CAPÍTULO 12

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Dean

Passei o resto da noite inteira acordado depois de chegar em casa, lembrando o que aconteceu na Red Night, e todos os impulsos que me fizeram fazer aquilo. Não sei se me precipitei demais... Mas o que importa é que cada detalhe, cada minuto, cada letra daquela musica não saía da minha cabeça.
Antes mesmo do sol nascer, me sentei na cama, e olhei meu quarto. Para uma melhor identificação, vou descrever esse ambiente, que é minha fortaleza pessoal:
Na parede da direita, é a porta que dá acesso a sala. Logo ao lado da porta tem uma estante com meu notebook, um caderno com meus desenhos, e uma impressora pequena. Na parede a minha frente, apenas um guarda-roupas de dois lados, o qual o lado central é formado com quatro prateleiras. A primeira de cima, e a ultima de baixo, uso para por meus livros, enquanto a segunda e a terceira prateleira, coloco algumas "action figures" que coleciono desde criança. Marcos vive falando "Cara, joga esses brinquedos fora! Por isso não da pra trazer mulher pro teu quarto!". Mal sabe ele que o intuito é exatamente ele não usar meu quarto. Na parede da esquerda, apenas uma janela larga que da vista para a rua. Do meu quarto, apenas as paredes do prédio da frente é visto. Abaixo da para se ver a rua, e tenho uma visão maravilhosa da It Tastes Brazil daqui... A faixada dela neste angulo sempre me lembra aquela série que tem os seis amigos. Na parede oposta apenas alguns posteres de filme, e a minha cama encostada, obvio. No chão de carpete cinza, apenas roupas jogadas por todo lado. Preciso limpar essa bagunça...
Me levantei, e coloquei minha playlist de musicas do Rascal Flatts pra tocar em meus fones de ouvido enquanto limpava meu quarto, fazendo a leve política de solteiro para saber qual roupa ia pra lavar, e qual voltava para o guarda-roupas (É só cheirar e analisar o quão fedida está a roupa. Caso o cheiro seja suportável, ele vai aguentar mais um pouco antes que eu gaste com lavanderia). De repente começou a tocar Take me There. Foi quando desisti de arrumar o quarto, abri meu guarda-roupas e peguei meu violão preto que eu deixo ali. Sentei virado para a janela, e comecei a tocar os mesmos acordes da canção, pensando na Lisa, e no quanto aquela música pode fazer sentido a partir de hoje... O quanto tenho a vontade de conhecer Lisa... Conhecer a garota por trás daquele sorriso. Olhando pela janela para a parede do prédio oposto, apenas ouvindo o som, fechei os olhos e acompanhei o refrão da canção tocando com ambos os fones no ouvido e deslizando os dedos pelas cordas, repetindo a canção que eu escutava:

"Eu quero saber tudo sobre você
E quero ir em toda estrada que você esteve
Onde suas esperanças, sonhos e desejos vivem
Onde você mantém o resto da sua vida escondida
Eu quero conhecer a garota atrás desse lindo olhar
Me leve lá..."
Após o fim do refrão, consegui ouvir vindo do lado oposto do comodo, aplausos de uma única pessoa, e quando olhei para trás, encontrei Marcos com o cabelo emaranhado, sem camisa e batendo palmas para mim.
- Muito bem, vai me chamar pra dançar agora?
- Cala a boca. - Disse, me levantando e colocando o violão sobre a cama, indo terminar a organização do meu quarto.
- Estou indo na ITB - É assim que ele chama a It Tastes Brazil. - Quer algo de lá?
- Café grande e um daqueles sanduiches.
Enquanto ele foi, terminei de arrumar o quarto, e as roupas que considerei sujas levei em monte até o banheiro, onde coloquei no sexto para levar até a lavanderia mais tarde. Agora poderia sentar e ouvir minhas canções tranquilamente enquanto Marcos se enrolava com o café.

Cerca de quarenta minutos após a saída do Marcos, ele chega abrindo a porta com um chute.
- Gosta mesmo de marcar presença não é Marcos? - disse meio irritado com a atitude.
- Tenho um talento nato pra essas coisas. - ele respondeu - a propósito, esbarrei com o Douglas lá na ITB... Ele me perguntou de você.
- Ele está com uma proposta de negócios para mim, mas tenho até medo do que pode ser...
- Você já viu o que ele tem? - disse ele trazendo para mim meu copo de café até o sofá, e sentando ao meu lado - É uma loja aqui de veículos, uma boate em Nova Iorque, um prédio comercial no Brasil e parece que quer comprar parte de outro comércio por aqui... Foi o que ouvi falar.
- Acha que ele quer me contratar pra trabalhar em algum lugar desses? - perguntei pensativo.
- Ou isso, ou te vender um esquema de pirâmides. - Fiquei encarando Marcos, enquanto ele me olhava, esperando que eu entendesse a graça da piada. Apenas acenei em negativa. Então ele se levantou do sofá, e prosseguiu - Bom, seja o que for, vamos torcer pra que não seja nada em Nova Iorque. Você não vai querer abandonar um final de semana próximo da... Como é mesmo o nome da ruivinha? Tina?
- Lisa - respondi olhando diretamente para o nada. Nesse momento me lembrei do sorriso da Lisa, e daquele beijo... E aquela descrição que ela havia feito em um momento de intolerância e muita tequila. Pensei em levar a Lisa em uma das viagens de negócios na próxima. Já que tenho direito a um acompanhante, sei lá... Será que ela gostaria de ir pra Austrália? Espero que ela não tenha medo de aranhas.
- Telefone Dean! - gritou meu irmão, e eu fui atender.
- Oi Dean
- Quem fala?
- Sou eu, Louise
- Quem?
- Seu chefe Dean! - Ok, até aí tudo bem, até anotei o nome do chefe em um papel por que provavelmente vou esquecer novamente. Mas Louise?! Meu chefe tem nome de mulher, ou é só uma impressão minha?!
- Ah sim... Diga chefe.
- Preciso conversar contigo ainda hoje, pessoalmente. Venha até a empresa perto das nove da noite.
- É alguma viagem de negócios senhor?
- Quase isso. Passo os detalhes pessoalmente. - Antes mesmo que dissesse qualquer coisa, ele já havia desligado o telefone. Muito esquisito... Me ligar num domingo, para tratar de negócios. Geralmente ele manda outro fazer isso em seu lugar!
Coloquei o telefone novamente no gancho e me virei para o Marcos, que estava no sofá me encarando sério. Ele fez sinal com as mãos para que eu falasse algo, e eu apenas disse:
- Ele quer me ver hoje ainda...
- Estranho. Ele disse o que era?
- Nada, só disse que é "quase" uma viagem de negócios - Representei o sinal de aspas com as mãos, quando disse a palavra "quase".
O resto da manhã passou com vários pensamentos malucos pairando sobre minha cabeça. O que será que Lisa estaria fazendo, o que é que tinha de tão importante que meu chefe precisa me encontrar em pleno domingo, e por que é que o Marcos tem que ofender a mãe dos jogadores que disputam contra ele nessas partidas de jogos online???
Na hora do almoço, me preparei para ir comprar no meu restaurante japonês favorito. Ia levar um barco de sushi para casa. Marcos não é muito fã, mas mesmo assim eu gosto. Como até ter a impressão de que sushi é enjoativo e nojento, mas sempre da vontade de comer mais depois.
Próximo as seis da tarde, me programei para ir até o trabalho me encontrar com meu chefe com nome de mulher. Estava falando sobre isso com o Marcos, e ele disse que é normal. É um nome francês e tudo mais. Ainda assim, escuto esse nome e penso em uma mulher fazendo propaganda de perfume importado.
Tomei banho, jantei pizza com Marcos e outros três amigos dele que vieram jogar videogame e se programar para algumas atividades da faculdade. Estava vestindo um terno preto com calça e gravatas de mesma cor, cabelo penteado para trás, barba alinhada, camisa branca e sapatos bem engraxados. O importante é manter a aparência. Chamei um taxi, e assim que ele chegou, embarquei e fui em direção ao escritório.
Cheguei em frente ao prédio faltando quinze minutos para o horário marcado, e aquela hora da noite o clima estava bem sinistro. Por ser um prédio comercial, tudo estava apagado, exceto a luz do nosso corredor. A porta estava trancada, mas eu sempre tive a chave. Por algum motivo, meu chefe (nunca vou conseguir chamar ele de Louise) criou essa confiança em mim, cedendo ao Marcos e eu as maiores oportunidades da empresa, mesmo notando que os dois juntos são um verdadeiro fiasco. Acho que é mais pelo elo familiar que meu irmão e eu criamos. Isso é bonito de certa forma.
Entrei no prédio, tranquei novamente a porta, e caminhei em direção as escadas. Cedi por alguns minutos, e decidi ir de elevador... Escuridão mortal me da frio na espinha e me faz pensar em assassinos em série.
Chegando no andar, caminhei até a sala do chefe, e bati na porta três vezes, quando a porta ao lado se abre, e meu coração gela... Não de medo, mas de surpresa.
- Dean, bem na hora - disse meu chefe - Venha, estamos na sala de reuniões.
Este "estamos" me fez pensar em mais quem poderia estar ali com ele, e depois que eu atravessei a porta dupla de madeira brilhante e marrom, me deparei com, no extremo de uma mesa de vidro ovalada e gigante, Douglas, sentado com as mãos apoiadas no queixo, olhando para mim com um certo ar de felicidade no olhar.
- Bem Louise, parece que realmente podemos contar com nosso rapaz mesmo em pleno domingo, não é? - disse ele sem tirar os olhos de mim. Ele parecia estar orgulhoso simplesmente por eu estar ali. Ele se levantou, fez um gesto para que eu me sentasse em uma das doze cadeiras que são distribuidas ao redor da mesa, e foi exatamente isso que eu fiz.
- Bem, Dean - disse meu chefe - Sei que está meio confuso com o fato de eu ter te chamado aqui em pleno domingo, e o pior, o que é que me faz estar no escritório com quem eu descubro hoje que é seu amigo de infância não é...
Eu apenas concordo com a cabeça, ainda boquiaberto com a presença do Douglas no local. Ele não tem inúmeros comércios pra cuidar?
- Dean, - começou a falar meu antigo amigo, e a partir dali muita coisa poderia acontecer - Seu chefe pediu para você vir aqui por um simples e único motivo. Meu pai é um homem que acredita no seu potencial. Seu e do Marcos...
- Pai? - Interferi no meio da "palestra". Aquilo me impressionou.
- Sim... Meu pai, e seu chefe por sinal. Ele me ensinou os bens de se ter um negócio e quando fiquei sabendo que você trabalhava para ele, entrei em euforia! Precisava dar a você a oportunidade que a vários dias venho tentando lhe apresentar, mas você simplesmente foge e não me dá ouvidos. Agora, podemos conversar com você normalmente.
O silencio se fez presente por alguns instantes, até que ele retornou a falar.
- Bom. Não sei se conhece minha história. A gente perdeu contato, pois meu pai me deu uma oportunidade de crescer sem me apoiar nos alicerces financeiros dele. A história é longa, e eu simplesmente não quero te explicar todo o processo até chegar aqui, mas atualmente eu sou tão bem sucedido que meu pai, e não tenho nem metade da idade dele. - Ambos deram risada, e apenas para que eu não fosse o único boquiaberto, emendei uma risada sem graça por cima da deles. - Mas o negócio é o seguinte. Eu tenho duas ofertas irrecusáveis para você, e espero que você aceite.
- Vai ser dificil recusar, se elas são irrecusáveis não é... - Eu respondi no impulso, mesmo assim eles levaram na esportiva e riram juntos, novamente, dei um sorriso apenas para não ficar sozinho na situação.
- Prosseguindo. Meu pai e eu temos um workshop em Nova Iorque, falando sobre empreendedorismo e satisfatoriedade nos negócios pessoais. Não é grande coisa, mas podemos levar duas pessoas em nosso lugar. E eu tenho aqui os hotéis pagos, e duas passagens aéreas pra você e mais um acompanhante. Você pode levar o Marcos.
- Por que não convidaram meu irmão também? - Perguntei novamente divagando entre as palavras. Tudo ali estava me assustando de certa forma...
- Porque agora vem a segunda parte da proposta - respondeu meu chefe. - Douglas comprou a parte de uma academia, que fica aqui no centro da cidade. Ela é bem grande porém o dono estava quase prestes a decretar falência. Ele comprou uma parte, e eu irei inserir alguns capitais que eu possuo, como que um investimento nessa academia. Queremos que você e o seu irmão administrem a nossa parte desse negócio... Coisas simples, e burocráticas como todos os processos administrativos que você já conhece.
- Gostei da idéia da academia - Antigamente eu praticava boxe. Cheguei a ensinar para algumas pessoas, mas o tempo hábil me tirou a oportunidade de crescer no ramo. Se for a academia que estou pensando, poderia arrumar um jeito de mestrar por lá...
- Lembro me que na nossa época você praticava boxe, até lecionou para algumas pessoas... - disse Douglas. Acho impressionante quando as pessoas repetem as coisas que acabo de pensar. É como se transparecesse tudo o que eu penso... Ou as vezes eu devo falar o que penso em voz alta e não percebo. - Você pode até dar algumas aulas de boxe por lá. Então, o que me diz?
- É uma proposta tentadora... Preciso conversar com meu irmão. Posso dar a resposta quando?
- Você tem até o próximo domingo para nos dar a resposta. Segunda feira precisamos que você esteja embarcando para Nova Iorque já no voo das 10 horas. São três dias de viagem, cerca de duas horas de apresentação de Workshop. O que significa que você terá dois dias para descansar e conhecer a cidade que nunca dorme - Meu chefe sabe convencer as pessoas. - Quando você voltar, todo o procedimento da academia será acertado com o Douglas, ok?
- Certo. - falou Douglas - Acredito que seja só isso. - ele falou, me esticando a mão para me cumprimentar, me puxando para que eu ficasse em pé - Espero que pense em positiva. É a oportunidade que nem eu ganhei do meu pai para ser sucedido.
Após me despedir, desci o elevador, passei pela porta e chamei um taxi. Olhei para cima, e conseguia ver a silhueta dos dois atravessando os corredores. Estava tudo muito confuso em minha cabeça. Precisava conversar com alguém, e a única pessoa que me vinha na cabeça era a Lisa. O taxi chegou, eu embarquei e estava a caminho de casa, quando abri a agenda do celular e percebi que fazem mais de três semanas que converso com a Lisa, mas até agora não pedi o número de telefone dela.

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