estavam a ser dirimidas, se as minhas, se as dele, se as de toda a gente, se de ninguém em particular e tinha sido só uma frase lançada sem sentido. Perguntei por Diego, gostaria de o ter visto antes de ele se ter ido embora. Compreendia que Diego queria distância de Roma e de Itália... mas por que razão haveria de querer distância de mim? Ruggeri não me respondeu. Achei que não sabia o que dizer-me, ou então as suas desculpas no início foram sobre a partida de Diego. O capitão, pelos vistos, não se tinha despedido de ninguém.

– E... e o Jorge? – arrisquei.

– Burruchaga? Querias também ver o Burru?

– Sim.

– Para quê, niña?

– Eu... acho que não o vou ver nunca mais.

– E é melhor assim. Aquilo que aconteceu... – Cerrou a boca, desviou o olhar.

– O mundial terminou, Óscar. O que é que interessa o que aconteceu ou deixou de acontecer? Não influenciou nada. Ganhámos quando tínhamos de ganhar e perdemos quando.. – Calei-me subitamente.

O Outro Lado do VerãoWhere stories live. Discover now