Capítulo 10.

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Sangue escorria sem cessar dos meus braços e pernas, felizmente seu veneno estava na boca e, caso saísse viva ainda poderia sobreviver. Quando uma das Acromântulas cravou sua garra no chão a fim de me transpassar assim como a carne em um espeto no churrasco de domingo, usei-a como ponte para assim alcançar sua cabeça e com um movimento rápido a decepar jorrando seu sangue roxo escuro em minha face, mirando as adagas acerto três olhos de uma de suas irmãs e com rapidez treinada arrumo o arco atirando a flecha bem quando a boca da aranha se abre.

Mais sangue roxo escorre, ela engasga e antes de atingir com um baque o solo, antes de uma irmã menor que as outras correr para ajudá-la, sua pata golpeia meu estômago jogando-me forte no chão com o impacto intenso fico sem ar tempo o suficiente para que a mais velha delas fique em cima de mim pronta para esmagar meu crânio igual a uma amêndoa com sua boca larga, nem por isso fico parada. Minhas garras perfuram sua gengiva na medida em que tento mantê-la afastada, sua boca está a centímetros do meu rosto assim como pinças venenosas, a saliva cai em meu rosto, faço uma carreta sentindo náuseas.

Urrando de dor com a força que estou fazendo, uma lágrima teimosa escorre sentindo seu bafo quente se aproximando, eu viraria petisco para elas tudo porque teimei em salvar um lagarto estúpido e nem mesmo sei o motivo para cometer tamanha loucura... De repente uma chuva de espinhos atinge a aranha em cima de mim acompanhado por um rugido poderoso que reverberou por toda a floresta, ela se afastou buscando se defender de outra saraiva de espinhos, não vi direito como isso aconteceu, mas pelo que parece devia ser feito do dragão que havia acordado. A Acromântula olhou para as irmãs, uma decepada e outra engasgando com o próprio sangue, ela faz um som similar à de um assovio medonho.

— Demônio! —Esbraveja. — Vá embora e não volte mais, Ceifadora da Morte.

Com isso, ela foge com sua irmã mais nova sobrevivente desaparecendo de vista, o ninho delas deveria ser próximo dali. Ofego sentindo todas as dores que estavam anestesiadas pela adrenalina, meu corpo inteiro reclamava pelo simples esforço de ficar em pé, escoro-me na árvore fitando o pequeno dragão que não é muito maior que eu, a fêmea se aproxima de mim ficando a um palmo de distância tanto que sinto seu hálito quente. Por alguma razão não sentia nenhum medo ou instinto protetor, pois de maneira que não entendo sabia que, mesmo o animal sendo selvagem e obviamente poderoso, tenho a mais plena certeza de que jamais me machucaria.

— Eu te salvei e você me salvou, estamos quites agora. —Disse com a voz cansada.

O animal pisca lentamente como se estivesse se comunicando, ela ergue a cabeça olhando para os lados antes de volver.

— Não há mais perigo.

Ela aproximou a face triangular do meu braço o tocando com seu focinho gelado, ergui devagar a mão para tocar seu couro laminado, o dragão se manteve firme no lugar apenas esperando o toque.

— Você é magnífica, mas está em farrapos. —Ela se afasta ao ouvir a última parte bufando. Gargalho. A criatura era bastante inteligente, me admira que não a tenham capturado ou talvez ninguém conseguisse. —Precisa se limpar ou as feridas infeccionarão.

Retiro meu peso da árvore sustentando sozinha meu corpo, meus passos estavam lentos e mancos, o dragão se aproximou oferendo o corpo como um apoio até o riacho próximo. Ouvi-o com minha audição apurada e, provavelmente não estava muito longe, peguei algumas folhas caídas para tentar estancar o sangramento até voltar para a fortaleza e fazer curativos decentes, havia algumas raízes mortas que ajudariam a manter a bandagem no lugar.

Sentei a beirada do riacho pequeno e estreito com algumas rochas musgosas, ele era raso a ponto de nem chegar ao joelho e suas águas esverdeadas desciam em pequenas depressões como sendo escadas, os troncos finos das árvores se inclinavam sendo já secos e velhos. Estico as pernas usando as folhas para pegar e passar a água pelas feridas abertas que podiam infeccionar se não limpasse logo, peguei um punhado de musgo amassando bem antes de colocar na boca e mastigar até o sentir pastoso, fiz uma careta cuspindo para colocar no corte profundo em meu antebraço e na perna, com as raízes amarro em pontos acima para conter o fluxo e assim parar o sangramento intenso.

Após tratar de mim volvi a atenção para o dragão, havia o dobro de cortes recentes e nem tanto, mas vários abertos e prestes a criar fungo, tratei-a o melhor que podia estando em uma mata e sem artifícios ao meu favor, e o mais rápido também. Pois algo me alertava para voltar depressa a fortaleza, seria uma longa caminhada e do jeito que estava nem sei se conseguiria chegar a metade do caminho, mesmo com o curativo a dor era latejante e queimava ainda mais com o musgo, na verdade nem sei como estou viva depois de um ferimento dessa magnitude.

— Quem sabe nos encontraremos de novo. —Falo para o dragão acariciando seu focinho e me pondo a caminhar.

Ela me segue e empurra de leve meu braço, com sua cabeça.

— O que foi? Não posso te levar comigo ou será capturada e não sei o que farão.

O dragão grunhe baixo, ela parecia ter uma inteligência maior que as serpentes de outras Classes, aponta com a cabeça para seu flanco pedindo que montasse, franzi o cenho, mas fiz como queria até porque precisava de uma montaria para chegar a Montgomery.

— Está bem, mas não se aproxime demais da fortaleza.

Mesmo depois de alguns trotes pensava que ela levantaria voo, mas não, continuava galopando e somente depois de olhar suas asas percebi o motivo, estavam lesionadas. Um animal alado não poderia viver somente em solo, mesmo sendo um oponente poderoso fica mais vulnerável a outros animais selvagens e caçadores, talvez se a visse novamente eu trataria melhores seus machucados para uma melhor sobrevivência. Honestamente se eu pudesse escolher, preferiria ter a fêmea como minha montaria invés de Hellas, mas Scatha jamais permitiria.

Uma voz doce falava sem cessar em minha cabeça ordenando que fosse mais rápido. Quando o escuro caiu e nuvens cinzentas bloquearam a luz fraca da lua, já é possível ver as montanhas significando que estou perto, e percebo também o porquê precisava voltar rápido, há veneno circulando em minhas veias, minha visão já estava ficando turva e as pálpebras pesadas demais, sentia os membros de meu corpo cada vez mais pesados e difíceis de controlar.

— Não se aproxime mais... —Digo baixo que quase pensei ser inaudível, mas ela paro exatamente como mandei.

Com esforço movi minha perna para desmontar e por sorte o animal me ajudou do seu jeito, a descer, ou teria caído de cara no chão, praticamente me arrastava até estar perto o suficiente para perceberem minha presença, Tygas me olham sem saber o que houve, mas sequer se aproximaram e tudo que consigo ver são meros borrões — estou pouco me importando com as aparências nesse momento, pois estou quase, literalmente morrendo. Passos soam vindo rapidamente em minha direção, mãos grandes e quentes me seguram assim que meus joelhos fraquejam não aguentando mais o peso, nem mesmo minhas pálpebras obedecem o comando de permanecerem abertas. Não sei quem é, mas também não me importo.

— Veneno. —Minha voz sai tão baixa que não sei se fui ouvida, mas já fiz o que podia.

E então, a escuridão me acolheu em seus braços, e eu cedi. Um ensinamento sólido de uma guerreira é saber que batalhas lutar.

Sangue ObscuroDonde viven las historias. Descúbrelo ahora