Janta

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Caterina lavava os pratos após o jantar. Daniel, sua mãe e Gregório na sala, vendo televisão. Sua mãe havia preparado a janta aquela noite. Elas sempre dividiram as tarefas de casa, sempre foram mulheres do lar.

O pai de Caterina, Tomás Bergani, era um industriário do ramo de ferro que fizera fortuna no período da ditadura socialista, o que é estranho, já que quase todas empresas eram estatais e somente os burocratas e membros altos do Partido tinham uma vida mais confortável.

Porem, como em toda ditadura socialista, existe uma parcela de empresas que são mantidas na mão de pseudocapitalistas, mas que estão sob total controle do Estado. É como o dinheiro que o pai dá à criança, mas não permite que ela gaste.

Quando a ditadura caiu, as empresas foram caindo também. O Estado era seu maior consumidor e as Bergani Steel eram a única fonte de ferro de uma economia fechada. Com a economia mais livre, a concorrência começou a aparecer, mais empresas com mais qualidade. Então o patriarca resolveu vender suas ações para um grupo britânico.

O problema era que o velho não se contentava em viver uma vida estável com o dinheiro que recebera pela empresa, ele tinha que ter mais. Começou com as apostas, que vieram cheias de derrotas. O homem não conseguia acertar uma vitória no futebol americano. Depois a bebida começou a fazer parte do seu cotidiano. O câncer foi a sua maior derrota. Os médicos custavam caro para algo que sabiam que não daria resultado. A fortuna, que já estava pequena, foi caindo. O velho morreu deixando a família com um rombo financeiro enorme. Dívidas de jogo eram cobradas a todo momento e Marco era apenas uma criança de 15 anos.

Só que o garoto já tinha o sangue quente a correr em suas veias, ele convenceu a mãe a vender o casarão em que viviam, e ajeitou um negócio surpreendente com alguém que ele chamava apenas de "il giocatore". Em tempo, a família recuperou uma vida confortável. O menino tomou as rédeas das finanças e as coisas estavam indo bem. Quinze anos depois, tudo decaindo. Ela não conseguia acreditar, mesmo que não experimentasse mais o seu toque, que ele havia sido brutalmente assassinado.

Agora, mais homens estavam sendo mortos e um policial sofrera um atentado enquanto estava numa barbearia. Um inocente perdeu a vida. Ela odiava aquilo. Daniel havia-lhe prometido que não terminaram desse jeito, que as coisas iriam mudar no grupo deles. Ela era uma moça de fé e acreditava nas pessoas, mas não tinha convicção de que as falas dele eram reais.

Terminou o último copo e o colocou para secar. Recostou-se na pia e respirou fundo. O vestido branco ficou um tanto molhado na altura da cintura. Ela cruzou os braços e fitou o teto. Quis chorar, mas conteve as lágrimas.

Primeiro o pai, que ela mal conheceu, depois seu irmão. Ela tinha medo de perder mais alguém. Amava Daniel Cosini de todo o seu coração, sabia que a vida dela era junto a ele, mas ninguém a fizera vibrar pela vida como ele. Lembrava-se dos encontros no parque, as idas ao cinema, da relutância dele em ir à capela aos domingos. Ele era divertido, bonito, inteligente. Estava jogando a vida fora nessa briga contra a lei. Ela sabia que cassinos e bebidas fortes não eram lá tão imorais, mas a lei ainda proibia. Daniel não dava a César o que era de César.

Ela também conhecia o esquema dos Senhores para lavar o dinheiro. Eles mantinham contato com o tal "giocatore", que era alguém ligado às apostas legais. Ele sempre preparava uma parte para os Senhores do montante dos jogos. A Polícia Real não tinha como acusá-los, eles realmente faziam as apostas quando os jogos já estavam terminados, "il giocatore" mudava o horário do sistema, a menos que alguém delatasse, eles estavam tranquilos.

O que preocupava de fato Caterina Bergani era o fato de que as outras organizações não tinham o respeito que a polícia tinha. Eles não pensavam duas vezes para agir, não tinham a lei como parâmetro e nenhuma piedade era encontrada neles. Se você esbarrasse em seus negócios, ou se juntava, ou... bem, o que aconteceu a Marco e Frederico Paglia é aquilo que acontece a quem ousa estar em seus caminhos.

Ela foi para a sala, sentou-se ao lado de Daniel. Ele lhe deu um sorriso branco e brando e passou o braço por sobre seus ombros.

Na televisão, o noticiário mostrava o discurso do Rei Carlos II. Ele era jovem, o pai morrera havia alguns anos, uns três mais ou menos. Sempre pareceu mais liberal que o velho pai, mas o discurso em relação às drogas era de um católico fervoroso. As drogas eram ruins. Como todo o crime, o tráfico tinha de ser coibido, destruído de nossas ruas.

"Pessoas têm morrido, crianças, jovens e idosos, todos expostos a esse mal que corrompe o nosso século e nossa sociedade. As fronteiras foram abertas, e com ela as portas dos infernos parecem ter ficado mais perto de nós. Médicos alertam o mal do consumo das drogas ilícitas, países têm desejado a revogação da liberação destas em sua dominância graças ao mal social que elas vêm causando. Não podemos nos submeter ao crime, não podemos ter medo. Confio firmemente no Conselho de Investigação e Inteligência e na Polícia Real, sob o comando do detetive-chefe Francisco Albuquerque. A batalha está travada, não vamos perdê-la".

Caterina ficou feliz ao ouvir essas palavras, estava sobressaltada. O rei tinha o dever de encorajar seu povo. Ela sempre gostou de história, lembrava de como o povo sempre lutava melhor nas guerras quando o rei estava à frente. Os cruzados sempre foram valorosos, mas com Ricardo Coração de Leão às sua frente eles derrotaram Saladino.

- Daniel - ela chamou - acha que a polícia vai conseguir deter as drogas?

Ele fez um carinho em seu pescoço pálido.

- Não sei - respondeu. - Mas acho que não, os safados - ela lhe lançou um olhar de reprovação. Odiava esse tipo de linguajar. Ele revirou os olhos, mas assentiu. - Os bandidões estão traficando há muito e nunca aconteceu nada a eles.

- Antes não tínhamos Francisco Albuquerque - ela replicou. - Talvez ele seja mesmo vigoroso.

Daniel olhou para Gregório. Ele estava fixo na televisão, mas ouvia tudo.

- Caterina - chamou Gregório -, as coisas não funcionam assim. Não tinham esse cara aí, mas ainda têm o sargento Moura. Além do mais, isso não é assunto para mulheres.

Daniel olhou para ele fixamente, com uma sobrancelha arqueada.

- Ei, Gregório - disse ele. - Tenha calma, cabrón. Ela só fez uma pergunta - beijou o cabelo de Caterina. - Veja, meu bem, não vamos falar sobre isso está bem. Gregório e eu faremos de tudo para chegarem a nós, vamos legalizar nossos negócios e buscar não nos meter em coisas ruins.

Ela fez um semblante de tristeza.

- Vocês já fazem coisas ruins - disse e ficou de pé. Olhou para ele e abanou a cabeça. subiu as escadas para o quarto.

Gregório fitou-a subindo.

- Daniel, ela está puta da vida com você.

A mãe de Marco arranhou a garganta.

- Gregório, eu não criei você com esse tipo de linguajar - olhou para Daniel Cosini. - Acho que você tem de cumprir mesmo sua palavra o quanto antes. Trina está sofrendo por Marco e ela não deseja perder mais ninguém. Faça sua parte, senhor Cosini.

Então ela subiu.

- Que pensa em fazer? - disse gregório acendendo um cigarro.

Daniel coçou a cabeça. Ele vinha pensando nisso havia algum tempo. Agora que havia recusado qualquer acordo com Tentrini, tinha de buscar se defender. Os homens do Bacci iam querer avançar para o Celeste, algumas vidas não fariam diferença.

- Quero uma reunião com Eduardo Coimbra - disse. - Você consegue? Tem contato com ele?

Gregório fez um gesto afirmativo com a cabeça.

- Para quando? - perguntou soltando fumaça da boca. - E onde?

Ruas De SangueWhere stories live. Discover now