Albuquerque

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Chegou ao seu apartamento no Centro já de madrugada, antes deixou Fonseca em casa e foi a um pub. Bebeu uma dose conhaque, as leis sobre beber e dirigir eram brandas, uma dose de conhaque não o faria chegar ao teor máximo tolerado, e recebeu uma ligação que lhe deu uma grande dor de cabeça.

Ele era o detetive-titular do turno que ia do final da tarde até a noite, então tinha de responder por tudo o que acontecia de relevante na cidade. Ele quis isso quando fez os exames para o cargo após ter-se tornado bacharel, mas somente depois daquela ligação sentiu o peso do seu trabalho.

Sentou numa poltrona.

Tirou a arma do coldre e a pôs sobre a mesa de centro. Acendeu um cigarro W&S e fumou sob a luz baixa de seu apartamento. Coçou a cabeça. Estava vivendo sozinho havia dois anos, desde que saíra da casa de seus pais. Estagiou no Tribunal da Primeira Instância e entrou para a polícia. Nunca quis ser advogado. Ficar sentado o dia inteiro, lendo artigos e mais artigos, vendo quantas pessoas teria de processar pra ganhar algum dinheiro.

Levantou-se e foi para o banheiro, despiu-se. Tinha o corpo forte dos anos de atleta tanto no colégio quanto na faculdade. Abriu o chuveiro e banhou-se. A agua quente batia em sua pele branca, limpando as sujeiras de um dia cansativo.

"Aquele telefonema", pensou. Havia sido o ministro da justiça quem lhe telefonara, convocando-o para ir a uma reunião às 9h da manhã do dia seguinte, em tom de emergência. Ele sabia o teor da conversa. As Ruas de Sangue. Albuquerque já estava ciente das tensões que rodeavam os bairros do norte da cidade. Desde que encontraram aquele corpo morto na fronteira do Bacci com o Celeste, ele já imaginava que aconteceria algo de grande impacto, só não sabia quando, nem onde, e até agora não percebia o motivo de cada tiro disparado. Claro, tinha vontade de saber o que ocasiona as guerras entre as "famílias", ou gangues, ou a máfia, não importa.

Ficava a pensar bastante nisso, lembrava-se do sargento Moura, com seu maldito bigode. O desgraçado de certeza estava a ajudar o crime. Pior, Albuquerque já imaginava que teria também de lutar contra a potencial corrupção que acomete a Polícia Real. Certa vez ouviu numa série de tv, um mafioso a dizer que "o crime organizado precisa de ordem e justiça", algo do tipo. Estava lá, o sargento Moura a ser esta máxima em carne, osso e um preto uniforme de baixa patente.

Ia dormir pensando nisso: que de todos ali, aquele que mais merecia morrer, estava aclamado pelo manto dos homens de bem.


O ar-condicionado da sala do ministro incomodava o detetive-chefe. Era muito baixo, sentiu-se no rigoroso inverno que atingia Monseleste em plena primavera, às vésperas do verão. Ele estava esperando há meia hora, sentado e impedido de fumar. Sua excelência odiava o cheiro de cigarro. Escanhoou a barba, tinha os cabelos bem penteados, mas usava um chapéu preto. O terno era preto também, sua cor favorita.

Observou a sala bem arrumada. Os quadros pendurados, a bandeira do país, as canetas todas azuis dispostas sobre a mesa de madeira marrom, muitos papeis distribuídos também sobre ela. A balança da justiça numa estante de cerca de dois metros entre livros e mais livros.

Pediram que ele esperasse ali dentro enquanto o ministro despachava uma ordem a um de seus assessores. Não imaginava que mandar alguém fazer algo demorava tanto.

Pegou o celular e abriu o bloco de notas. Leu as palavras que anotou dos dizeres do jovem Alessandro. Dois jovens estavam tranquilos numa noite, num restaurante, de repente um carro se aproxima, as janelas descem, os tiros sobem, todos se abaixam, um deles é atingido de raspão, os dois sacam armas e saem do restaurante, são surpreendidos por mais tiros. Morrem. Quem em sã consciência sai de um lugar seguro para o encontro com o perigo? Italianos têm sangue quente, mas não são burros. A guerra já estava declarada há tempos, imaginou o detetive, eles sabiam que em qualquer lugar que fossem, mesmo que ficassem dentro do restaurante, morreriam ou matariam.

O ministro bateu a porta ao entrar.

Era um tipo estranho. Os cabelos brancos ralos puxados para trás, o nariz imenso e fino, barba mal feita, olhos com pesadas olheiras. Era alto, corpo roliço, vestia um terno cinza, com uma gravata de bolinhas, o que levou Albuquerque a pensar que o neto deveria vesti-lo.

- Bom dia, doutor Albuquerque - disse o senhor com a voz rouca. - Sei que não é seu horário de trabalho, por isso pedi que viesse - puxou a cadeira e sentou.

- Bom dia, excelência - respondeu Albuquerque. - Em que lhe posso ser útil?

O velho abriu um sorriso amarelo.

Ajeitou alguns papéis que estavam sobre a mesa e assinou.

- Gosto de homens diretos, Dr. Albuquerque - disse olhando novamente para o detetive. - Assim como o senhor está parecendo ser.

Ele assentiu.

- É bom que não se perca tempo.

O velho concordou com a cabeça.

- Então vamos direto ao assunto - falou entrelaçando os dedos. - já deve imaginar o que lhe trouxe aqui, não é? - Albuquerque assentiu. - Pois, são, de fato, aquelas mortes ontem à noite. O rei soube logo e me pediu para salientar os seus desejos em relação a atuação do crime organizado...

- Não sabemos se foi um ato do crime organizado - interrompeu. - Não há ainda essa informação. O sub detetive-titular não me contatou para tratar disso.

O velho concordou com a cabeça.

- Mas tanto o senhor quanto Severo Benencasa não estão sozinhos nisso - disse ele virando o monitor do computador para Albuquerque. A tela mostrava vários rostos de homens engravatados. - Estes homens fazem parte do Conselho de Investigação e Inteligência, eles também coletam informações em todos os lugares e sabem mais do que o senhor.

Albuquerque sorriu com desdém.

Levantou-se.

- Então, vossa excelência, por que me chamou aqui? - perguntou. - Não vejo motivos para continuar a frente deste caso. O CII já está atuando de forma independente.

O velho balançou a cabeça e fez sinal para a cadeira.

- Sente-se, doutor, por favor - disse. - O senhor está à frente deste caso pelo desejo do rei e pelo fato do conselho não ser polícia, não pode prender, só acusar e trabalhar em conjunto com a Polícia Real.

Albuquerque sentou.

- Bem - continuou o ministro - os desejos do rei são que o senhor prenda todos os envolvidos, antes que mais uma guerra estoure - ele fez sinal para Albuquerque não interromper, quando ele abriu a boca para falar. - Por favor, sei que é seu desejo também. Não precisa dizer. Pois bem, só quero que entenda que pode contar com o CII para lidar com os esquemas do submundo de Bellum. Ninguém quer mais uma guerra, certo? Mas todos eles devem ser presos - pegou um envelope da gaveta e deu nas mãos do detetive. - Aqui estão as fichas dos jovens que morreram ontem, eles eram ligados aos Senhores, na verdade, um deles era o líder. Sei que fará um bom trabalho, doutor. A coroa e o governo confiam no senhor.

Albuquerque sorriu.

Ruas De SangueWhere stories live. Discover now