Monteiro

44 5 3
                                    

Bateu a porta ao sair da casa dos Senhores. A chuva cessava aos poucos, restando somente a garoa. Ele olhou o relógio. 22h49. Dificilmente dormiam na casa. Havia alguns soldados de guarda perto do portão. Seu terno completamente preto estava molhado. Aonde iria agora? Qualquer lugar.
Ajeitou a arma nas costas e começou a caminhar, passou pelo portão sem dizer palavra. Sentia por Marco... muito mesmo. Ele o havia tirado das ruas há tempos atrás. Gregório era apenas um menino, com fome e frio, sem pais, sem ninguém. Mas odiou o jeito que Daniel sequer citou o nome de Frederico Paglia. Óbvio que a vingança da morte de um viria com a vingança da morte do outro num pacote bônus, mas tratar Paglia como um plus era algo repreensível.
Claro, Frederico era apenas um guarda costas, era um ninguém ali, estava em ascensão, mas ainda era ninguém. Para o intendente ele poderia ser o motorista do grupo depois de suas bebedeiras, enquanto não era promovido a capitão. Gregório gostava de Paglia, sempre sorridente e de boa mira. Fará falta.
Acendeu um cigarro. Não era como Daniel, que fumava pouco e apenas seu Black Whore, ele estava quase sempre com um Wild & Strange na boca.
A casa dos Senhores ficava no quadrante leste do Celeste. As ruas estavam normais novamente, a vida noturna voltava ao jeito corriqueiro. Eram apenas duas mortes e as pessoas eram indiferentes. Gregório quis ir ao cassino que tomava conta, era só descer a rua e entrar a esquerda. Pôs-se a andar pela calçada molhada.
O celeste era um bairro antigo, Gregório gostava disso nele. Os prédios de poucos andares e cores fracas, algumas ruas ainda de pedras, sem o controle total do asfalto como no Centro, havia mais mercados tradicionais que supermercados, ninguém precisava sair dali para nada, tudo estava no Celeste. Tinha um lugar especial para ele e que ele cultuava como se fosse o próprio Deus. A capela de Santa Cecília. Não que fosse devoto da pobre virgem mártir, mas a arquitetura em estilo gótico o fascinava. Sentia-se em êxtase ali dentro e gostava mesmo de ir lá. Fazia doações para que a capela fosse mantida.
Foi criado como católico, seus pais assim eram e lhe passaram o pouco que tinham da fé. Portugueses que imigraram no início da reformulação da sociedade, quando houve a promoção da imigração. Ele nasceu já em Bellum e falava o português como um cidadão do reino, sem o sotaque forte dos pais portuenses. Como diziam as pessoas, falava o português do rei.
As pessoas passavam por ele com guarda-chuvas abertos, protegendo-se da garoa. Ele gostaria de ser comum, mas a vida o obrigou a estar no submundo para fazer dinheiro. Os pais tinham esperanças de crescer fora de Portugal, até conseguiram montar um negócio proveitoso, vendendo pasteis de Belém, mas não demorou muito e o governo aumentou o preço do trigo importado. Eles achavam que a volta da democracia seria melhor que os anos de ditadura socialista, mas o que mudou de fato? Pessoas não eram mais fuziladas em praça pública, mas os impostos continuavam matando muita gente. Quem podia comprar políticos, fazia-o, mas quem não podia, como ficaria? O negócio dos Monteiro quebrou dentro de dois anos, antes dos rei emitir uma proposta ao parlamento de retirada dos impostos sobre alimentos. Houve aprovação, a família de Gregório já estava empobrecida.
Todos tinham de se virar e ajudar, ele começou com pequenos furtos em bando de meninos de rua. Seu pai o pegou uma vez e lhe aplicou um castigo: dez cintadas nas costas, como se ele fosse um escravo no tronco apanhando do capataz. Teve medo de apanhar novamente, mas a fome foi maior. Tornou a roubar. Foi expulso de casa aos 15 anos e acolhido pela família Bergani. Marco o introduziu na mentalidade dos Senhores e ali estava ele. Um bandido.
Gregório tinha um olhar sereno, passava mais tempo no cassino que em casa, gostava de livros e desejava estar limpo para poder viver sem ter de olhar para todos os lados, empunhando armas e matando pessoas. Marco queria fazer dos Senhores um a família de negócios brancos. Todos estavam cansados do submundo. Não teve tempo.
Entrou no cassino. Estava vazio, óbvio, Marco Bergani estava morto.
Foi para o escritório, nos fundos. Sentou-se sob o crucifixo afixado na parede. Acendeu mais um cigarro, recostou-se na cadeira, colocou os pés sobre a mesa. Observou a porta aberta. Coçou a cabeça.
- O que será que Danny está tramando? - pensou alto.
Sim, ele havia odiado o jeito que Cosini estava levando as coisas, querendo mandar em todos, como se a família já tivesse um novo lorde comandante. Não seria assim tão fácil, mesmo que ele fosse o intendente. Claro, ele era leal ao filho de Silvio Cosini, mas o ver agindo com aquela maneira arrogante de faça-isso-faça-aquilo não lhe agradava nem um pouco. Daniel pediu calma para ajeitarem as coisas. Iriam enterrar o amigo e líder, depois as coisas poderiam ser feitas, mas ele não disse até onde iria o "depois". Às vezes, depois é tempo demais.

Salve, Galera! Tudo bem? Espero que estejam gostando da estória. Ansioso pelo feedback.
Abraço,
Dio

Ruas De SangueWhere stories live. Discover now