4 de Julho de 1990 (Quarta-Feira)

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Às nove horas e trinta minutos voltei o enunciado que tinha sido distribuído pelo professor que iria vigiar o exame. Li o primeiro ponto, pousei a esferográfica azul na folha quadriculada e comecei a fazer a prova específica de matemática sentada numa cadeira dura, numa mesa mais ou menos a meio da sala número 162 do Instituto Politécnico de Faro.

Tinha umas olheiras terríveis. Dormira qualquer coisa como quatro horas na minha cama e levantara-me antes de o despertador tocar, sentindo-me como se tivesse repousado decentemente para uma jornada tão importante como aquela. Ou talvez tivesse forçado essa sensação para não ceder à fadiga, porque o meu rosto pisado denunciava-me.

Não estava nervosa, nem ansiosa, nem receosa. Estava tão calma como Jorge Burruchaga quando marcou o penálti frente ao Walter Zenga. Guardada na minha mala tinha a braçadeira de capitão de Diego que beijei às escondidas antes de entrar na sala onde iria testar os meus conhecimentos a matemática. Esse amuleto, mais a boneca mexicana de trapos que também trouxera, haveria de me proteger e de me inspirar durante as duas horas do exame. Estava confiante, embora com a cabeça ligeiramente oca pela falta das horas normais de uma boa noite de descanso. Afinal, dormira por partes, à semelhança de um encontro de futebol. Uma primeira parte no avião, uma segunda parte no meu quarto.

A prova específica foi difícil, foi muito difícil. Não fiz uma pergunta, deixei incompleta a parte da trigonometria, debati-me para apresentar os exercícios terminados na matéria que me era mais familiar e onde podia alcançar a cotação máxima. Esforcei-me por me recordar do meu estudo e dissociá-lo, ao mesmo tempo, das condições e dos lugares onde estudara. Trigoria, Trastevere, o San Paolo! A memória atraiçoar-me-ia, acabaria por me distrair mais do que a conta, e seria o descalabro. No fim do tempo, novamente como num encontro de futebol, quando entreguei a folha oficial com as minhas respostas acompanhada do enunciado, tinha a certeza de que a minha nota seria má, mas não me importava. O alívio de saber que tinha feito o exame suplantava qualquer remorso, hesitação ou receio.

Se a entrar não tinha visto ninguém – chegara mesmo em cima das nove horas, entrara logo para a sala, estivera concentrada a preencher os formulários com a minha identificação e a seguir as instruções do professor que nos orientava naqueles preliminares –, à saída, com os ombros direitos e uma cara alegre de missão cumprida, encontrei um sem fim de gente. A Carina e a Alexandra, com as quais já mal mantinha contacto, o Ricardo, o Jorge, a Maria e a Lídia, a Marta que fez uma grande festa ao me ver, a Monique que me abraçou como se não me visse há mais de um ano.

Conferimos brevemente como tinha sido a prova. Comparámos respostas e fizemos contas por alto a antecipar a provável classificação final. À exceção do Ricardo e da Maria, tinha corrido muito mal a todos. Entrei no grupo dos queixosos, apesar de a Lídia desconfiar de que eu estava a mentir só para me solidarizar com eles. A verdade era que achava que iria ter uma nota baixa. Se conseguisse uma positiva seria um pouco acima dos cinquenta porcento. Acariciava a mala devagar, sabendo que para além da aba fechada estava a braçadeira de Diego e a boneca. Se não tivesse aqueles acessórios teria negativa, de certeza.

A Marta estava muito descontraída para quem dizia que iria ter qualquer coisa como vinte porcento. Aceitara definitivamente as suas limitações a matemática e também se sentia aliviada por estar, como todos nós, livre da exigência daqueles exames obrigatórios para concorrer a uma universidade. Não chegámos a estudar juntas, lembrei-me, mas ela não me cobrou a quebra da promessa que lhe fizera ao telefone desde a pensão de Roma, nem fez perguntas adicionais sobre o meu paradeiro naqueles últimos dias. Mostrava-se tão excitada, aérea e histérica que nem me perguntou pelo namorado italiano. Eu já matutava numa desculpa, tinha perdido o avião, só conseguira viajar na noite de terça, o dia de Marte em espanhol, mas não foi preciso mentir e foi melhor assim.

O Outro Lado do VerãoWhere stories live. Discover now