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ELE

Por muito tempo eu pensei em como seria fazer uma tatuagem, mas sempre tive medo da reação dos meus pais por algo irreparável. O que não faz o menor sentido pois o fato de eu usar drogas e ter me tornado um completo viciado soa como irreparável para mim. Mas nesse ponto da minha vida, eu realmente não me importo mais. A minha tatuagem foi mais rápida, com traços finos. Um grande carvalho verde no lado esquerdo de minhas costas. Perene. Estável. Como eu gostaria de ser. Reparo no tatuador terminar os traços finais da tatuagem de Maria também nas costas, logo acima do quadril. Ela escolheu uma menor que a minha, mas com mais detalhes, tatuando a palavra liberdade em símbolos do alfabeto japonês. Maria começou depois de mim e sentiu mais dor, o que fez demorar um pouco mais. Gosto do resultado.

—Abuela irá me matar quando ver. - Ela diz, fechando o vestido ao levantar-se. A ajudo, dando um laço nas fitas que puxam o tecido.

—Está linda, eu gostei. - Minha voz sai arranhada e ganho um sorriso pelo elogio.

—Eu poderei ver a sua? - Eu me aproximo mais dela, beijando sua têmpora.

—Logo logo. - Digo.

Pego em sua mão e a levo de volta para as lojas, em busca de algo para comer. Maria decide que iremos jantar sorvete, o que eu concordo. Já iríamos embora na manhã seguinte, bem cedo. Queria que ela se divertisse. Caminhamos devagar até o carro depois de comer o material gelado em maior quantidade do que eu achei possível de uma vez.

—Está com sono? - Ela pergunta, os dedos se mexendo entrelaçados aos meus.

—Não muito. - Digo.

Odeio estar me fechando enquanto os minutos passam, me sentindo taciturno e distante. Odeio a coceira em meu sangue, o suor desconvidado mesmo com o frio que está fazendo pelo inverno que se aproxima. Odeio querer tanto usar algo. Odeio ter falado tudo para ela, e agora receber olhos penosos em minha direção.

Respiro melhor quando entro no carro e começo a dirigir, me distraindo. O caminho é longo e silencioso, e Maria só fala quando voltamos para a casa, anunciando que está com sede. Me jogo no sofá grande e laranja que há na sala principal, a meia luz do abajur banhando o ambiente. Controlo minha respiração enquanto fecho os olhos. Preciso relaxar, ou irei explodir e me obrigar a sair quando Maria dormir. Minhas pálpebras desgrudam quando escuto música e vejo que Maria está em frente ao rádio. Reparo em suas costas, no seu balançar sutil ao toque da música suave que sai da caixa de som.

—Eu gosto dessa música. - Ela sussurra, os fios de cabelo se mexendo enquanto ela me olha por cima do ombro.

Meu coração acelera com mais intensidade, e não é pela abstinência dessa vez.

—Venha aqui. - Digo, abrindo os braços para que ela se aproxime. Maria senta em meu colo e eu a abraço, com força. Beijo sua testa, o que a faz se aconchegar mais.

—Estou começando a odiar que já iremos amanhã, tão cedo. - Sua voz sai abafada em minha camisa.

—Eu também, mas podemos ficar acordados até tarde, se você quiser. - Digo, acariciando seu cabelo com a mão que não a acolhe.

—Ainda estou com fome. - Ela diz, o que me faz rir. - O que?

—Eu disse que sorvete não seria o suficiente.

Ela se distancia para me encarar, o sorriso querendo pular em seu rosto.

—Era o que eu queria naquele momento. - Sua cabeça gira, enquanto ela olha ao redor. - Eu posso cozinhar algo, vi que tem algumas coisas nos armários.

Onde Reside o Desejo (Concluído)Where stories live. Discover now