1. chamada de video

1K 62 72
                                    

Giovanna olhava cansada para seu passaporte. Já havia passado horas sentada no vôo do Rio de Janeiro para Frankfurt, Alemanha. Da Alemanha, pegaria um vôo para Portugal. Em Lisboa, o amigo de seu pai, Alexandre Nero, a buscaria.

Se sentia estranha. O coração pesado por deixar todo mundo para trás, por ter que fazer tantas despedidas.. Mas uma certeza absurda em seu coração de que estava fazendo a coisa certa. Que já não havia mais nada para ela no Brasil.

O contato com o pai era recente, verdade. A única foto que Hilton tinha com Alexandre que ela tinha visto mostrava como o pai estava acabado enquanto Alexandre parecia muito, muito bonito.

Nas ligações de vídeo, porém, notou que ele tinha mudado

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

Nas ligações de vídeo, porém, notou que ele tinha mudado. Talvez o tempo tivesse passado, o cabelo crescido, a barba também. Talvez fossem os óculos, algo assim. As amigas brincavam por mensagem sobre ela ficar com o coroa rico e nunca mais voltar. Giovanna não tinha esse pensamento.

Hilton lhe dizia que ela estava realizando um sonho dele e que jamais poderia agradecer por tanto cuidado com sua filha, por essa oportunidade.

O mundo de Giovanna tinha acabado de ruir. Desde os 18 anos trabalhara no mesmo lugar. Agora, com 25, estava desempregada. Seu noivado tinha acabado. Ela achava que ia ser mãe de um bebê que só existiu em sua mente. Tinham acabado de vender o apartamento que tanto pesquisaram e tinham escolhido para ser o lar deles dois.

As amizades, de certo, eram imprescindíveis. Mas uma onda de angústia tomou o peito dela por não ter conseguido realizar muito em tantos anos. Já estava com 25.. Logo teria 30. Seus sonhos não tinham se realizado, ela não estava nem perto disso.

Quando voltou a falar com o pai aos 24 teve que lidar com uma madrasta em quem Giovanna não sabia se podia confiar. Viu o pai se enfiando na vida dela pouco a pouco de forma que queria conquistar sua vida, mas ele nunca mudaria o fato de que ela não cresceu com ele. Eles tentavam, era verdade, ter uma relação. Mas a relação não vingava.

Hilton achou uma boa ideia, no entanto, quando notou que podia ajudar a filha a realizar um de seus sonhos. Giovanna era desenvolta nos idiomas por ter cursado relações internacionais e certamente ajudaria Nero com sua dificuldade absurda para o Inglês e a dificuldade tremenda com o Italiano. Ele havia se estabelecido em Portugal por um motivo muito simples: comodidade.

Morar em outro lugar significaria depender de aprender outro idioma e aprender outro idioma significaria ter que sair da zona de conforto. Esse não era ele. Alexandre já tinha seus 54 anos, não gostava de tecnologia e se embananava todo sequer para fazer as reuniões de trabalho no computador, quem dirá conversar com Giovanna para conhecê-la e ajudar o amigo.

Tinha uma grande consideração por Hilton. Não se lembrava muito de ter relações importantes ao longo da vida, tudo se resumia a trabalho. Mas em uma dessas viagens da vida ele conheceu o amigo e nunca mais se desgrudaram, apesar da distância.

Alexandre sabia que Giovanna existia. Vez ou outra, o amigo mostrava fotos dela. Já estava adolescente, e depois se tornou adulta. Vez ou outra Alexandre tirou uma com a cara de Hilton dizendo que ele podia mandá-la para a Europa que ele cuidaria dela. Pura brincadeira entre homens, claro. Hilton ficava enciumado e preocupado mas, ao ver a filha tão aflita e sem perspectiva de futuro, não pensou em outra coisa. Faria a ponte, e ela faria um curso em Londres, assim como passaria um tempo na casa de Alexandre enquanto tentava tirar sua cidadania Portuguesa do consulado de lá.

Giovanna via o esforço de Hilton. Sempre ajudando com dinheiro, sempre preocupado com os bens. Ela nunca saberia explicar para ele que sentia falta de ter um pai de verdade e ele com seu egocentrismo nunca entenderia. Nunca a ouviria, não profundamente.

Em questão de semanas ela teve que enfiar sua vida toda numa mala a despachar, uma de mão e uma bolsa. Era esquisito, apavorante, mas... Ela podia sentir no âmago de seu ser que era isso que ela deveria fazer. Era hora.

Estava grata a Alexandre por toda a oportunidade. Ele morava numa mansão e deixava a parte dos fundos trancada por nunca ter visitas, e se deu ao trabalho de deixar tudo arrumado e limpo para que ela compartilhasse desse ambiente com ele.

Ao descer no aeroporto de Lisboa viu o grisalho com uma placa que dizia "Giovanna Antonelli". Não pode evitar de dar uma risada. Como se eles não se conhecessem o suficiente para que se reconhecessem assim que eles se encontrassem.

Ela arrastou as malas até ele que caminhou em sua direção, deixando a placa no canto do lixo.

— Fez uma boa viagem? — Ele a acolheu com um abraço, ao qual Giovanna correspondeu.

— Sim! O jat leg ainda está me deixando zonza mas tenho certeza que um banho deve ser mais do que suficiente para me recuperar.

Alexandre sorriu com o canto dos lábios para ela, suspirando, finalmente. Depois de tantas conversas com o amigo, ali estava ela. Uma mulher enorme. Alexandre não se lembrava de ter essa impressão dela, muito pelo contrário. Mesmo pelas chamadas de vídeo, ainda tinha uma impressão miúda e delicada. Aquela menininha definitivamente tinha crescido um bocado.

— Vamos, eu levo suas malas pra você. — Ele fez um gesto com as cabeças para que ela passasse reto, e ela obedeceu.

Passou a caminhar com sua bolsa enquanto Alexandre arrastava duas malas de rodinha pelo aeroporto. A levou até o estacionamento e lhe deu instruções para que entrasse no carro: ele cuidaria de tudo.

Enfiou as malas no porta-malas e logo entrou no banco do motorista.

— Você já avisou seu pai que chegou? — Ele se preocupou.

Ja eram nove e meia da noite, dirigiriam por uma hora até chegarem na casa um pouco afastada da civilização.

Giovanna assentiu.

— Avisei agorinha. — Ela começou a gravar um vídeo. — Ó, pai.. Tô aqui com o Nero.. Da um tchau, Nero! — Ela fez questão de apontar a câmera para ele.

Tímido, deu um sinal com a mão a cumprimentar o amigo.

— Sua filha já está sã e salva aqui comigo. — Alexandre garantiu.

— Falo com vocês depois que eu descansar. Beijo! — Giovanna mandou um beijo pela câmera e desligou.

Alexandre tratou de dirigir, dando uma risadinha.

— Que foi?

— Eu não sou nenhum pouco dessas coisas de rede social.. Tecnologia. Eu não faço a menor ideia do que você acabou de fazer agora. Achei que seu pai fosse responder mas você nem deu tempo pro coitado.

Giovanna gargalhou.

— Não era uma chamada de vídeo, Nero. Era um story, que mandei na direct do meu pai no instagram. Dã! Ah, essa você deve conhecer! — Giovanna puxou a instax mini evo da bolsa e tirou uma foto deles dois enquanto ele dirigia.

Alexandre dividia a atenção entre a mulher ao seu lado e as estradas.
Giovanna puxou o botão lateral da câmera e então a polaroide saiu impressa, toda branca, enquanto ela a chacoalhava.

— Você sabe que isso é antigo pra cacete, né? — Alexandre apontava a câmera dando risada. — Não é novidade. Só romantizaram algo mais antigo que eu.

— Viu, Nero, eu disse que você conhecia!

— Para de chacoalhar, não precisa. — Ele segurou a mão dela, que o estava irritando de tanto balançar.

— Ah é? — Giovanna parou desafiando ele e semicerrando os olhos.

— Eu sou velho mas eu sei do que eu to falando, menina. Vai na minha que é sucesso.

Giovanna gargalhou e ficou esperando a imagem sair ali. O grisalho dirigindo e ela sorrindo para a foto. Parecia promissor.

the prophecyWhere stories live. Discover now