Capítulo 3

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     Apoiada no cotovelo, Raquel tirou uma mexa de cabelo, ainda úmido, do rosto.
   _Vai, fala a verdade, eu mandei bem, né? -perguntou sorrindo.
   Raquel se sentia meio idiota fazendo aquela pergunta mas precisava saber. Marina era tão incrível com ela, era tudo tão perfeito entre as duas que Raquel queria que Marina também se sentisse da mesma maneira que ela se sentia quando estava em seus braços.
   Marina suspirou.
   _Nunca mais faça isso! -disse virando de barriga para cima.
   _Hum... até parece que você não gostou! -disse Raquel fazendo careta.
   Marina encarou o teto sem dizer nada. Raquel começou a se perguntar se tinha feito alguma coisa errada.
  _Eu fiz alguma coisa errada? -perguntou se sentindo culpada.
   _Não, -respondeu Marina virando se para ela, sorriu- pelo contrário... -beijou lhe os lábios e a testa- você mandou muito bem!
   Com um sorriso besta nos lábios, Raquel observou Marina se levantar vestindo seu robe de seda azul claro.
    _Você deve estar com fome... -disse Marina amarrando a faixa na cintura.
   Raquel pensou um pouco lembrando da última vez em que comera, não sabia se contava com as batatas fritas ou não. Na verdade, a sua última refeição de verdade foi à dias atrás. Não sentia fome.
   _Não... não estou com fome. -respondeu. 
   Marina olhou desconfiada para ela enquanto prendia o cabelo. Abriu a gaveta da cômoda tirando de lá uma das cuecas feminina de Raquel, jogando a para ela.
   _Vista se, depois temos que conversar sobre ontem. -dise saindo do quarto, para na porta virando se- Desnecessário aquilo!
   Sem ao menos esperar que Raquel digerisse aquelas palavras, Marina desapareceu porta afora.
   "MERDA!". E mais uma vez, aquele pânico de não saber o que aconteceu tomou conta de Raquel.
   Sentada na cama, depois de vestir suas roupas, Raquel encarou além da janela se esforçando para lembrar o que acontecera na noite passada. Lembrava de pouca coisa, apenas algumas imagens desfocadas como sonhos que mal conseguia se lembrar.
    Se lembrava de estar no banheiro com um telefone na mão.
   "Ligue para ela... ok!"
   Música alta, luzes. O bar. O cabelo rosa de Lia.
   "Tomei alguma coisa... Me conta uma novidade!", revirou os olhos.
   Dali em diante Raquel já não conseguia se lembrava de mais nada do que aconteceu naquela noite. Seus esforços para tentar se lembrar de mais alguma coisa foram em vão, era como que não tivesse acontecido absolutamente mais nada depois de ter tomado aquele comprimido, talvez uma falha no seu espaço/tempo fazendo com que ela pulasse aquelas horas que eram para terem sido vividas.
   "Que coisa desnecessária seria essa?". Raquel não queria enfrentar Marina às cegas e por isso precisava se lembrar de algo. Qualquer coisa. "Você tem que se lembrar, porra!".
   Todo esse esforço para se lembrar fez com que sua cabeça voltasse a doer. Raquel engoliu outro comprimido, foi até o banheiro e bebeu água dali mesmo, da pia.
   "Dane se" disse para si mesma. Não iria pegar água na cozinha, não com Marina lá. Ela precisava de tempo para lembrar.
   Depois de beber 2 copos d'água de uma vez, Raquel soltou um pequeno e inocente arroto. Junto com ele veio um gosto amargo queimando a sua garganta. E desse gosto amargo, veio um desconforto. E desse desconforto, um fragmento de uma imagem borrada. Ela já havia sentido aquele gosto antes mas não se lembrava de onde.
  Raquel então molhou o rosto com a água fria e bebeu mais um copo cheio d'água. O mesmo gosto amargo veio junto com outro arroto. Ela se concentrou analizando aquele gosto ruim. Que gosto era aquele, com o quê ele se parecia e da onde ela o conhecia?
   Todas as respostas das suas perguntas iam se encaixando naquele fragmento, moldando aquela imagem borrada que vira antes.
   "Inspira... Expira..." Raquel se concentrou fechando os olhos analisando a imagem à sua frente. Uma poça de vômito à sua frente com seu allstar respingado de vômito. Um pouco mais de esforço, Raquel pode ver que alguém segurava seu cabelo livrando o de ser atingido pelos jatos de vômito, além de estar encostada numa coisa fria.
   "Por favor, que seja a Lia, que seja a Lia ou qualquer outra pessoa. menos ela! Por favor!" Raquel implorava para que não fosse Marina quem segurava o seu cabelo ali. Seu estômago embrulha só de pensar no quão desnecessário aquilo seria Marina presenciar aquela cena deplorável dela vomitando todas suas enttanhas.
   "Mais uma para a lista de humilhações!".
   Raquel desejou com todas suas forças que aquilo fosse apenas um sonho, um pesadelo, enquanto voltava para o quarto.
   O caminho todo do banheiro até o quarto e do quarto até a cozinha, Raquel planejava o que ia dizer, as palavras certas, as desculpas, mostrar o seu arrependimento ou talvez, fingir que nada aconteceu. Afinal, ela não se lembrava de nada, então, tecnicamente, não aconteceu nada. Certo?
   "FOI APENAS UM SONHO! " tentava se convencer disto.
   Concentrada cortando tomate em rodelas finas, Marina não percebeu a entrada sorrateira de Raquel na cozinha. Nas pontas dos pés, Raquel parou atrás dela. Respirou fundo abraçando a por trás, cheirou o seu pescoço.
   _Humm... que cheirinho bom... -disse deslizando suas mãos para dentro do robe de Marina - Está me dando água na boca! -sussurra em seu ouvido.
   _A julgar pelo tanto que vomitou ontem, me surpreende ainda ter sobrado alguma gota de água ainda em seu corpo! -disse Marina séria.
   Aquelas palavras atingiram Raquel como um tapa na cara. Ela sabia que o que fazia não era certo e não fazia bem a saúde e blá blá blá, mas não era para Marina ficar jogando na sua cara dessa maneira as burradas que faz.
   Ela se afastou de Marina empurrando a. Emburrada, foi até a bancada pegar uma maçã na fruteira, a mordeu sentando em uma cadeira. Mastigava a maçã lentamente, pensativa, encarando o vazio à sua frente.
   Marina também não dissera nenhuma palavra até colocar o prato na frente de Raquel, minutos depois.
    _Aqui está. Agora coma! -pediu Marina sentando se à sua frente. Aquilo parecia mais uma ordem do que um pedido.
   _Já disse que não estou com fome! -responde Raquel sem ao menos olhar para o prato de comida.
   Marina suspira.
   _Você precisa comer.
   Raquel olhou para o prato, não sentia fome e muito menos vontade de comer aquilo que Marina preparou. Arroz integral, legumes cozidos ao vapor, peito de frango grelhado e salada de alguma coisa verde com tomate. Não que a comida de Marina fosse ruim, pelo contrário, era até boa mas saudável demais. Até com a comida Marina era certinha demais. Raquel odiava isso, ela estava mais para um fast food. Como não se dava muito bem na cozinha, Raqu preferia alguma coisa rápida e de fácil preparo e não podiam esquecer das suas batatas fritas.
  Raquel pegou uma fina rodela de tomate e a colocou na boca mastigando a.
   _Pronto, já comi! -disse depois de engolir.
   _É sério? -pergunta Marina fuzilando a com os olhos- Uma rodela de tomate não tem todos os nutrientes que você preci...
   _Blá blá blá... -disse Raquel interrompendo a, balançava a cabeça de um lado para o outro com desdém- isso eu já tô sabendo, aprendi na quarta série! -forçou um sorriso.
   _Não parece! -retruca Marina.
   As duas se encaram por longos minutos.
   _Você não vai comer? -pergunta Marina sem desviar os olhos dela.
   _Não! -responde Raquel também sem desviar o olhar.
   _Tem certeza?
   _Absoluta!
   _Pois bem... -Marina se levanta pegando o prato de cima da mesa e guardando o no forno.
   Raquel sentia se vitoriosa por ter ganhado de Marina. Mas aquele sentimento se foi rápido demais.
   _Então, já que não vai comer, agora podemos conversar! -disse Marina voltando a se sentar de frente para ela.
   "Merda!!" xingou Raquel mentalmente.
    As vezes quando Raquel achava que estava ganhando a batalha, Marina vinha sempre com uma carta na manga e a derrubava. Elas viviam sempre travando pequenas batalhas de todos os tipos todos os dias. Raquel perdera a conta de quem estava ganhando aquela guerra. Na maioria das vezes ela ganhava e na maioria das vezes ela perdia, mesmo se ganhasse ela perderia alguma coisa e se perdesse, ganhava. Sempre assim, sempre brigando, uma perdendo e a outra ganhando. As vezes tinha os seus momentos de calmaria mas dali a pouco começava tudo de novo, e a guerra entre elas seguia assim, sem fim. Raquel se perguntava até quando essa briga iria durar.
   _Eu estou comendo! -disse Raquel balançando a maçã, ainda pela metade, no ar. Ela dava pequenas mordidas na maçã mastigando a várias e várias vezes até se desfazer na boca, para ganhar tempo de saber o que dizer e por onde começar.
   Era difícil de acreditar que Raquel tinha sido tão fraca e idiota por ter dito tudo a Marina, tendo visto que Raquel não se abria com ninguém -nem com Lia, sua única e melhor amiga, quem dirá com Marina- com medo de que pudessem usar seus medos e anseios contra ela mesma.
   Para Raquel era mais fácil fingir não se importar porque assim, talvez, bem lá no fundo, ela não se importasse de verdade e assim não sairia ferrida do que quer que fosse que ela tenha se metido.
   _Olha, eu sei que exagerei um pouco na bebida. -começa Raquel por fim assim que acabou de comer a maçã deixando apenas o cabinho junto com as sementes em cima da mesa- Eu precisava muito dar uma relaxada, sabe? Daí saí falando um monte de merda por aí, xingando todo mundo... sei que errei, me arrependo disto. Ponto! -deu de ombros - A vida segue em frente e fim de papo!
   _Você exagerou um pouco na bebida? -pergunta Marina irônica.
   _É. Acontece nas melhores famílias!
   _Só que eles não fazem o que você fez! -retruca Marina sem esconder sua irritação na voz, talvez seja por Raquel achar que tudo bem sair por aí enchendo a cara e ficar se esfregando com desconhecidos por aí.
   Raquel se apóia na mesa inclinando o seu corpo para frente.
    _Então me digas, senhorita toda certinha, o que eu fiz de tão errado assim para você ficar toda se ofendendo? Desliguei o telefone na sua cara, atrapalhei o teu soninho, foi? -Raquel fez biquinho de deboche.
   Marina não disse nada por um tempo. As duas se encarando, Raquel a desafiando e Marina a estudando.
   _Você não se lembra do que aconteceu, não é? -pergunta Marina por fim analizando cada músculo da mandíbula de Raquel que se contraia em meio a verdade.
   Raquel reencostou se na cadeira abaixando a cabeça.
   _Você usou mais alguma coisa? -pergunta Marina novamente estreitando os olhos.
   Era fácil tomar um porre e ter uma amnésia alcoólica, mas, se tratando de Raquel, poderia se esperar de tudo. Certo que Marina estava só supondo, mas as atitudes de Raquel a entregaram.
   _Por Deus Raquel!! -exclamou Marina indignada.
   _E se eu tivesse usado? Você não tem nada a ver com isso!
   Sem coragem de encara-la, Raquel olhava para suas mãos brincando com o cabinho e as sementes da maçã em cima da mesa.
  Marina respira fundo.
   _Até quando você vai continuar com isso? Olha pra você Raquel! Essas porcarias estão acabando com você!
   Raquel abriu a boca para dizer alguma coisa mas a fechou rapidamente. De fato Raquel estava bem diferente de como era antes. Estava pálida, mais magra do que o abitual e olheiras profundas. Ela mal via a luz solar, dizia estar se tornando uma criatura da noite que só se alimentavam de sangue, mas como não gostava de sangue, passava fome.
   _Se eu não tivesse chegado lá naquele momento... -continuou Marina- sabe se lá Deus a onde você estaria agora! Aquele lugar asqueroso, nojento! Eu sentir nojo de vo... -Marina se interrompe, respira fundo repensando no que ia dizer- Você não faz ideia de como você está acabando com a sua vida! -finalizou.
   Raquel voltou a encara-la.
   _Como se você se importasse com ela, não é!? -disse com rispidez.
   _Eu não me importo, Raquel? -pergunta Marina indignada por Raquel falar que ela não se importava, mesmo depois de tudo que fez por ela.
   "Se se importasse comigo, não me deixaria sozinha sem você!". E mais uma vez Raquel não disse o que pensava.
   Talvez poderia haver uma falha no seu sistema de comunicação que, toda vez ou na maioria das vezes que Raquel pensava em dizer o que sentia, a sua boca não se mexia. Então, quando o seu cérebro manda os sinais para a boca para fazer o seu trabalho, era como se tivesse um fio desencapado com mal contato dentro dela -responsável pela comunicação dos seus sentimentos- cortando a comunicação impedindo de que as informações de chegar à sua boca, daí ela não conseguia dizer o que sentia.
   _Você quer parar de ficar me encarando!? -disse Raquel começando a ficar irritada.
   Raquel sabia que Marina estava estudando as suas feições, seus músculos se contraindo, sua respiração, suas mãos inquieta... Marina sabia de todas as respostas para as suas perguntas mas gostava de tortura-la fazendo com que falasse o que já sabia. Insistia em ouvir da boca de Raquel. E Raquel odiava aquilo.
   _Me responda! -Marina apoia se sobre a mesa- você acha que eu não me importo com você?
   Raquel a olha fixamente .
   _Não. Você não se importa comigo! -responde Raquel se apoiando na mesa- Ah sim, se importa sim, claro! Mas é só pelo simples fato de eu ser a tua fonte de prazer onde você tenta me manipular e me controlar de acordo com as suas vontades.
   Marina se encosta na cadeira, seus lábios curvados num sorriso seco.
    _Certo. Isso já é um começo. Vai continua, me diz mais sobre o que você pensa sobre mim, sobre nós...
    _Não. Eu não vou te dizer. Não, porque você quer!
    Marina da um longo suspiro.
    _Será que vamos ter que brigar sempre ou você vai ter que sempre presente se embebedar para criar coragem e me dizer o que realmente pensa ou sente?
    Raquel revira os olhos.
    _Eu nem estava bêbada!
    _Ah não? Que engraçado, se a minha memória não falha, você havia me dito que estava bêbada. Deu para mentir agora, é?
  _Vai a merda Marina! -Raquel vira a cara emburrada.
  Marina sorriu. Amava o jeito como Raquel emburrava a cara quando estava com raiva. Observou a por um momento, não tentava ver o que se passava na sua cabeça nem nada, apenas matava a saudade de olhar para aquele rosto. O contorno do seu rosto, de sua boca, o jeito que prendia o cabelo num coque mal feito. A amava mais que tudo e não entendia o porque Raquel dizia que ela não se importava. Se não se importasse, não estaria com ela até hoje, odiaria ainda mais as suas mania irritantes e não teria nem um pingo de paciência com ela. Por fim falou.
   _Eu me importo com você sim Raquel. Mais do que você pensa e mais do que eu achava. Sabe...
   E pela primeira vez, sentadas ali naquela mesa, Marina desviou os olhos de Raquel. Abaixou a cabeça olhando suas mãos repousada no colo. E como se estivesse andando em um terreno irregular, Marina caminhava lentamente procurando as palavras certas para se expressar de modo que Raquel não a interpretasse mal. Continuou.
   _Você tinha me dito que... -volta a olhar para Raquel- que eu não te entendo e que era para eu tentar te entender, mas... como você quer que eu te entenda se você não me diz o que sente? O que se passa nessa sua cabecinha de vento? -forçou um sorriso- eu não sei o que você quer...
   Raquel se vira para ela quase comovida.
    _Por que você não usa a sua técnica de análise-não-sei-o-quê para descobrir? Vai, você não é a sabe tudo? -inclinou se para frente desafiadora- Então adivinha!
    _Eu saberia se você não fosse tão instável. -responde Marina de prontidão.
    Um ponto de interrogação aparece no rosto de Raquel.
     _Você é instável emocionalmente e psicologicamente. -responde Marina a pergunta silenciosa de Raquel- Na mesma hora que está alegre fica triste e se está triste se alegra. Tem dias que é difícil fazer você parar de falar, outros dias não abre a boca nem pra falar um 'A'. Tem hora que quer se isolar do mundo, outras, quer ser os centros das atenções... -Marina listou todas as suas bipolaridades.
  Raquel ficou ali parada encarando a. Via seus lábios mexendo mas não ouvia nada do que Marina dizia, pensava em como era horrível se sentir assim. Ela passava umas semanas bem e aí do nada ficava pra baixo pensando na vida, como ninguém se importava com ela, sua mãe, Marina. Pensava na morte, qual era a sensação de estar morrendo, como era injusto algumas pessoas morrerem e outras não. As vezes ela não queria ver a cara de ninguém mas era impossível não ver quando estava trabalhando e o pior, era que tinha que estar sempre com um sorriso no rosto para atender os clientes. Não conseguia. Ela só torcia para aquele dia terminar logo para que pudesse se trancar em seu quarto e esperar o dia seguinte chegar, aí tudo isso teria passado. Na maioria das vezes sim mas as vezes não passava, duravam 2 ou 3 dias de pura tormenta, e com Marina do seu lado, ela conseguia esquecer ou diminuir um pouco essa tempestade dentro de si, mas quando Marina não estava e não sabia do seu paradeiro, tempestades, furacões e ciclones se juntavam para destruí-la por dentro. O único jeito de se aliviar um pouco era se machucando ou se afogando nas drogas e bebidas.
   Marina a trás de volta à mesa.
   _Eu não estou aqui para te julgar, Raquel, longe disso. Eu só quero te ajudar! -completa Marina segurando a mão de Raquel em cima da mesa.
   Sem saber como agir, Raquel se levantou pegando os restos da maçã para joga-las no lixo.
    _Me explica uma coisinha aqui... -pediu Raquel ao voltar para a mesa, se enfiando no espaço entre Marina e a mesa. Inclinou se ficando cara a cara com Marina- Como você pode querer me ajudar sendo você a causadora de todos os meus problemas?
   Marina não disse nada e Raquel também não esperou que dissesse. Continuou.
   _Você é minha ruína, o meu pior vício! -se afastou balançando a cabeça- Não aguento ficar longe de você...
   Marina era a pior droga que se poderia existir na terra, com seus efeitos e de fácil dependência, um dia que passasse sem ela qualquer uma já podia sentia os efeitos de uma crise de abstinência. E para Raquel, o mundo parava quando Marina a abraçava, não via o tempo passar ao seu lado. Quando a beijava, suas pernas ficavam bambas, mal as sentia. Era como que cada músculo do seu corpo se anestesiasse esperando o efeito Marina chegar. Ela via um mundo só seu naqueles dois grandes olhos castanhos, ela queria se perder para sempre neles. Sem contar no seu perfume, perfume a qual Raquel podia sentir-lo subir até seu cérebro, invadindo a, embaralhando a sua razão, o seu juízo... por alguns segundos esquecia até quem era. Mas a falta que Marina fazia era devastadora, ia acabando aos poucos com Raquel, uma dor silenciosa que a corroia por dentro.
   Num gesto de solidariedade, Marina tenta pegar a sua mão mas Raquel se afasta limpando o rosto.
   _Bom, eu acho que já está na minha hora. -diz forçando um sorriso- O Desespero deve estar desesperado com fome, aí já viu né... come tudo que vê pela frente...
   Raquel atravessou a cozinha rapidamente indo em direção ao quarto pegar as suas coisas. Marina não a impediu e nem disse nada.
   Na sala, num silêncio constrangedor, Marina esperou que Raquel calçasse seu tênis e a levou até a porta.
   _Então... -começou Raquel sem jeito- obrigada por me livrar mais uma vez de uma encrenca... e...
   _Quer que eu te leve? -perguntou Marina- Já está ficando tarde!
   Raquel forçou um sorriso.
   _Ah não, não se preocupe... -disse sem jeito.
   _Eu me preocupo, Raquel. -respondeu Marina na tentativa de se aproximar dela.
   _Eu tô precisando caminhar um pouco! -disse Raquel fingindo não ouvir.
   Marina abre a porta.
   _Então... tenha cuidado!
   _Tá. -Raquel se vira para a rua hesitante.
   Lá fora, o sol se punha. A rua deserta, silenciosa, sem qualquer sinal da civilização. Não havia se quer uma alma viva perambulando por aquelas ruas, exceto Raquel. Diferente da rua onde mora, onde toda semana acontecia alguma coisa nova e cheia de donas de casa cuidando da sua vida, ali onde Marina morava, era uma rua com pessoas civilizadas que não tomavam conta das vidas dos outros, eles se preocupavam mais em guardar os seus segredos do quê descobrir os dos outros.
   _Então... tchau! -disse Raquel virando para Marina.
   _Tchau!
   Raquel se pegou olhando para a sua boca, a desejava, queria beija-la, toca-la, pular em seus braços, mas o orgulho era maior. Deu as costas para Marina e saiu andando em direção a rua.
   Mesmo a perdendo de vista, Marina ainda ficou ali fora parada na soleira da porta. A brisa do anoitecer tocava lhe o rosto.
   As vezes Marina se sentia culpada por julgar Raquel antes de tentar entende-la primeiro. Quando acordou no fim dessa manhã e viu Raquel em sua cama dormindo profundamente, por alguns minutos, Marina pensou que seria bom poder acordar todos os dias  com ela ao seu lado, mas as lembranças de Raquel naquele bar a impediu de continuar achando que ela parecia ser tão frágil e indefesa assim quanto aparentava ser.

NÃO É A MINHA CULPA SER ASSIM!!!  (Volume 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora