9 - RELINQUERE

768 129 124
                                    

RELINQUERE (v.) do latim significa abandonar. Deixar ao desamparo, deixar só, deixar o lugar em que o dever obriga a estar.

[*] Antes de ler, leia o recado.

Caroline

Eu devo ser uma palhaça, ou algo do tipo, do nada, depois de uma noite ótima, de dias tão ótimos quanto, a criatura resolveu por bem ir embora e me deixar com as crianças sozinha em outro país, porque ela simplesmente se enfezou por sabe-se lá o que, e eu tive que explicar para a pequena o porque da mamãe ter voltado sem ela, expliquei do meu jeito e já espero até o drama que a Rosa vai fazer por isso. Engraçado que ela me acusa de traumatizar as crianças, mas acabou fazendo o mesmo, agora vai eu falar. Faz parecer que eu sou o mau do mundo, já até sei que em casa vão me crucificar. É muito difícil entender a Rosamaria, mesmo que eu faça tudo para agradar, é como se eu sempre estivesse errada, isso só complica a nossa vida, e essa ideia absurda de divorcio também, até porque ninguém casa para separar.

Os nossos dias sem a minha esposa, sim minha e não deixará de ser nem tão cedo, foram até melhores do que eu imaginei, as crianças aproveitaram a minha companhia e eu a delas, serviu inclusive para me aproximar um pouco mais de João, meu filho estava crescendo, na altura e na maturidade, ele é muito parecido comigo e durante esses dias eu percebi o quanto ele se detesta por isso. Confesso que me entristeceu um pouco, eu sempre amei ser mãe dele, desde o primeiro dos três testes de gravidez que fizemos, eu sempre quis ser mãe, e depois que ele nasceu eu tive a certeza de que tinha que ser eu a mãe do João, para além, de que eu ia amar meu filho por cada segundo de sua vida e vê-lo tão descrente de mim, por causa do olhar e da influência acusadora da sua mãe, me deixava triste, além de com uma raiva crescente, não precisávamos disso. A Júlia é minha, não tem como explicar o quanto ela me faz bem, o quanto eu sou apaixonada por ela, e tudo que ela faz eu acho lindo, é uma pena perder alguns momentos importantes dela por conta do destempero de Rosamaria, eu só queria que ela fosse capaz de entender que nos metemos nessa sinuca, por sua culpa, era só seguir como antes, e nada daria errado.

As consequências dos meus entreveros familiares me assola até na companhia, estávamos há três dias da volta para casa, quando um superior me ligou avisando que teria um voo de última hora saindo de Paris para os Emirados Árabes e que gostaria muito que eu fizesse o trecho, e era óbvio que eu queria, sempre quis conhecer o Oriente Médio, e levar um voo até lá é um sonho. Só que eu estava com as crianças e um balde de água fria caiu na minha cabeça, se a Rosa não tivesse ido embora, se não tivesse sido um caos total, eu poderia ir. Contudo mais uma vez a minha esposa tratou de estragar os meus planos, mas eu ainda tinha uma solução, mandá-los para casa com um membro da companhia, e assim eu poderia voar.

Contei para o meu filho sobre o imprevisto, e o orientei dos próximos passos e qual não foi a minha surpresa quando ele ligou para a mãe contando tudo e pior quando ela se reportou a mim com quatro pedras na mão, faltando me chamar de irresponsável por mandá-los de volta sozinhos, sendo que isso acontece com bastante frequência e não tem perigo algum, as crianças não viajam desacompanhadas. E como se não bastasse me ameaçou dizendo que se eu não voltasse com eles, iria dar um jeito de proibir que eu os visse e que estivesse com eles até que algum juiz tomasse uma decisão sobre isso. Ela teve coragem de me ameaçar, ela não estava sequer blefando, por Deus, Rosa quer mesmo nos fazer passar por isso, como se já não bastasse tudo. É muito difícil de entender as razões dela para querer me arruinar.

Por mais que eu quisesse muito ignorar a ordem de Rosamaria, eu não poderia dar o prazer dela de tirar meus filhos de mim, e eu tinha certeza que ela não estava blefando e sabendo que meu pai estava defendendo ela no divórcio, ele não faria menos que o melhor possível para ela conseguir a guarda definitiva deles. Não quero de forma alguma dar mais coragem a ela, então para não ter maiores problemas, expliquei com todo o pesar à companhia que eu não poderia assumir aquele voo, por conta da presença dos meus filhos, mas que assim que tivesse outra oportunidade não ia me furtar em aceitar de pronto e agradeci pela confiança em mim para um trecho tão importante, poucas comandantes mulheres eram postas para fazê-lo, e aquilo me fazia ficar ainda mais frustrada.

SKYLINE.Where stories live. Discover now