Prólogo

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Utopias.

Já teve a sensação obituária de sua vida se esvaindo e a morte, claro, vindo? E de repente, toda a sua vida, diante de seus olhos. Boas memórias, demônios do seu passado, sua perfeita vida. Bem, se fosse o caso, provavelmente não ouviriam o que aqui vos falo...

Mas a morte é uma exime dádiva que, naturalmente, a todos nós será concedida. Com sorte. Se há algo que deseja, consiga. A morte logo virá... E disto, não há como escapar.

Eu costumava acreditar.

— Hah... — Nada fiz, além de rir. Um riso fraco, mudo. Meu sangue corria pelo concreto, um caminho vermelho para quem desejasse seguir. Minhas roupas rasgadas e amarrotadas, meus olhos entreabertos, sem reconhecer o que viam ou não. Meu coração, palpitando. Meus pulmões? Poderiam explodir. Eu iria morrer. Finalmente, eu iria morrer.

Hah...

Eu poderia pensar, recordar-me do que fosse. Papai, música, meus parceiros... Minhas próprias vítimas. Qualquer pensamento existente poderia penetrar minha mente, todavia, e eu sei bem, sempre existirá somente uma criatura que, de maneiras tão insanas, alucina-me. A maldita e vil criatura que, eternamente, enfeitiçou-me.

[1976 · Nova Iorque, EUA. ]

Nada melhor que o nosso lar. Em minha casa, meu corpo sangrava. Meu pênis sangrava. Tudo em mim sangrava. Minhas vestes estilhaçadas, meus ossos trêmulos e suados. Apesar de nem uma única gota d'água em meus olhos. Era doloroso, mas seria patético agir como se novidades viessem à tona. Sempre foi assim, jamais mudaria... Como poderia mudar?

Nunca seria diferente.

Buscando por distrações, rastejava-me pelo local, silencioso, determinado a manter minha máxima discrição. Adentrando um local especial... Uma sala para cobaias especiais. O protagonista não é o único personagem afinal. Adentrando a sala, aparentemente vazia, meus olhos encontraram aqueles olhos. Olhos que jamais poderia esquecer. — Mas que porra... — Uma menina, uma bela menina. Estava jogada como lixo no chão, sangrando, derramando todas as lágrimas que tinha. Haviam a espancado, mas não apresentava nenhum sinal de abuso. Talvez fosse virgem. Cabelos tão dourados quanto ouro e marcas de asas, asas ausentes. Uma daquelas aves cacarejantes e fru fru. Uma menina? Uma menina... Era menor que eu, e parecia tão delicada... Como ele ousou? Merda... Eu odiava minha vida. — Relutante e ainda dolorido, aproximei-me da garota, olhando-a de soslaio. A julgar por sua aparência, deveria estar muito doente... Sua pele, tão magra que evidenciava seus ossos. Pálida como a neve, com os traços mais delicados já vistos em um ser vivo. Nunca pude presenciar tamanha palidez em um único corpo.

— Ei... Loira

Murmurei, indiferente, aproximando-me da garota. Ela chorava como um bebê, encolhida e assustada em uma parede. Era só uma menina, como não se amedrontaria?

— Hum..? O que... O que você quer de mim? Por favor... Não me machuca mais... Tá doendo..

Implorou, como para... Ele. O que caralhos pensava que eu era? Um monstro? Uma jovem versão de meu pai?

— Não tenha medo! Eu não sou como ele... Eu não machucaria uma garota como você...

A violência nunca foi um problema, mas aquela garota não machucaria uma formiga que a mordesse. Era fraca e inofensiva. Feri-la seria puramente estupidez. Somente alguém absolutamente vil feriria isto. Vil como... Ele. Por que precisava ser assim? E por que eu precisava ter nascido dele?

— Eu compreendo seu receio e perturbação. Talvez me assemelhe ao dono e me odeia. Claro, faz todo o sentido.

O lógico, não? Seria estupidez esperar por uma merda diferente... Suspirei, afastando-me da garota, redirecionando meu corpo a minha gaiola. Queira ou não, você é filho dele... Qualquer um que veja seu rosto o assemelhara ao dele. É mais que merecido receber tanto desprezo de suas vítimas. Percebendo a situação, comecei a andar para fora do local. Seria perda de tempo ficar ali. Mas antes que eu conseguisse sair, passos lentos e falhos vieram até mim. Era a loira. A menina, então, se acalmou, fixando o seu olhar em mim.

Between Sex and BloodWhere stories live. Discover now