5. Passado - Laís

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Um clique vindo do notebook me fez sorrir e abandonar por enquanto a nostalgia das histórias lidas, e aceitar o pedido de conversa online de Cauã.

— Que sorte que está online. — ele sorriu largo, eu fiz o mesmo, surpresa, pois era difícil nos falarmos ao meio da tarde.

— Eu estava postando uma nova resenha. — espichei o olhar para o fundo na tela, vi outros computadores. — Onde você está?

— Tô almoçando na escola hoje. A sala de informática fica vazia nesse horário. Eu tava com saudades e queria conversar.

— Saudades? — ri, pensando ser uma brincadeira. — Mas, nos falamos ontem a noite.

— Eu sei, é que...

— Tem alguma novidade? — aproximei-me, eufórica. Lembrando que na última vez em que nos falamos fora do horário habitual ele me contou que conseguira o estágio em sua antiga escola, como era seu desejo desde quando optara em fazer a faculdade de Educação Física. — Eles te ofereceram um emprego?

— O diretor disse que gostaria que eu ficasse. — ele disse, sem a animação que eu esperava ouvir. Ergui as sobrancelhas, tentando decifrar o que havia de errado com ele. — Mas ainda não sei, no ano que vem eu decido.

— Achei que estava feliz com o estágio e a escola?

A expressão dele começava a me causar angústia, era raro vê-lo desse jeito inseguro ao falar comigo. Afinal ele tinha sempre um monte de coisas divertidas para contar sobre sua vida rodeada de atividades agitadas, festas com os amigos e muito mais.

— Estou, é que... O que aconteceu com sua mão? — ele arregalou os olhos quando avistou minha a mão com o curativo.

— Fui desastrada ao lavar a louca. Não foi nada de mais. — o assunto anterior havia se perdido e eu achei melhor não forçar, deixaria que ele retornasse quando se sentisse pronto para falar sobre suas angustias. Essa era nossa dinâmica desde o começo. Sorri, ao lembrar da foto tirada, e mandei para ele. — Veja! Foi quase como seus arranhões de final de semana escalando pedras, como disse nada de mais.

— Até parece, nunca precisei de pontos. — ele ergueu as mãos para a tela do computador, mostrando os arranhões novos sobre antigos com certo orgulho. E riu. – Você diz que escalar montanhas é perigoso. Viu como está errada? Devia deixar de lavar a louça e vir escalar comigo.

— Ah! Como vou argumentar o contrário. — sorri, divertindo-me.

— Falo sério, Laís. — os olhos grandes e negros me fitaram de modo a me deixar desconfortável. — Me dê uma chance, vou te mostrar como é acampar. Sei que vai amar.

— Ir te visitar? — pensar em ficar horas e horas dentro de um ônibus fechado com ar-condicionado fez meu coração acelerar angustiado. — Ainda não estou tão bem assim.

— Então eu vou. — sua expressão era decidida.

— Mas você já veio no começo do ano quando fiz o transplante. Se vier de novo vai ser um gasto duplo. Não quero que fique apertado por minha causa.

— Que nada, para ver você sempre dou um jeito. Então, o que acha de eu ir te visitar nas férias de verão?

— Seria perfeito, você é meu melhor amigo e... — sorri, sincera.

— A ideia não é ir como amigo. — ele me interrompeu com olhar penetrante. —Eu quero dar uma chance a nós.

As palavras dele me calaram, apesar de eu não estar surpresa. Eu tinha o conhecimento de como ele nutria algo mais por mim do que amizade. Mas o que eu sentia por ele? O mesmo que ele, ou era outro sentimento? Durante os anos em que estive doente não havia espaço para investir em relacionamentos, nunca cheguei a pensar realmente sobre isso. Bombear o sangue já era uma tarefa quase impossível a meu coração. Manter-me emocionalmente longe de Cauã sempre pareceu o mais adequado para que nenhum de nós sofresse. E agora? Era tudo novo e confuso. Eu simplesmente não sabia até onde esse novo coração estava disposto a se envolver. Ou quais sentimentos estavam escondidos em cada pulsar?

Corações RessuscitadosDove le storie prendono vita. Scoprilo ora