Cinquenta segundos depois

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Cinquenta segundos depois

Fui até o mar e andei entre as ondas sentindo a barra da minha longa saia sendo molhada, ficando pesada; tomei-a nas mãos e continuei caminhando sentindo a areia molhada em meus pés, entre meus dedos, relaxando-os, deixando-me ciente de cada pedacinho seu.

Era estranho tocar o mar depois de quase quatro anos o evitando, vivendo em uma ilha rodeada dele.

“Ele me colocou contra a areia, sentia a água batendo em meus pés e as suas mãos entre meus peitos fazendo pressão. Sua boca sobre a minha e meu nariz tampado. Ele inspirou.”

Eu inspirei tranquilidade, espirei problemas.

Inspirei calma, espirei temores.

Inspirei o infinito e espirei o abandono.

Quando William me disse que o amor abandonava eu acreditei nele, afinal depois de sua morte ele ter me abandonou. No entanto jamais pensei que poderia sentir-me abandonada novamente pela versão do meu irmão enquanto vivo que eu desconhecia.

A versão que as pessoas sabiam da existência e eu, a sua própria irmã, não.

Olhei para o horizonte tentando não pensar em Will, ou sobre Vanessa, ou sobre as cartas trocadas em segredo, ou o que mais eu desconhecia daquela pessoa que morou sob o mesmo teto que eu.

A lua era cheia, a noite dos lobisomens, o momento em que as trevas lutavam contra a luz, o momento em que a balança natural era mais acentuada e poderia pender.

Sentia que minha vida estava virando e girando sem rumo.

Eu gostava da lua cheia apenas por ela ser bela, como uma grande lâmpada ligada naturalmente, um prato de luz.

Inspirei e espirei mais algumas vezes; parei de andar deixando que a brisa marítima enrolasse meus cabelos e a luz da lua beijasse meu rosto.

Ouvi alguns passos atrás de mim e me virei.

Era um vulto, o mesmo vulto que eu imaginei ver durante aquela semana.

Eu não estava ficando louca ao menos!

Corri pela praia. Sabia que estava indo para o lugar errado, porém não queria ser pega por um estranho no meio da noite.

Já havia ouvido muitas histórias do continente sobre isso e nenhuma delas acabava bem.

Ele corria atrás de mim, passadas mais largas e mais rápidas, então, em poucos segundos, segurou meus cabelos e me jogou contra a água.

Não sei se o seu plano era me deixar afogar, porém minha roupa já estava ajudando o suficiente. A saia enrolava em minhas pernas. Minha blusa deixava meus braços lentos.

O homem parecia se aproveitar daquilo para me manter dentro da água enquanto eu me remexia para fazê-lo me soltar.

Gritava por socorro quando emergia, porém nenhum socorro eu esperava encontrar naquela hora da noite na praia.

Isso era basicamente um milagre.

A saia estava enrolando em minha cabeça enquanto a pessoa tentava me manter dentro da água e eu não conseguia mais me manter emersa, estava afundando, ele estava me levando para o fundo.

A água salgada estava pedindo o meu corpo, queria acabar o serviço que um dia começou.

Com uma mão contra o meu peito e a outra me impedindo de arranhá-lo, eu não conseguia respirar, estava afogando sem saber o motivo de tanto fervor em retirar a minha vida.

Ele não estava me machucando; estava fazendo tudo certo para que achassem que eu me afoguei, que eu me matei.

Como um acidente.

Não queria morrer.

Não queria me juntar a William.

Não ainda.

Cravei minhas unhas contra a mão do homem o mais forte que consegui; elas não eram afiadas, porém eu sentia que estava afundando em sua pele. Eu só pararia quando conseguisse sangue. Um ferimento e o sal do mar fariam o restante do serviço por mim.

Ele hesitou, sua mão afrouxou contra meu peito e eu usei este momento para empurrá-lo para longe, respirando como nunca havia feito antes.

Estávamos com a água no joelho e eu não conseguia nadar mais rápido, debati-me contra a água enquanto berrava por ajuda.

Ouvi o barulho das pernas dele quebrando as ondas em minhas costas e continuei a correr, tentando sair do mar enquanto me afastava dele.

Ele parou e eu não fiquei para ouvir o que o estava atrasando, porém eu via que ele não havia simplesmente desistido de mim.

Meu coração martelava.

Ele me alcançou novamente com poucas braçadas e estávamos rolando pelas ondas, longe da areia, e ele tinha vantagens sobre a minha fraqueza física.

Forçou-me para baixo com brutalidade esquecendo-se que eu era uma garota ou que eu era uma pessoa, tratando-me como um objeto.

Soltei um grito agoniado de dor.

Lutei novamente, tentei machucá-lo, porém algo estava diferente desta vez.

Abri meus olhos dentro da água e percebi que ele estava de luvas de couro e minhas unhas não mais conseguiam machucá-lo. Remexi-me sem conseguir algum efeito; sua pegada estava ainda mais firme.

O brilho da lua estava estremecido por causa da água e meus olhos ardiam pelo sal. Via bolhas de ar saindo de meus lábios quando comecei a perceber que era inútil lutar.

O homem era careca, a sombra da noite mascarava o seu rosto, porém eu via a corrente em seu pescoço, ela brilhava refletindo a luz da lua nela. Tinha uma forma estranha, como se fosse uma letra, porém eu não enxergava direito.

Eu estava em pânico. Nem mesmo minhas pernas estavam respondendo, muito menos meus braços. Meu pulmão desistiu de prender a respiração e eu engasguei, engolindo toneladas de água.

As vezes estava na hora e eu não sabia, afinal quem era eu para ditar o horário certo para minha morte?

As vezes eu tinha que morrer pela água, fosse acidental ou propositalmente.

Se Deus quisesse, eu sabia que estaria ao seu lado, assim como William.

Ele não se matou.

Ele foi morto, talvez pela mesma pessoa.

Senti meus braços ficando mais leves, minha cabeça pendendo para trás, entretanto o quanto eu mais pensava... bem, eu morreria em poucos segundos... afogada... no mar... meu mar... o mar de Will...

O homem me soltou e foi embora.

Ahn?

Queria levantar vitoriosa por ter conseguido sobreviver, porém minha visão estava ficando negra e eu sentia que estava prestes a desmaiar.

Uma mão puxou o meu braço para cima antes que tudo desaparecesse de minha vista e me apertou contra o seu corpo, pressionando meu estômago me forçando a vomitar a água que eu havia engolido.

“Cuspi, vomitei, fiz tudo o possível para retirar aquilo que havia dentro de mim e não pertencia. As mãos dele eram seguras em minhas costas, dando-me forças para que eu soubesse que ele estava ali comigo, como eu sempre estive com ele.”

Não sabia o que fazer primeiro; se era respirar com a água sendo expelida de meu organismo, ou se eu deveria continuar a vomitá-la.

Quando terminei, tomei golfadas de ar desesperadamente.

Ofegando, eu procurei apoio na pessoa que me segurou, porém eu não consegui distinguir seu semblante, apenas senti meu corpo caindo e minha mente perdendo a consciência.

No entanto, antes de desmaiar, eu avistei algo, uma coroa dourada ao redor da cabeça do anjo que me salvou.

William.

Então eu enxerguei o ébano, estava caindo e não havia ninguém para me segurar.

EstilhaçosWhere stories live. Discover now