Naquela manhã Phillip Beaumont acordou com uma sensação de inquietação. Era como se o próprio ar estivesse impregnado de uma tensão iminente. O sol brilhava nos jardins da propriedade Beaumont, mas uma sombra pairava sobre seu espírito, era estranho, pois o dia parecia mais comum e sem graça do que qualquer outro.
Decidiu descer para o desjejum, vestiu um colete azul-marinho a condizer com seu olhar sério, e ao encontrar com a esposa sorridente, permitiu ceder um pouco, talvez aquilo fosse apenas uma sensação.
- Dormiu bem? - perguntou a ela enquanto se sentava à mesa.
- Não é como se você me deixasse dormir muito a noite, sempre que posso tiro um cochilo pelas tardes e coloco a culpa na gestação. - murmurou Elizabeth num tom de crítica divertido.
Phillip sorriu.
- Me desculpe, minha adorada esposa, infelizmente, um homem apaixonado como eu, não consegue resistir aos encantos de uma mulher como você.
A conversa seguiu despreocupada, e o sentimento inicial de preocupação tornou-se mais brando, apesar de ainda insistir em ficar ali. Talvez o fato de irem para a casa de campo em apenas dois dias o tivesse deixando ansioso. Precisava relaxar, e sabia que se continuasse em casa, logo Elizabeth perceberia sua inquietação.
- O que fará hoje? - tentou ser despretensioso para não ser pego.
- Mamãe e sua tia querem fazer um passeio no Hyde Park, querem falar da gravidez e outros assuntos de senhoras, com os acontecimentos recentes, acabei lhes dando pouca atenção.
- É claro. - respondeu escondendo a satisfação. - Neste caso, irei com Edward ao clube, e quem sabe encontremos Arthur por lá.
- Meu estimado irmão deve estar entre as saias de alguma mulher já esta hora da manhã, sejamos realistas. - respondeu a mulher arqueando a sobrancelha.
Se Edward tivesse um discípulo fiel na arte da libertinagem, este com toda certeza seria Arthur, se não fosse a idade que o afastavam, ambos com certeza teriam sido melhores amigos em Cambridge, e feito as coisas mais nefastas e inadequadas para a alta sociedade. Mas, era inegável que ambos também possuíam um coração imensurável.
- Você faz excelentes elogios ao seu irmão. - Phillip ria, enquanto pensava que nada do que a esposa dissera era inverdade.
- É meu irmão afinal de contas, se você tivesse os tivesse, saberia que nunca se baixa a guarda para eles, por mais que os ame.
A conversa que se seguiu continuou no mesmo tom, família, o marquesado, a casa de campo, os bailes, e até mesmo mexericos que Elizabeth sempre se permitia fazer ao marido quando estavam a sós, e Phillip apesar de sempre muito reservado em público, era um excelente ouvinte, inclusive sobre assunto de mulheres, e opinava com maestria em assuntos que homens geralmente demonstravam desprezo.
Quando as horas avançaram, e Elizabeth retirou-se para a casa da mãe, para encontrarem Charlotte e Genevieve no Hyde Park, Phillip foi até a mansão Ellingham para ter-se com o primo.
Ao atravessar os salões da mansão Ellingham, Phillip Beaumont foi recebido pelo mordomo com uma reverência discreta. Ele indagou sobre a localização de Edward e foi informado de que o primo estava nos estábulos, supervisionando os preparativos para a cavalgada matinal.
Os estábulos eram um refúgio familiar para ambos os primos, um lugar onde a formalidade social podia ser deixada de lado, e a paixão compartilhada pelos cavalos os unia. Quando Phillip entrou no ambiente rústico, encontrou Edward instruindo os cocheiros sobre os cuidados com os equinos.
- Phillip, meu caro primo! - exclamou Edward, virando-se com um sorriso caloroso. - Que bom vê-lo. Já escolheu seu cavalo para hoje?
Phillip retribuiu o sorriso, sentindo a tensão que o envolvia suavizar-se um pouco na presença acolhedora de Edward.
- Ainda não, mas confio em sua escolha, como sempre. - respondeu Phillip, unindo-se ao primo na avaliação dos cavalos disponíveis.
Enquanto examinavam os magníficos animais, conversaram sobre assuntos triviais, como se tentassem afastar as sombras que pairavam em suas mentes. Cavalgaram até o St. James, onde encontraram Arthur logo na entrada.
- Cunhado, primo do cunhado. - Arthur fez uma reverência.
- Pela marca vermelha no seu rosto, a donzela que lhe deu uma bofetada tinha certa força. - Edward disse segurando o riso.
- Estranhamente elas andam ficando mais fortes a cada temporada.
- Estranhamente. - responderam de forma uníssona Edward e Phillip em tom de chacota.
O grupo adentrou o St. James e se assentou em uma mesa, enquanto bebiam, Arthur contava suas desventuras recentes com as mulheres e Edward aconselhava o mais novo tal qual um professor ensinava um aluno.
Enquanto Arthur continuava suas histórias irreverentes, a tensão que Phillip sentira pela manhã ainda o acompanhava. Edward percebeu a melancolia nos olhos do primo e interrompeu as narrativas animadas de Arthur.
- Phillip, algo o preocupa. Percebo isso desde que chegou. - Edward olhou-o com preocupação.
Phillip suspirou, hesitando por um momento antes de compartilhar seus pensamentos.
- Não sei dizer ao certo, Edward. Uma sensação de inquietação, como se algo estivesse prestes a acontecer. Talvez seja apenas minha imaginação, mas não consigo afastar esse pressentimento sombrio.
Edward estudou o rosto do primo por um instante, levando a sério suas palavras.
- Às vezes, devemos confiar em nossos instintos. Se algo o incomoda, é melhor estar preparado. - aconselhou Edward, com a seriedade de quem entendia a importância de intuições.
- Nunca pensei que você era supersticioso.
- Eu apenas não gosto de duvidar. - Edward respondeu dando ombros, e dando mais um gole em sua bebida, voltando a sua postura extrovertida de sempre.
Após algum tempo no clube, o trio decidiu deixar o ambiente fechado e dirigir-se ao Hyde Park, onde encontrariam as senhoras que se uniram para um passeio. O sol estava alto no céu, e o parque estava repleto de pessoas desfrutando da manhã ensolarada.
À medida que avançavam pela Park Lane, uma sombra nefasta começou a se insinuar no que deveria ter sido um dia despreocupado. O instante exato em que Eleanor Wentworth apareceu à vista, carregando consigo um olhar desequilibrado e desesperado, oscilando entre a angústia e uma resolução sombria. Phillip, inicialmente surpreso, tentou compreender o que se desenrolava diante dele.
Antes que pudesse articular uma pergunta, o estampido de um tiro rompeu o ar, ecoando por toda a avenida. E Phillip viu-se caído no solo frio da Park Lane, com o aroma metálico do sangue impregnando suas narinas, o som de outro disparo atingiu seus ouvidos, Eleanor Wentworth jazia sem vida no chão, e a compreensão da situação atingiu Phillip como um golpe. O destino, implacável em sua natureza, havia entrelaçado suas vidas de uma maneira inesperada e trágica.
Ela havia cumprido sua promessa.
O momento subsequente, para Phillip, tornou-se um borrão de sensações desordenadas. A consciência intermitente permitiu-lhe capturar fragmentos de vozes abafadas. A agonia física e a confusão mental misturaram-se, enquanto sua mente tentava compreender a magnitude do que havia ocorrido.
Enquanto os espectadores se aproximavam, formando uma multidão curiosa e alarmada, enquanto Arthur partira desesperadamente em busca de um médico, Edward, estava ajoelhado com o rosto do Phillip entre as mãos ensanguentadas e tentando mante-lo consciente, porém, a cada vez que ouvia ser chamado, a voz se tornava mais distante, então, sua visão embaçou, e ele se viu caindo para a escuridão.
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JE LEEST
O Marquês
RomantiekMais uma temporada se inicia em Londres, para Lady Elizabeth Wentworth isso era sinônimo de mais um ano tentando fugir do casamento. Ela anseia por mais do que os rigores da alta sociedade podem oferecer. Contudo, a chegada de um enigmático marquês...