28. Livros - Theo

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O dia de folga na sexta me inquietava. Eu fingia ver qualquer programa na TV, enquanto minha mente ficara no estacionamento do hospital. Não conseguia deixar de pensar no modo que Laís se afastou depois do beijo.

Meu gesto a havia abalado, provavelmente de modo negativo. Tentei mandar-lhe uma mensagem me desculpando por meu ato impensável, mas esse tipo de coisa não é algo a ser colocar em uma mensagem.

Havia certo aperto em meu coração, uma pequena parte irracional dentro de mim desapontara-se por ela não ter correspondido meu beijo. Mas isso era uma tolice a se pensar, eu já sabia que seu afeto mirava seu namorado e não a mim.

Meus olhos percorreram a estante da sala e desviaram envergonhados ao alcançarem o rosto sorridente de Clara no porta-retratos. Como eu podia pensar em ter Laís em minha vida? Clara estaria desapontada. Por minha responsabilidade ela fora arrancada da vida, e eu simplesmente iria ignorar isso e seguir em frente?

Sentia-me péssimo por abandonar a lembrança de Clara desse modo. Aquele olhar envidraçado atingiu-me como um laser e queimou meu peito. Eu não conseguiria mais ficar ali. Levantei-me e desci até a garagem.

Passeie de carro sem rumo, como se assim as dúvidas e as dores pudessem ficar para trás esparramadas pelo asfalto. Deparei-me com uma gigantesca livraria, daquelas divididas em infinitas sessões e com confortáveis sofás para se apreciar a leitura.

Talvez novos livros de medicina pudessem me animar. Estacionei o carro, e entrei decidido na livraria, indo direto até a sessão de Medicina. Havia bons lançamentos de antigos professores da faculdade e de médicos internacionais que seriam interessantes para me atualizar na prática.

Depois de um longo tempo lendo partes dos livros, apossei-me de quatro, o que pareceu acalmar minha mente. Eu voltaria a me concentrar em minha profissão e logo as outras sensações dúbias seriam reprimidas.

Ao passar pela sessão de fantasia parei por um momento. Fazia um longo tempo em que não lia algo sem que tivesse relação com a medicina. Livros de fantasia fizerem parte das melhores tardes de chuva de minha adolescência.

Curioso, percorri o dedo pela enorme estante. Sorri ao selecionar alguns livros cujos títulos chamaram minha atenção, sentando-me com estes em um dos sofás próximos.

Li partes aleatórias dos livros e suas sinopses. Pensei em pegar vários, no entanto já havia os quatro grandões de medicina, por isso optei por levar uma edição completa do "Senhor dos Anéis". Eu lembrava de ter lido "O Hobbit", do mesmo autor, quando era novinho, e essa sensação de nostalgia guiou minha decisão.

Já no caixa, dei uma olhada rápida para os setores à minha volta enquanto a garota, com um sorriso congelado de bom atendimento, embrulhava minhas compras sem pressa.

Em minha diagonal, avistei a sessão de ficção romântica, meu pensamento pairou automático em Laís. Eu não comprara ainda um presente de Natal para ela. Embora eu já soubesse que não iria a sua festa, e depois do beijo roubado eu temia que nem ela me quisesse mais lá, mesmo assim eu ainda me sentia no dever de lhe dar um presente.

Um presente como um pedido de desculpa por minha impulsividade, em tentativa de manter nossa amizade. E acima de tudo, um presente de agradecimento por ter me ajudado a reencontrar algo pelo o que viver.

— Por favor, pode guardar um pouco minhas compras? Ainda quero escolher mais um livro.

— Sem problemas, senhor. Escolha com calma, suas compras estarão bem guardadas.

— Obrigado.

O modo preparado da atendente me dizia que meu pedido não era algo inusitado, deveria acontecer com frequência.

Corações Ressuscitadosحيث تعيش القصص. اكتشف الآن