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ELE

3 anos atrás

–Eu acho que vou acabar ganhando. - Lou afirma sorrindo, escondendo suas cartas de Uno, mesmo que eu conheça seu jogo muito bem.

Eu havia aceitado jogar com ela, pois a visão dela solitária no balanço do jardim quando desci para o café da manhã no meio da tarde foi simplesmente deprimente. Era triste saber que Olga estava iniciando a adolescência e tendo outras amigas e Kath ainda seja tão criança. Louise ficava de canto.

–Vamos ver. - Jogo um número cinco amarelo na mesa, pensativo.

Ignoro o olhar firme de meu pai por cima do jornal. Era a quarta quinta-feira de novembro, e como uma boa família americana iríamos comemorar o dia de ação de graças, e meu pai tirava o dia de folga para ficar pelo jardim, olhando Katherine desenhar alienígenas na cadeira ao seu lado e Arthur treinar nados na piscina aquecida. Mamãe ficava na cozinha o dia todo, cozinhando. O único dia anual em que suas mãos impecáveis se permitiam sujar. Eu perdi o café da manhã em família na varanda do jardim, como fazíamos em feriados e datas comemorativas, nem lembrava a hora que havia chegado.

Faz duas semanas que eu saí do meu quarto após minha mãe tentar me dar pílulas e me fazer dormir. Minhas crises estavam péssimas. Nessa noite em específico eu simplesmente saí andando, por horas. E chovia bastante, o frio me fazendo parar na rua, com meu pijama. Um carro preto passou momentos depois, me oferecendo uma carona. Entrei no carro de um garoto mais velho, que se chamava Mike. Ele me ofereceu cigarros, para o frio. O que eu aceitei, queria parecer legal, mesmo usando um pijama com foguetes estampados no algodão.

Ele disse que podia me arrumar algo melhor se eu vendesse meu tênis. O que eu também fiz. Coisas estranhas aconteceram no carro minutos depois, e eu só lembro de acordar na minha cama no dia seguinte.

–Dale, sua vez! - Lou ri de minha distração, me trazendo de volta. Nosso pai ainda está nos encarando, como se soubesse o que estou pensando.

Eu jogo em silêncio, ganhando nas três vezes seguidas. Quando minha irmã volta a embaralhar as cartas, meu pai me chama.

–Volto já. - Afago seu cabelo claro, bagunçando os cachos. Ando alguns metros até a mesa em que ele está, com minha irmã mais nova.

–Sente. - Ele indica para a cadeira a sua frente, Kath sorri para mim, o que eu retribuo com uma piscadela. Meu pai empurra um copo vazio e a jarra de chá gelado para mim, me sirvo um pouco, esticando minhas pernas na cadeira. Ele fecha o jornal em rolo e bate em meu joelho. - Sente direito, eu te criei melhor.

Fico tenso pelo seu tom agressivo sem nenhum motivo aparente. Bebo meu chá em silêncio.

–Aconteceu alguma coisa? - Pergunto, pondo o copo seco na mesa. Prefiro ficar vendo os braços de Arthur saindo da água. Ele faz seu nado borboleta de uma lado até o outro da piscina diversas vezes.

–Não, porque? Deveria ter acontecido? - Ele pergunta, suas mãos em seu abdômen, por cima da camisa polo. Era estranho vê-lo sem terno.

–Não. Então porque você me chamou? - Pergunto, já me estressando.

–Senhor. - Ele me corrige. - Queria saber como você está. Sua mãe disse que seu sono tem melhorado nas últimas duas semanas.

Mamãe falava sobre minhas crises com ele? Será que ele sabe o que fiz com Mike duas semanas atrás? E porque ele estava falando aquelas coisas na frente de Katherine? Minha irmãzinha continua desenhando, subindo os olhos curiosos algumas vezes para mim. Uma trança loira cai sob seu moletom vinho.

Onde Reside o Desejo (Concluído)Where stories live. Discover now