22 de Junho de 1990 (Sexta-Feira)

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Neste dia acontecia o primeiro dos quatro intervalos no mundial. Estavam previstas pausas antes de cada fase seguinte do torneio, para permitir algum descanso e desafogo às equipas que ficavam, para permitir àquelas que se despediam uma viagem sossegada e aliviada, imaginava eu.

O fim-de-semana prometia ser agitado. No sábado iríamos viajar de avião para Turim, no domingo acontecia o jogo. Regresso a Roma nesse mesmo dia, para ficar mais uma semana ou para fazer as malas.

No caminho para o quarto, depois do pequeno-almoço, fui puxada e atravessei uma porta que se fechou. Ficou tudo escuro à minha volta. Taparam-me a boca com uma mão e sobressaltei-me. Ao pestanejar entrevi vultos entre as sombras e uma descarga de adrenalina deixou-me ainda mais alerta, preparada para me defender e para fugir.

– Chiu! Não faças barulho – pediram-me num sussurro rápido.

Reconheci a voz de Ruggeri e tudo se tornou mais estranho quando percebi as figuras de Batista, de Giusti e de Caniggia na penumbra e no meio de outros, uma pequena multidão furtiva que se acotovelava dentro da sala do vídeo, utilizada para as lições de Bilardo. Não era um espaço muito grande. Espalmava-me contra a parede, junto à pequena porta que permitia uma espécie de saída discreta para um corredor secundário onde fora capturada.

– O que é que se passa? – perguntei, espantada.

– Chiu! Vamos fazer uma surpresa.

– Ah! É por isso que estamos aqui, no escuro? Uma surpresa a quem?

– Ao nosso capitão. Hoje é dia vinte e dois de junho.

Percorri rapidamente a minha coleção de memórias e detive-me no mundial do México. A minha mente iluminou-se com a imagem de Diego às voltas com a bandeirola, a provocar o fiscal-de-linha ao mesmo tempo que lhe obedecia, antes da marcação de um canto. Era a memória mais vívida que tinha dessa tarde, porque os famosos golos vira-os apenas dois dias depois e já imbuídos de uma aura fantástica de espanto e magia. Há quatro anos, a Argentina jogara contra a Inglaterra e fora esse jogo que criara o mito de Maradona. Escancarei um sorriso e assenti, deixando Ruggeri menos tenso. Compreendia perfeitamente a homenagem que se preparava e que era mais do que justa. Diego praticamente tinha derrotado os ingleses sozinho, primeiro vergando-os com um golo irregular, depois deslumbrando-os com um golo maravilhoso.

A porta da sala abriu-se. Era ele. Protestou com um palavrão, não via nada – as persianas estavam cerradas para aumentar o breu. Lançou um braço, tateou pela parede à procura do interruptor. Carregou no botão e escutou-se um berro em uníssono.

– Parabéns, capitão!!

Diego saltou com o susto. Colou uma mão no peito para acalmar o coração.

– Porra, rapazes! Que merda é esta? Parabéns... parabéns, porquê? – comentou, insistindo nos palavrões.

– É o aniversário da vitória da Argentina sobre os ingleses, capitão!

– Ah! Como é que se foram lembrar dessa merda? O que interessa isso, caralho! Temos um novo mundial para ganhar. O que passou já está fechado.

Não sabia que eu estava ali com eles, ou não teria sido tão desbocado. Escutei Ruggeri suspirar ao meu lado, contraído. Dei-lhe um toque discreto e encolhi os ombros, a indicar que estava tudo bem. O que Diego dizia de anormal entrava-me por um ouvido e saía-me pelo outro. Não me ofendia, não me melindrava, não me escandalizava.

Uma pequena comissão formada por Burruchaga e por Olarticoechea, designados embaixadores dos demais, entregou-lhe uma camisola azul da Argentina. Fazia parte do equipamento alternativo atual que ainda não tinham utilizado. Era ligeiramente diferente daquela usada no jogo contra a Inglaterra, mas teria de servir como símbolo dos golos que marcara, porque ele resolvera entregar essa camisola a um maldito inglês que devia estar a usá-la para limpar o chão. Diego riu-se alto.

O Outro Lado do VerãoWhere stories live. Discover now