36. LIBERDADE TEM UM PREÇO

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Isla observou a interação animada entre sua filha e a náiade milenar.

O mais triste da situação de Kelpie era que, se não fosse a maldição, ela seria a melhor babá do mundo. Era evidente seu jeito com crianças e o talento que tinha para contar histórias infantis.

Hariel tirou tudo que ela mais amava, por puro despeito e crueldade. Mas agora era tempo disso acabar. Kelpie merecia voltar para seu lar, em contato com o seu povo, e tendo controle sobre si mesma.

— Eilean, tem certeza disso? — Hamish estava nervoso com a proximidade da ninfa aquática com sua filha. — Não gosto...

— Confie em mim, querido. Eu jamais colocaria a vida da nossa filha em perigo. Se chegar um momento em que eu tenha que destruir Kelpie para salvar a Julia, eu irei. Agora, por favor, deixe-me trabalhar.

O moreno se afastou, contrariado, ainda com os olhos fixos em sua filha. Ficou horrorizado quando Eilean lhe disse que a quebra da maldição dependia da força de vontade da ninfa mais velha. Esse era o motivo de Eilean permitir interação entre Kelpie e Julia todos os dias, pois se Kelpie não resistisse à tentação, a contra-maldição jamais funcionaria.

Isla terminou de preparar a mistura de ervas que deveria dar para Julia. Era uma precaução, a mistura iria liberar uma parte controlada do poder de Julia que a protegeria caso Kelpie falhasse no ritual.

A dríade não falou para a náiade o que poderia ou não fazer, pois devia ser uma decisão da própria Kelpie, sem interferência externa. Ela não sabia o que aconteceria ao seu corpo se atacasse a menina. Não conseguia imaginar que havia uma existência ainda pior do que ser uma égua devoradora de crianças.

A essência da maldição era impedir que a ninfa pudesse destruir a si mesma para deixar de sofrer por matar crianças. Ela já havia tentado todas as formas possíveis de suicídio ao longo dos séculos, mas seu corpo sempre se regenerava e sua sede de sangue ficava pior a cada tentativa.

Havia três possíveis resultados para a contra-maldição: Kelpie resistir e ficar livre; não resistir, tentar devorar Julia e ser ferida por Isla; ou ter seu corpo destruído pela energia sem precedentes da Julia. No último caso, apenas seu corpo deixaria de existir. Por causa da maldição, sua alma ficaria eternamente consciente e faminta, vagando e sofrendo sem nunca poder se libertar da dor.

Isla torcia para que a última opção não acontecesse.

Chamou a menina e a fez beber a mistura que parecia suco verde, apesar de ter uma consistência mais desagradável. Quando Julia bebeu, com muito esforço, sua mãe lhe mandou ir para o píer assistir o pôr-do-sol, pois dali a alguns minutos, ela iria conhecer a Nessie.

Os olhos irrequietos de Kelpie seguiam cada movimento da garota. Fazia oito dias desde a última vez que se alimentara, e a presença constante da pequena dríade parecia a vitrine de doces mais apetitosa do mundo zombando de sua fome.

Isla percebeu isso e decidiu prosseguir com o ritual. Aproximou-se de Kelpie e desenhou símbolos antigos na testa, queixo e clavícula dela, depois levou-a para fora, no píer onde Julia estava sentada observando o início do crepúsculo.

A maldição foi criada com a energia da lua minguante em seu ápice, portanto, deveria ser exterminada com a transição da lua minguante para a lua nova, quando o sol ainda era visível e a lua surgia. Era um momento único em que estrela e satélite se mostravam em lados opostos do céu.

Isla assumiu sua forma de dríade e começou a falar o encantamento. O vento ficou mais forte, sacudindo as folhas das árvores, e as águas do lago se agitaram como se acontecesse uma tempestade.

No Coração do Bosque ProibidoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora