As Armas

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Os detetives andavam pelo salão, tiravam fotos, iam e vinham, anotavam informações de pessoas que moravam em redor do restaurante. Albuquerque coçava a cabeça enquanto via os corpos sendo carregados para fora do estabelecimento.

— Acha que as mortes vão parar agora? – perguntou Fonseca.

Albuquerque não havia pensado nisso ainda, mas era óbvio que uma chacina daquela só podia ser a retaliação por tudo o que vinha acontecendo pelas ruas da capital. Faria sentido se os brutais assassinatos parassem de acontecer.

- Aqueles ali são os irmãos Tentrini? – perguntou olhando os corpos crivados. Era uma cena bem feia. – Ou melhor, eram?

Fonseca assentiu.

- Ao que parece, eram líderes do crime aqui no Bacci. Talvez estivessem por trás do ataque a Tommasi.

Ele já havia ouvido falar da família Tentrini. Italianos, tinham algumas empresas no bairro, mas tudo para lavar dinheiro do crime. Com o fechamento de alguns lugarejos, eles estavam começando a se meter com drogas novamente.

Estiveram envolvidos na morte de Silvio Cosini, mas nada foi provado. Um pobre coitado assumiu tudo. Ele sabia dos envolvimentos passados daqueles homens, mas nada podia fazer sem provas.

- Estavam aqui – disse – os chefes do crime de todo o norte e da zona oeste, exceto os Senhores. Acho que já podemos abrir um processo contra alguém.

Fonseca fez uma cara de quem não estava gostando das andanças da carruagem. Olhou a mais de uma dezena de corpos e suspirou.
- O que foi? – perguntou o detetive-chefe.

Fonseca bateu a caderneta contra a própria cabeça e fez  bico, como se fosse uma criança com birra.

- Olha, os Senhores nunca se meteram com essa brutalidade, nunca venderam drogas, só se metiam com bebidas e jogos. Eles nos fizeram um favor, mais que uma ofensa.

Foi a vez de Albuquerque assentir. Chamou um dos legistas envolvidos no meio dos corpos. Depois chamou Florenzi também. Os dois foram até ele. Segurou no ombro do legista.
- Qual o calibre das balas? – perguntou.

O homem deu uma olhada a mais nos corpos.

- Ao que parece – disse –, são tiros de calibre .762. Calibre bem grosso mesmo e alguns tiros de .9mm.
Agora ele se volta para Florenzi, dispensando o legista.

- Qual o armamento preferido dos russos e quem vive contrabandeando armas deles para Bellum? – perguntou.

Florenzi passou a mão pelo cabelo.
- Bem, são fuzis AK47 e a família Coimbra, pelas minhas anotações, está envolvida com isso.

Então Albuquerque fixou os olhos em Fonseca. Este pareceu envergonhar-se diante das informações. O detetive-chefe dispensou Florenzi.

- Ainda acha que eles mais ajudaram? -perguntou secamente. – Ajudaram mais o tráfico de armas que a polícia. Além do mais, você é um homem honesto Fonseca, não pode ficar se rebaixando ao nível deles.
Fonseca concordou com um aceno de cabeça.

- Como vamos fazer para indiciá-los?
Albuquerque sorriu.

- Fique tranquilo, eu tenho um plano.

                               ***

Alguns dias antes daquela chacina, Domenico Florenzi investigava a família Coimbra. Havia conseguido a ordem judicial de uma escuta telefônica graças ao CII. Dia e noite ele ouvia as conversas de Eduardo Coimbra, muitas delas, totalmente desinteressantes.

O homem era um galanteador, quase sempre tinha uma mulher à outra linha. A notícia principal só foi ser ouvida algumas horas antes de todas aquelas mortes.

Era um contato direto com alguém que ele chamava de “giocatore”. Ele falou esse nome quando o homem atendeu. Eduardo pedia desculpas pela demora, as coisas tiveram um entrave e o carregamento só chegara no momento em que ligava. Era quuinta-feira. Giocatore dizia que eles estavam precisando para já e que Eduardo deveria levar até ele.

Era  chance dele de ter algum tipo de flagrante. Estava na esquina da rua onde os Coimbra viviam, bastava segui-lo, vê-lo entregar o pacote e prender. Ele tinha jurisprudência para isso? Ligou para a central. Pediu para falar com detetive-chefe.

- … Tem certeza? – disse Albuquerque. – Acha que pode fazer?

- Sim, eles vão se encontrar nas docas.

- Tenha cuidado.

- OK.

Eduardo saiu de casa. Seu Camaro preto era muito mais rápido que a van da polícia onde Florenzi estava. Manter a velocidade no mesmo nível seria impossível, mas ele esperava que chegasse no momento em que as coisas fossem acontecer. A transação.
Seguiu Eduardo, pondo velocidade máxima na van. O pobre motor não iria aguentar a corrida. Viu o Coimbra entrar numa avenida de alta velocidade e lamentou.

As ruas de Bellum tinham essa divisão. Baixa, média e alta velocidade. As de alta velocidade, até 100km/h eram as que davam em rodovias nacionais. Era já tarde da noite, por volta das 23h, a esse horário ninguém respeitava o limite. Um Camaro tomaria a dianteira com muita vantagem. Mas ele sabia onde pararia.

Então achou justo perder alguns quilômetros de vista, mas ter, no final, um dos chefões do crime sob sua tutela. Aquilo o excitava.
Chegou às docas minutos depois. Ficou de longe, olhando, com um binóculo. A arma já em punho, pronta para ser usada, caso houvesse problema.

Viu Eduardo se aproximar de um navio pequeno com vários contêineres, já atracado no cais. Um homem gordo se aproximou dele. Havia outros, em cima, no navio, e embaixo, armados. Armas russas e israelenses, ele notou.

O homem gordo deu-lhe uma maleta, estava cheia de dinheiro. Eduardo sorriu. Mandou os homens que estavam ao seu redor abrirem um dos contêineres. Havia, descaradamente, muitas armas lá dentro. Eles nem tentavam disfarçar o tráfico. Eduardo contou as Gamas, ainda tinha um sorriso no rosto.

Florenzi percebeu que tinha de chamar reforço. Havia uns seis homens armados com fuzis. Ele não podia com eles. Chamou Albuquerque novamente, dessa vez no celular pessoal.

- Venham rápido – disse depois de explicar tudo.

Esperou. O Maverick de Albuquerque chegaria a tempo, ele traria mais alguns com ele, poderiam pegar aqueles safados. Se ele se arriscasse sozinho, certamente morreria. Não podia morrer.

O homem gordo olhou as armas, mexeu em algumas. Mandou que pusessem em seu carro. Uma mini van.

Florenzi ficava apreensivo. Queria dar o flagrante, tinha poder para tal, mas não tinha força armada para tanto. Os outros não chegariam a tempo. Tirou algumas fotos.
Puseram as armas, o homem gordo cumprimentou Eduardo. Entrou no carro e deu a partida. Saiu dali. Florenzi lamentou. Não podia sair dali. Albuquerque dissera para ficar, esperar. Não poderia seguir ninguém.

Mal sabiam eles, para quem o homem gordo levaria aquelas armas.

Ruas De SangueWhere stories live. Discover now