18. Pistache - Laís

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Desde domingo quando Cauã propôs dele se mudar de vez para minha cidade, meus sentimentos passavam por uma montanha-russa. Às vezes me deixavam eufórica ao imaginar como seria poder encontrá-lo todos os dias, e em outras me causavam ansiedade por não saber como tudo se ajeitaria: tinha nosso relacionamento, sua transferência de faculdade e tentar encontrar algum lugar mobilhado e barato para ele alugar.

Ao encontrar Theo em uma sorveteria ao final da tarde de terça, eu estava feliz por ter sua companhia. Fora difícil deixar de pensar nele, depois do nosso último jantar, várias vezes eu quis correr até a emergência e lhe contar sobre uma boa pequena coisa, contudo achei melhor não interferir em seu trabalho.

Enquanto conversávamos e tomávamos sorvetes ele parecia diferente do Theo que conheci. De algum modo, ele estava menos deprimido, soltava sorrisos espontâneos; não chegavam a ser gargalhadas, mas havia um avanço.

— O artista do parque era tão animado que conseguiu colocar uma porção de gente para dançar — ele contava de modo impressionado. — Ele deve ter levantado uma boa grana naquele dia.

— Eu adoro quando tem esses artistas nos parques — sorri, contente por finalmente o ver menos abatido. — E você dançou também?

— Claro que não. Mas foi uma experiência bem interessante, como você disse, uma bela pequena coisa.

— Então, tá conseguindo ver as pequenas coisas boas que nos rodeiam? — perguntei retórica, e sorri orgulhosa por ele se virar sozinho e encontrar suas próprias pequenas coisas. — Isso me deixa feliz.

— Te deixa feliz que eu tenha sido um bom aluno e feito minha lição? — Theo sorriu divertido.

— Não, que você possa ser também feliz — respondi com sinceridade ao olhá-lo com carinho.

Ele desviou o olhar, talvez acanhado por minha fala, eu fiz o mesmo. Então sorriu e foi até o balcão da sorveteria. Observei ele escolher, entre os vários sabores, algum sorvete que o agradasse, preenchendo o seu potinho que já havia sido esvaziado durante nossa conversa.

Definitivamente havia algo bem diferente nele, Theo abandonara o modo encolhido e pesado de se movimentar de quando ele entrou na sala 12. Ele adquirira um andar mais confiante. Além de eu ter a impressão de que ele estava menos magro, assim como eu. Talvez isso fosse efeito das constantes saídas de minha dieta desde que passei a ser amiga dele, e eu gostava disso. Gostava dessa sensação de liberdade em sair para comer com um amigo sem me preocupar se isso poderia me matar ou não.

Ele sentou-se concentrado em seu sorvete verde, observei curiosa, eu não sentia cheiro de menta.

— De que é esse sorvete?

— Pistache — ele respondeu com a maior naturalidade. Eu devo ter feito cara de nojo, pois ele esticou o pote em minha direção. — Você não gosta?

— Não sei, não conheço esse sabor. É um tipo de fruta?

Theo passou alguns segundos observando seu sorvete, então deu de ombro e riu.

— Não faço ideia. Quando era criança minha mãe dizia que era o sorvete do Hulk, por isso eu sempre pedia Pistache. Acho que me acostumei a gostar.

— Minha mãe tentava isso com espinafre e qualquer coisa verde que ela achava que eu devia comer. Mas não funcionava muito.

— Isso por que não era sorvete. — pensativo ele colocou uma colherada na boca. — Minha mãe adorava sorvete, mais do que eu.

— Adorava? — a dúvida veio espontânea, quando percebi meu erro não dava mais para voltar atrás.

Senti-me péssima e pensava em algo para dizer, antes que eu forçasse Theo a falar sobre mais coisas complicadas do passado. Eu não queria estragar esse novo começo de alegria que ele alcançara.

Corações RessuscitadosWhere stories live. Discover now