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Samuel arregalou os olhos.
Então todo aquele tempo a moça em que Carla tanto falava era ela mesma, toda essa história em que ela contou era tudo o que ela tinha passado. Mas qual era o objetivo daquilo tudo? Por quê ela estava ali mesmo depois de tantos anos? Por quê não se vingou antes?
Várias perguntas passavam pela cabeça de Samuel, mas a única em que ele conseguiu dizer foi:
- Então todo esse tempo era você?
Carla sorriu:
- O que você acha, Samuel?
- Eu não sei!!! Só quero saber o objetivo disso tudo. Por quê você contou pra mim sendo que tem dezenas de crianças aqui?
Carla baixou a cabeça como se estivesse pensando no que ia falar, ela não estava esperando por essa pergunta apesar de ser meio óbvia que seria feita.
- Se lembra daquele colar que você encontrou na floresta?
- Sim. O que tem ele?
- De alguma forma ele invocou minha alma para de volta pra esse lugar, apesar de já ter passado muito tempo, meu espírito continua preso nesse lugar horrível. Antes de você pegar aquele colar parecia que eu estava dentro de uma grande caixa de nada, mas... Quando você o pegou... Eu apenas ressurgi aqui. Nessa janela, nesse lugar... Foi aí que eu entendi, eu precisava ressurgir para a minha vingança!! E eu precisava de uma criança inocente como você, Samuel, para isso. Eu tentei lhe mostrar pelos sonhos o que havia acontecido comigo, como eu me sentia...
- Então aquele sonho que eu tive...
-... Foi um sinal que eu te mostrei. Aqueles que apareceram no seu sonho foram os cúmplices do Fernando!!! AH, COMO EU ODEIO ELES!!!
Quando Carla disse aquilo, um ar gélido soprou no rosto de Samuel.
- Incrível! Você sempre me deu sinais.
- Claro que sim.
- Mas... Eu não entendo. Como depois de tantos anos aquele colar estava lá e tinha que ser justamente eu que tinha que pegá-lo?!
Carla baixou novamente a cabeça e mordeu os lábios:
- As vezes o universo faz coisas que nós não conseguimos compreender. Você estava destinado a pegar aquele colar naquela hora e naquele lugar, assim como eu estava em ser morta e torturada aqui. Essas coisas são muito mais complexas pra você, Samuel, quem sabe quando você tiver uma idade mais avançada você consiga entender mais sobre isso.
Samuel estava realmente confuso.
Apesar de morar em um orfanato religioso, Samuel não se conectava muito com o catolocismo, porém, de vez em enquando, fazia algumas rezas como pai-nosso ou avé-maria antes de dormir. E agora escutar sobre a imensidão do universo o deixou com um sentimento de vazio, mas, como Carla disse, talvez quando crescer mais ele consiga desenvolver um conceito melhor sobre.
- Então - começou ele - Vai terminar por aqui?
Carla fez uma expressão confusa:
- Como?
- Você terminou a sua história, você me contou tudo o que eu precisava saber. Não era esse o seu objetivo?
Carla começou a rir:
- Claro que não. Agora que está começando, Samuel...
Samuel sentiu um frio na espinha:
- Começando o que?
- Estava esperando você perguntar - Carla abriu um sorriso - Minha vingança, Samuel. Vou fazer esse orfanato queimar assim como queimaram o meu corpo, vou fazer ele virar cinza com todas essas crianças e essas Freiras vagabundas pra sempre ser lembrada!!! SEMPRE!!
Carla abriu um sorriso malefíco. Samuel se levantou, seu coração estava batendo acelerado e estava começando a sentir muito medo:
- Por quê você vai ter que afetar pessoas que não tem nada a ver com o que aconteceu com você, Carla?
- Claro que tem a ver, Samuel, todos vocês tem a ver com o que aconteceu comigo por estarem morando nessa porcaria de orfanato que nem deveria existir!!! Eu odeio esse lugar, odeio com toda a minha alma e qualquer um que pisar nele também tem meu ódio!
- Por favor, Carla, não faça isso.
- Sinto muito, Samuel, mas espero fazer isso há anos. E eu lhe agradeço por ter me feito retornar para a minha vingança.
Ela abriu um sorriso:
- Adeus, Samuel.
Samuel foi arremessado pela escada.
Samuel rolou por ela um longo período, quando ele se recompôs, percebeu que uma chama havia se acendido nas cortinas em volta das janelas. Carla continuava sentada na janela enquanto as chamas se tornavam cada vez maiores. Com o tempo, as chamas atingiram o forro e começou a pegar fogo mais rápido, depois, as chamas foram em direção a porta do quarto do Samuel, onde tinha várias crianças.
Samuel ainda tentou subir, mas não conseguia, foi então que começou a chorar de frustração, ele não queria que ninguém morresse, mesmo aqueles que ele não gostavam dele tipo Rodrigo, mas ele chorou ainda mais quando pensou em Ryan, seu irmão do coração, ele não podia deixar aquilo acontecer com ele. Com ninguém!!!
Samuel não percebeu, mas o fogo já estava no forro do andar debaixo, mas naquele momento o único foco dele era tentar salvar aquelas crianças.
Enquanto ele tentava insistentemente subir as escadas, Carla apareceu na sua frente:
- Fuja, Samuel.
Samuel chorou ainda mais:
- Não posso...
-Fuja, saia daqui, esqueça essas crianças e essas Freiras, comece uma nova vida em outro lugar.
- Não posso...
Samuel falava quase Sussurrando.
Naquele momento, ele já havia inalado muita fumaça, em pouco tempo ele poderia desmaiar e o fogo já havia tomado uma boa parte da sala principal.
Samuel não teve outra escolha a não ser se levantar e correr até a porta principal do orfanato. Ele já havia começado a escutar gritos estridentes de crianças, um grito misturado com medo, dor, agonia, susto...
Samuel só conseguia chorar, ele preferia ter ficado com as crianças do que conseguir fugir daquilo.
Naquele momento, o fogo já tinha atingido boa parte do orfanato, inclusive o dormitório das freiras.
Samuel correu em direção a porta principal, porém, quando estava perto de abri-lo, um pedaço de madeira o atingiu na cabeça, fazendo com que tombasse e caísse no chão.

Samuel ficou desnorteado por aproximadamente 3 ou 4 minutos, até conseguir abrir os olhos e ver o teto pegando fogo. Sua cabeça doía muito, uma dor insuportável e latejante, ele pegou na cabeça e percebeu que estava sangrando. Ele olhou para frente e enxergou algumas crianças caídas no chão, provavelmente mortas, outras estavam correndo de um lado para o outro com seu rosto e seu corpo queimados enquanto choravam muito.
A mesma situação com as freiras, uma delas estava rodopiando tentando apagar o fogo de seu vestido, até que Samuel conseguiu enxergar e percebeu que era freira Nicole. Se Samuel fosse uma pessoa ruim, ele acharia aquilo extremamente satisfatório, mas o pior ainda estava por vir. De tanto rodopiar, ela acabou tropeçando no seu vestido e caindo em cima de um pedaço de madeira.
Samuel chorou novamente ao ver aquilo, um sentimento de culpa surgiu. Se não fosse ele que tivesse trazido aquele maldito colar pra esse orfanato nada disso estaria acontecendo.

Samuel não tinha forças para se levantar, ele ficou um bom tempo chorando, até que, em algum momento, ele sentiu uma encostar nele, Samuel ergueu a cabeça, era Ryan. Ele estava com algumas feridas no braço e alguns arranhões no rosto e tinha uma expressão cansada, mas o suficiente para sair dali:
- Samuel!!!
- Ryan...
- Nós precisamos sair daqui!! Agora!!!
- É tudo culpa minha...
Ryan fez uma expressão desentendida:
- O que você está falando??? Temos que sair daqui, vamos, me dá o seu braço!!
Ryan pegou Samuel pelo braço e o apoiou em seu ombro, ajudou Samuel a levantar e, aos poucos, foram em direção a porta principal.
Samuel estava zonzo, via tudo embaçado e estava muito fraco. Ele conseguiu ver Ryan abrindo a porta e levando os dois até a rua.
A última coisa que se lembra foi de Ryan pedir por ajuda na rua e uma mulher de cabelo castanho cacheado vir correndo na direção deles.
Depois disso, Samuel apagou.

A Mulher Atrás da CortinaWhere stories live. Discover now