15 de Junho de 1990 (Sexta-Feira)

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No pequeno-almoço comentava-se o assalto fanático que os tifosi tinham feito a parte do relvado do estádio Olímpico, no rescaldo da vitória da Itália contra os EUA. Porções da relva tinham sido arrancadas que seriam postas à venda num leilão a acontecer brevemente. Os vândalos iriam receber bom dinheiro, o que lançava o aviso errado de que o crime compensava.

– Quem é que vai querer comprar relva de um estádio? – desdenhei, com a boca cheia de pão barrado com pasta de chocolate e avelã. Sabia que aquilo engordava, mas era tão deliciosa que me permitia ao pecado. Se notasse quilos a mais, logo faria corridas regulares à volta do campo de treinos.

– Há malucos para tudo – comentou Ruggeri. – No outro dia li que se vendeu ar de um qualquer lugar onde esteve um famoso que já não me lembro quem era. A relva sempre se pode ver, tocar e cheirar. Agora... ar? Quem é que nos garante que é mesmo o ar respirado por aquela pessoa?

– Não é isso que importa. Importa é que a pessoa que o comprou acredite que é ar especial – disse Cannigia que regressara à nossa mesa. Diego comia numa mesa tão afastada que dali não o conseguíamos ver.

Olhei admirada para Cannigia porque ele era sempre muito reservado.

– Eu queria uma garantia – insistiu Ruggeri.

– Deverá ter algum rótulo a dar essa garantia.

– Pois aí é que está, Canni... quem é que te pode garantir o que quer que seja em relação a ar?

– Acham que se podia vender ar do Diego? – perguntei, curiosa.

– Não queiras fazer isso. Os peidos dele cheiram muito mal!

Corei.

– Cabezón, estás a atrapalhar a miúda – censurou Olarticoechea, divertido.

– Não... tudo... está tudo bem – gaguejei.

– Ela não acredita que o nosso capitão dê peidos! – gargalhou Ruggeri.

– Deve dar, claro! – defendi-me, espicaçada. Continuava com a cara vermelha. – Ele é uma pessoa como as outras. Mas nunca... nunca fez isso ao pé de mim.

– Nem vai fazer. Se chegares a essa fase, querida, significa que tu e Diego têm uma relação demasiado... próxima. E isso não estará certo, não é?

Nisto, tornei-me lívida. O lábio tremeu-se-me e o que queria dizer transformou-se num ronco.

– Muda de conversa, Cabezón. Por favor. É nojento falares desses assuntos quando estamos a comer e estás a deixar a Cristina maldisposta – observou Olarticoechea mais sério, notando a minha mudança de humor.

Baixei os olhos. Comi rapidamente o pão com chocolate e terminei o café com leite. Desculpei-me e saí da mesa. Eu tomava todos os cuidados, Diego também, para que não existissem insinuações ligadas à minha presença no estágio, estávamos bastante distantes um do outro por aqueles dias, mas a minha ingenuidade e impreparação levava-me a cometer deslizes, totalmente involuntários, diga-se em minha humilde defesa, que podiam fomentar alguma desconfiança e descambar no boato. Nem eu, nem Diego queríamos isso. Apavorava-me que eu fosse a causa da maledicência, pois Diego haveria de me repreender e de se afastar ainda mais de mim. Podia, numa atitude radical, tirar-me do centro de Trigoria e alojar-me em Roma. Se quisesse vê-los, que fizesse diariamente a viagem da capital até ali. Ora, eu preferia acompanhar de perto e em exclusivo o estágio argentino, com a possibilidade de uma interação mais estreita e permanente. Veria como um castigo desonroso ser convidada a deixá-los. Até à data, porém, continuava a portar-me bem e não havia qualquer razão que justificasse a minha saída. Acalmei-me enquanto olhava-me no espelho da casa-de-banho do meu quarto, a lavar os dentes.

O Outro Lado do VerãoWhere stories live. Discover now