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ELE

Os sons de cigarras e ventos nas árvores do jardim de minha casa preenchem meus ouvidos. Já passa e muito da hora do jantar, um horário seguro para eu voltar e subir até meu quarto, sem que ninguém me veja ou saiba que eu existo. Seguindo a passos lentos, o orvalho da noite molha meus sapatos brancos já surrados e sinto um cheiro agradável de terra molhada. A composição dos meus sentidos me fazem perceber que estou quase sóbrio, preciso estar em um dos polos extremos de sobriedade ou não para sentir tantas coisas. Tento não pensar em Maria, nas coisas que ela disse. Sem pensar, minha mão sobe ao pescoço onde seu colar estava, consigo a sentir pelo metal frio e fino entre meus dedos. Tento ignorar mais ainda o fato de que usei tudo que podia hoje a noite pensando no sofrimento que ela provavelmente vive por ter uma avó sem compreensão. É pesado de admitir para mim mesmo que não quero vê-la sofrer. Não a machuque, foram as palavras de Olga.

Ao me aproximar da casa, vejo Katherine sentada nos batentes da escada. Está escuro, então só a vi quando cheguei bem perto. Ela não me olha, mas percebe que eu cheguei pois se afasta, dando espaço para que eu sente ao seu lado. Sento na pedra fria, virando um pouco para olhá-la melhor. Minha visão ainda está um pouco turva, então pisco algumas vezes para me manter focado e conseguir conversar com ela.

—Você fede a cigarro. - Ela diz repentinamente e sorri.

Me aproximo dela e fungo seu ombro, me admirando ao sentir um cheiro muito agradável de algo frutado. Ela ri com minha reação.

—Você pelo contrário. - Empurro seu ombro.

—Eu vou sair. - Ela diz, dando de ombros e passando a mão no cabelo. Bastante vaidosa para a irmã que eu conheço.

Quando ela fala isso percebo que ela realmente está muito arrumada. Está cheirosa, usando maquiagem e saltos baixos. Kath está usando salto.

—Para onde? Já passa da hora das crianças dormirem, e o motorista está atrasado para levar vocês, o carro nem está aqui na frente.

Olho ao redor procurando ver louise se admirando no espelho que fica ao lado da janela da frente. Mas a casa já está bem escura.

—Vou sair sozinha.

Devo estar parecendo um pateta pois passo alguns segundos a olhando com meu queixo caído, perplexo. Até cair numa risada profunda, até me jogar para trás nos degraus, colocando os cotovelos como apoio.

—Eu não estou brincando.

Paro de rir e a encaro, procurando algo que não sei bem o que seja, olho para os dois lados, tentando raciocinar para onde minha irmãzinha sairia depois das nove.

—Sozinha? Você só pode estar louca. Depois do que papai disse, ele vai matar você. - As palavras que saíram com ironia agora me ferem. Eu sabia do que ele era capaz.

—Você faz isso o tempo inteiro. - Kath resmunga, com um certo desgosto no tom de voz.

Não sei ao certo como responder a isso, então mudo o rumo da conversa. O rumo que me assusta.

—Quem é o cara? Eu conheço?

—Dale. - Ela revira os olhos e se afasta um pouco de mim, para me olhar melhor. - Não seja o irmão mais velho e chato, por favor.

—Não estou sendo, estou curioso. E preocupado. É uma garota?!

—Não tem nenhum cara envolvido. Nem garota. Eu acho.

Rio mais uma vez.

—Claro que não, mas ainda assim você está usando a maquiagem como se quisesse envelhecer cinco anos.

Onde Reside o Desejo (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora