12. Entrevista - Laís

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Meu cardiologista sorria de forma incentivadora para mim enquanto eu respondia com sinceridade as perguntas feitas pelos repórteres sobre o quanto fora sofrível estar doente a espera de um transplante, algo que acometia milhares de pessoas pela necessidade ser maior do que as doações de órgãos.

Conforme relatava minha angústia antiga, fiquei aliviada por minha mãe não estar ali e por ela não assistir muita TV. Não queria que ela percebesse o quanto eu verdadeiramente sofrera nesse período de minha vida. Minhas falas ao repórter jogaram ao chão a máscara da alegria sustentada na presença de minha mãe e muitas vezes para mim mesma. Eu me esforçava para transformar as desgraças da vida em algo menos dolorido, mas relembrar as coisas ruins criou uma sensação de estrangulamento em meu coração.

Dr. Emílio e o repórter me agradeceram emocionados ao final. Minhas falas sinceras poderiam ajudar os pacientes ainda na imensa fila de espera, mas isto sugou minha energia e quase senti dificuldade em sorrir para Claudete em agradecimento quando ela informou que Theo me esperava na lanchonete.

Eu havia me esquecido dele; relembrar as dores do passado sem poder me apoiar em minha aparente felicidade havia me abalado e eu não me sentia rodeada de otimismo suficiente para dividir com Theo. Lamentei ter deixado Claudete o fazer me esperar.

Ele estava quase no fim de seu sanduíche quando eu me sentei a sua frente sem grande empolgação.

— Peguei um sanduíche de frango para você, mas se quiser trocar...

— Frango está bom. — comecei a saborear o sanduíche sem vontade. — Quanto te devo?

— Nada. Fica por conta da massa com vegetais. — ele não parecia feliz por estar ali e eu não me esforcei para mudar isso, apenas continuei comendo em silêncio. Pelo visto, nossa recém-nascida amizade já havia morrido. — Como foi sua entrevista?

— Frustrante. — resmunguei por educação.

— Uma vez eu dei uma entrevista, também não gostei. — ele me olhou por algum tempo e quando recomeçou a falar mirava algum ponto distante na mesa. — Comentou com a enfermeira Claudete sobre nosso jantar?

— Não. — respondi com secura, então percebi como ele estava envergonhado e isso mudou o meu foco, voltei minha atenção para o novo amigo e não mais para meu passado de doente. Um sorriso involuntário surgiu em meu rosto. — Não dê atenção ao que Claudete diz, ela adora jogar a isca e ver quem pega. Já fez muito isso comigo. — pousei a mão sobre a dele ao olhá-lo bem nos olhos. — O que aconteceu no jantar em meu apartamento ficará só entre nós.

— Obrigado.

— Não deveria se sentir envergonhado. — Theo abaixou tanto a cabeça que tive medo dele desaparecer por baixo da mesa. Eu deveria ter mudado de assunto, ele não era Cauã para quem eu podia fazer minhas observações sinceras sem causar nenhum constrangimento. Mas eu queria que nossa amizade desse certo, apesar do humor oscilante de Theo, eu acreditava que, em baixo disso tudo, tinha uma pessoa interessante. — Olha! Se vamos ser amigos, temos que superar isso.

Ele acenou em acordo, apesar de não parecer tão convencido assim. Ao contrário, eu acreditava em construir amizades sinceras nas quais nossos piores segredos e medos pudessem ser falados. Suspirei tentando encontrar um modo de mostrar isso a Theo, talvez eu devesse ter paciência e apenas me concentrar em encontrar algo para nos deixar mais a vontade um com o outro. Avistei duas enfermeiras rindo e falando sobre seus planos para o final de semana. Sorri confiante ao buscar o olhar de Theo. — Então, o que vai fazer em sua folga?

— Ainda não sei, talvez ver algum filme jogado no sofá — respondeu sincero, mas sem nenhum ânimo.

— Quer companhia para ver o filme? — talvez fosse abusar em demasia do começo de uma possível amizade me convidar novamente para passarmos um tempo juntos, no entanto era perceptível como Theo parecia sofrer toda a vez que pensava em estar de folga.

Corações RessuscitadosWhere stories live. Discover now