10. Anseios - Laís

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Demorei a adormecer após Theo se despedir. A noite soava, como saída de um filme bizarro. Quando ele me convidou para ir ao restaurante quis dispensá-lo: meu cabelo estava embaraçado, eu gastara mais dinheiro do que deveria esse mês e a companhia dele dificilmente seria agradável.

Ele ansiou por minha resposta com olhos desamparados, sombriamente fundos. Inexplicavelmente, sentia que devia deixá-lo melhor, e meu único impulso foi convidá-lo para jantar em meu apartamento. Algo estranho de se fazer por conhecê-lo tão pouco, no entanto parecia o certo.

Havia algo o corroendo por dentro, algo que ele carregava com tristeza e eu desejei poder ajudá-lo, mesmo que ele não parecesse o tipo de homem que contava seus segredos. Sendo assim, eu estava contente em pelo menos fazer com que ele se sentisse melhor. Empenhei-me em manter Theo distraído do que fosse que o assombrasse, como fiz algumas vezes quando crianças estavam em procedimentos dolorosos e Claudete pedia minha ajuda.

Porém quando ele falou sobre sua mulher, o sofrimento em sua voz me alertou do desfecho a seguir. Eu era boa consoladora, sempre soube como aguentar os choros constantes de minha mãe, ou dos pacientes fragilizados, mas me senti impotente quando aquele homem com traços angulosos de masculinidade despencou em minha frente como se fosse apenas um garotinho.

Sem palavras, o envolvi em um abraço protetor enquanto o sofrimento era diluído em lágrimas. Eu pouco chorava, não podia me dar a esse luxo, pois se desmoronasse minha mãe não teria suportado o abandono do marido, as dificuldades financeiras e, principalmente, a minha doença. Contudo, sabia que havia momentos em que só um choro selvagem era capaz de trazer de novo a coragem.

Depois de algum tempo, o choro de Theo já não me assustava e eu permaneci abraçada a ele como uma mãe faria, sem constrangimento ou julgamento, ponderando em minha mente como gerenciar a situação. Apelei para a brincadeira e isso pareceu surtir algum efeito, afinal ele retornou do banheiro com a aparência um pouco menos sofrida.

Refletindo sobre os acontecimentos, talvez eu tivesse forçado a barra ao tentar convencê-lo de que a partir de agora éramos amigos. Contudo as emoções compartilhadas nesta noite faziam com que eu me sentisse mais próxima dele, uma espécie de vínculo fora criado entre nós, o qual, no momento, eu só conseguia compreender como o início de uma amizade.

***

A tristeza de Theo, na noite anterior, parecia ainda fazer parte das moléculas de ar do apartamento pesavam no ambiente e em meu coração. Não havia dormido muito bem, eu não conseguia parar de pensar no horror de se tornar viúvo tão jovem. Eu perdera meu primeiro amor, um amor de uma semana, e isso quase havia me matado. Eu não conseguia quantificar como deveria ser infinitivamente pior perder alguém para quem abrimos nosso coração e com quem desejássemos envelhecer junto.

Agora o jeito desamparado e as oscilações de humor de Theo faziam sentido, ele perdera seu coração, mas ainda não conseguira encontrar outro. Será que um dia ele se recuperaria?

Observei minha mãe apressada calçando o sapato para ir trabalhar e me perguntei se ela se sentia de modo igualmente desamparado por meu pai nos ter abandonado. E mais do que isso, como ela ficaria se eu não tivesse conseguido um coração.

Desde o transplante eu não havia mais pensado nessas questões deprimentes, e eu sabia que não havia mais motivos para esse tipo de lamúrias, mas velhos hábitos são difíceis de abandonar.

Uma sensação amarga me perseguia, mas eu estava disposta a afastá-la totalmente. Puxei um dos livros da estante e o abri em uma página aleatória, eu conhecia aquela história de cor. Não importava em qual página iniciasse a leitura eu sabia que estaria preenchida por frases ensolaradas capazes de me afastar de qualquer início de tristeza.

Corações RessuscitadosWhere stories live. Discover now