Capítulo 18

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_Raquel! -gritou Ana entrando pela porta correndo para abraça-la.
_Você quer me matar do coração, bananinha? -agacha para abraça-la- você me deu o maior susto!
Ana sorri.
_Andando menina, trocar de roupa! -disse Sofia trancando a porta atrás dela.
Ana foi correndo para o quarto.
_Comeu? -pergunta Sofia.
Raquel balança a cabeça rapidamente afirmando que sim, mas não comeu.
Sofia a olha desconfiada.
_Que bom! -disse tampando as panelas.
Raquel torceu para que Sofia não revirasse o lixo procurando a comida que jogou fora.
_Ana! -chamou a sua mãe- a Raquel fez o bolinho que você gosta!
_Qual? -pergunta a menina aparecendo na sala depois de um tempo. Vestia um short laranja e uma blusa branca com o desenho da Minnie estampado.
_Bolinho de carne moída... -entrega lhe um prato com algumas bolinhas.
_Humm...
Ana os levou para a sala, sentou no sofá depois de ligar a televisão.
_Hum, Bob Esponja!! -Raquel correu para a sala para assistir com Ana. Sentada do seu lado, pegou um bolinho do seu prato fingindo comer.
Ana estreitou os olhos para ela fazendo bico, Raquel achou aquela carinha a mais gostosa do mundo, devolveu o bolinho para o prato sem antes morde-lo, Ana o pegou e colocou na boca de Raquel para que acabasse de comer o resto.
Sofia assistia aquela cena de longe, encostada na bancada. Seus olhos se cruzaram com os de Raquel, sorriu indo se juntar a elas no sofá.
Raquel não prestava atenção no desenho, perdidas em seus pensamentos, se perguntava como olhar para uma menina tão fofa, tão linda e inocente como a Ana que não tinha culpa de nada e ver nela, em seus olhos a imagem do seu marido, a imagem do homem que a usou como pagamento de uma dívida, que abusava dela, que a fez perder o bebê que esperava e que fizera de sua vida um inferno. Sempre será assombrada pelo passado.
Admirava Sofia por ser forte o bastante por contar.
Mas pensando bem, Sofia também era culpada?
Dizem que quem bate uma vez, bate outras vezes. Sofia não aceitou a primeira vez então terminou com ele, mas ele parecendo estar arrependido pediu desculpas, na hora da raiva dizemos e fazemos coisas que arrependemos depois, certo, ela o perdoou. Mas e depois?
Por que ela não o denunciou por ter a feito perder o bebê? E por que ainda continuou com ele depois disto?
Por amor? Amor doentio esse!
Por amor, nós ficamos cegos, idealizamos uma pessoa e não enxergamos a verdade na nossa frente.
Sofia, cega, ainda tinha esperanças de tudo voltar a ser como era antes, nos momentos bons.
Raquel não tira a razão de Sofia, ela também era cega, idealizava Marina, também tinha esperanças de tudo voltar a ser como era antes, sem seus sumiços, sem as brigas, só aqueles momentos bons entre elas.
"Ninguém tem culpa por ter esperança!"
Todos os dias acordamos na esperança de o dia ser melhor do que o anterior, o dia pode até ter sido pior do que o outro mas, foi essa esperança que nos deu forças para levantarmos acreditando que seria um dia bom e mesmo assim, depois desse dia ruim, vamos dormir na esperança de um amanhã melhor.
Mas, e se não tivéssemos essa esperança? Para quê levantar da cama se o dia será pior do que o outro?
_Que horas você vai para o bar? -pergunta Raquel do nada. Não queria ficar mais pensando na vida, sabia que se continuasse, entraria em uma crise existencial.
_Hoje eu não trabalho...-respondeu Sofia.
_Humm...
_Por quê?
Raquel deu de ombros.
_Nada não... é porque... eu ia aproveitar e passar lá em casa para pegar umas roupas...
_Tem umas roupas que eu não uso mais... se quiser!
_Obrigada, mas não. Eu preciso de calcinhas limpas, minha escova de dentes... essas coisas...
Sofia sorri.
_Ah tá! Pode ir quando quiser, não vou sair de casa hoje.
_Hum ok... -Raquel pensou um pouco, se levantou- eu acho melhor eu ir agora então!
Era melhor ir agora aproveitando que a sua mãe não estava em casa, evitaria um desconforto encara-la, e também, precisava respirar um ar mais leve, desviar seus pensamentos de Sofia, se ocupar com outra coisa. Não ia demorar lá, era só pegar umas peça de roupa e voltaria rápido, quando voltasse, fingiria que nada aconteceu, que não ouviu aquela triste história.
_Não vai Raquel! -disse Ana estendendo os braços para ela.
Raquel agachou a sua frente dizendo:
_Eu preciso ir, bananinha. Vai ser rapidinho, preciso de roupas limpas... -aproximou se mais dela- Você não me quer cheirando mal, né?
Ana balança a cabeça fazendo careta.
_Então, preciso ir.
_Que tal tirarmos uma sonequinha da tarde enquanto Raquel vai lá? -propôs Sofia a Ana- quando você acordar, ela já vai estar aqui te esperando.
Ana já estava cansada, por isso não discutiu.
Uma brisa forte e fresca, bateu no rosto de Raquel quando saiu do prédio, respirou fundo enchendo seus pulmões com ar frio. Devido a grande cortina marrom do apartamento de Sofia, o ar não circulava, não tinha aquela corrente de ar fresca entrando e saindo. Lá, o ar era parado e quente.
Pegou o primeiro ônibus que passou no ponto de ônibus, esse passava longe da sua casa mas pegou assim mesmo.
"Caminhar não faz mal a ninguém!"
Torceu para que a sua mãe não estivesse em casa quando entrasse, e não estava. Ainda sentia vergonha por ter dito aquelas coisas a ela.
Verificou se o seu gato tinha comida e água depois subiu as escadas correndo, pegou a sua mochila e, de qualquer jeito, enfiou três blusas de ficar dentro de casa, três calças de ficar dentro de casa e mais um monte de calcinhas, foi pegar a sua escova de dente.
No banheiro, olhou as horas no celular que estava em seu bolso.
"Ainda da tempo!" pensou.
Tirou a roupa para tomar um banho. Um banho rápido, só para tirar aquela coisa negativa que estava em seu corpo.
Vestida com roupas limpas, pegou o chinelo guardando o na mochila, o celular e a carteira, resolveu levar uns DVD's de desenhos para assistir com Ana.
Descendo as escadas, Raquel deu de cara com a sua mãe que estava acabando de fechar a porta, ela parecia estar surpresa por ver Raquel ali.
_Ah... oi -disse.
Raquel não disse nada ao passar por ela indo em direção a porta. Mas como disse para si mesma que aquela era uma briguinha besta, virou se para a sua mãe.
_Eu... eu estou na casa de uma amiga... não se preocupe...
_Tudo bem -respondeu a sua mãe forçando um sorriso- comportasse!
Raquel já fechava a porta quando disse:
_Eu sei me comportar -fechou a- quando eu quero...
Uma hora e meia depois, Raquel já estava em frente ao prédio de Sofia.
_Ei! Espere aí, fecha não! -gritou para a dona Jô que acabava de entrar no prédio- obrigada!
Vendo que ela estava cheia de sacolas, Raquel se oferece para ajudar a carrega-las.
_Ah obrigada!
Raquel pegou algumas sacolas distribuindo o peso em suas mãos e subiu as escadas atrás de dona Jô.
Decidida a esquecer aquela história, Raquel não pensou no quanto dona Jô foi essencial na vida de Sofia, no quanto a ajudou e vem a ajudando até hoje. Queria agradecer a dona Jô por ter cuidado de Sofia e por não ter deixado ela abortar Ana.
"Será que ela morava aqui?"
_Ufa... chegamos! -disse a dona Jô parando no topo dos 33 degraus- essa escada ainda vai me matar!
"Agora está explicado o drama todo que Ana fez para carregar aquela coberta!" pensou Raquel ao ver a dona Jô limpando a testa.
_Obrigada... hã...?
_Raquel!
_Raquel... obrigada Raquel! -agradeceu abrindo a porta- você quer entrar, tomar um suco, um café...?
_Ah não, obrigada, deixa para uma outra hora! -agradeceu entregando lhe as sacolas.
Raquel bateu na porta número 94 depois que dona Jô fechou a porta.
Sofia a abriu depois de olhar quem era.
_Você demorou, fiquei preocupada.
_Um pouquinho! -sorriu- aproveitei para tomar um banho.
Antes que Raquel entrasse no apartamento, dona Jô aparece novamente cumprimentando Sofia.
_Boa tarde dona Jô! -disse Sofia amigavelmente- hoje eu não vou trabalhar, então a senhora não precisa cuidar da Ana hoje.
_Certeza? Posso olha-la para você descansar!
_Não não, muito obrigada mas hoje ela vai ser só minha! -sorriu.
_Como queira, querida! Até mais! -se despediu fechando a porta atrás de si.
Ana ainda estava dormindo quando Raquel chegou e continuou por um bom tempo, tempo o suficiente para Raquel ficar mais sossegada.
Raquel odiava aquilo, odiava que as pessoas a olhassem com pena e estava fazendo a mesma coisa com Sofia, olhava a com pena. Por mais que tentasse não pensar, ela acabava pensando, pensava no quanto ela sofrera e passara na mão dele.
Sofia passava as roupas na mesa da cozinha enquanto Raquel fingia mexer no celular sentada no sofá na sala.
Queria dizer para Sofia algo reconfortante mas não sabia o quê. Odiava aquelas frase clichés vazias que todo mundo dizia por aí só por dizer.
_Me desculpe Sofia, -disse depois de pegar um copo com água na cozinha- eu sei o quanto é chato e irritante ficar tocando nesses assuntos... eu odeio isto. Mas... eu não consigo parar de pensar no que me disse... eu juro que tô tentando não pensar mas tá difícil!
Sofia sorri.
_Não se preocupe, eu já me acostumei... confesso que no começo não foi nada fácil mas hoje eu falo abertamente, faz parte da terapia.
_Terapia?
_Sim, terapia da aceitação. Não é bom ficar guardando esses tipos de sentimentos dentro de você, só vai piorar cada vez mais e também não dá para fingir que nada aconteceu, é algo que agora faz parte de você e que você vai levar pra vida toda, então... é melhor se acostumar por mais que seja vergonhoso!
Raquel abaixa a cabeça pensando na ideia de contar da sua vida para alguém.
_Eu prefiro não contar...
_Cada um tem o seu tempo, um dia você vai se sentir preparada, vai ver que terá gente sempre prestes a te ajudar.
_Hum...
Raquel pensa um pouco.
_Posso te fazer uma pergunta? Uma curiosidade!... se não quiser não precisa responder, vou entender.
_Manda ae!
_Bom... por que você trabalha naquele bar cheio de homens bêbados, ignorantes... creio eu que muitos ali já deram em cima de você... você é bonita... mas por que trabalhar em um bar mesmo depois do que você passou com seu marido?
Sofia não demorou para responder. Provavelmente várias pessoas já deveriam ter feito esta mesma pergunta.
_Porque eu preciso de dinheiro, tenho uma filha para cuidar. E além do mais, é só meio período, perto de casa e... -sorriu- não generalizamos, né? Nem todos os homens são assim.
_Mas eles são uns idiotas que na maioria das vezes não sabem receber um 'não', ainda mais quando estão bêbados e para mostrar que são os fodões perto dos amigos!
Sofia ri.
_Que ódio é esse por homens, menina?
_Não é ódio, é só a verdade. Vejo muito disso por aí.
Sofia deu de ombros.
_De qualquer forma, não terminei a faculdade e sendo filhinha de papai que nunca precisou trabalhar... este foi o único trabalho que me apareceu que não precisasse de experiências, só um rostinho bonito e educação já bastava...
_Humm... entendi...
Passaram alguns minutos sem as duas dizerem nada. Raquel podia ver aquela energia negativa pairando sobre elas.
Essa negatividade se desfaz quando Ana chega na cozinha esfregando os olhos.
_Bom dia dorminhoca! -diz Raquel para Ana.
_Bom... dia... -diz Ana sentando se no colo de Raquel.
Sofia termina de passar as roupas.
_Com fome? -pergunta para as duas.
Raquel diz que não.
_É melhor você comer, se não mamãe vai falar um monte na sua orelha! -cochicha Ana para Raquel.
_Menina!! -repreende Sofia- abusada, vai, me ajuda a levar essas roupas para o quarto sem nenhum pio!
Raquel queria rir mas se conteve, ajudou a guardar as roupas, depois foram lanchar.
Passaram o resto da tarde bagunçado a casa que Sofia havia arrumado. Como Raquel não estava acostumada a acordar cedo e Ana a chamando aqui e ali não a deixando descansar por nada nesse mundo, ela já estava cansada, estava desesperada por uma cama.
_Tenho uma ideia! -disse para Ana- eu trouxe uns filmes... que tal a gente ver?
_Filme de quê?
_Humm... deixa eu ver.
Raquel foi até a sua mochila pegar os filmes.
_Já assistir este, este, não gosto desse e não vi esse, nem esse! -disse Ana apontando para os DVD's.
_Jura que não gosta desse? -pergunta Raquel apontando para um DVD em cima do sofá- é o que eu mais gosto.
_É xato.
_Não é.
_É sim!
_Não é!
_É sim! -diz Ana emburrando a cara e cruzando os braços.
Raquel a imita.
_Não é!
Ana coloca as mãos na cintura tombando a cabeça para o lado impaciente.
Raquel faz o mesmo.
Ana forçava se para não rir.
_Mamãe, este aqui não é xato? -pergunta mostrando o DVD para a sua mãe.
_Chato! -corrige Sofia- e nem olhem pra mim, não gosto desses filmes.
_Como você pode não gostar de desenhos? -pergunta Raquel sentindo se ofendida.
_Porque já não tenho idade pra essas coisas. Quem gosta de desenhos é criança.
_Ah pois eu sou criança -diz Raquel- e muito criança ainda, adoro desenhos!
_Estou vendo! -zomba Sofia- discutindo com uma criança...
Raquel mostra lhe a língua.
Decidido o filme, um que Ana ainda não havia visto, foram assistir no quarto que era mais confortável.
_O que acontece com ela? -pergunta Ana para Raquel apontando para uma menina na capa do DVD.
_Não vou contar. Você vai ter que ver até o final, se não perde a graça -responde Raquel.
Ajeitaram se na cama de casal de Sofia. Raquel no canto, Ana no meio agarrada a Raquel e Sofia na beirada.
Começou o filme.
Raquel já estava dormindo antes da metade do filme que falava de uma garotinha que perdeu a mãe em uma invasão alienígenas e junto com um alienígena, ela tenta desesperadamente encontrar a sua mãe.
Ana toda hora ficava lhe cutucando, ora fazia lhe cosquinha em seu ouvido, ora abria os seus olhos para não deixa-la dormir.
_Pare com isto Ana! -repreende Sofia.
_Eu quero dormir... -resmungou Raquel.
Como Ana não parava de cutuca-la, Sofia a passou para a beirada tomando o seu lugar. Ana não gostou muito e como pirraça, tomou quase todo o meio da cama deixando Raquel e Sofia quase espremidas no canto.
Como castigo para a pirraça de Ana, Sofia virou se para o lado de Raquel deixando Ana sozinha.
Raquel podia sentir a respiração de Sofia a centímetros do seu rosto e antes que começasse a pensar besteiras, foi vencida pelo cansaço.
O filme acabou.
Sofia foi fazer o jantar e colocar Ana no banho. Raquel continuou dormindo. Elas jantaram e Raquel ainda continuou dormindo.
Raquel só acordou um pouco depois que Sofia havia tomado banho.
_Bom dia dorminhoca! -disse Ana montando em cima de Raquel.
Raquel olhou o relógio analógico em cima da cômoda para ver que horas eram, não lembra de ter dormido isto tudo.
"20:37"
Voltou a olhar para Ana que ria descaradamente, ainda não era de manhã. Rapidamente calculou quantas horas havia dormido.
"Mais ou menos umas três horas!?"
_Seu jantar estar no forno... deve estar frio, é só esquentar.
_Não estou com... quer dizer... -corrigiu Raquel ao se lembrar da dica de Ana- tá, já vou comer!
Sorriu.
_Sei!

Sofia joga lhe o travesseiro que estava no pé da cama.

_Ei! -Raquel se desvia- se jogar mais um, eu não vou comer!
Sofia ia jogar outro travesseiro da cama ao lado em Raquel, mas para soltando o. Aponta para a porta e manda ela ir agora comer, Raquel lentamente vai se arrastando para a cozinha. Sofia se vira para Ana fazendo lhe cosquinhas.
_E você, sua danadinha... vai escovar os dentes para ir dormir.
_N-não... quero!! -Ana tentou dizer em meio aos risos.
_Vai sim!
Raquel já alimentada e Ana já com os seus dentes escovados, foram se deitar.
E mais uma vez, a briga por Ana querer dormir com Raquel.
_Mas ela nem dormiu comigo ontem! -disse Ana para a sua mãe.
_Dormiu sim.
_Dormiu não, quando acordei, ela não tava na cama.
_Quem manda você ser espaçosa? Ela dormiu com você sim, só que ela estava toda torta aí eu passei ela para a minha cama.
Ana olhou desconfiada para Raquel que balançou a cabeça concordando com Sofia.
_Então dorme eu e ela na sua cama e você na minha.
_Você tem solução pra tudo, né!?
Ana balança a cabeça afirmando. Pula em cima da cama de sua mãe.
_Eu prometo que não vou ser espaçosa... você pode dormir com a gente, cabe!
Sem muita discussão, Sofia sede mais uma vez o pedido de Ana.
_Depois eu mudo de cama. -disse Raquel para Sofia.
_Não tem problema, a cama e grande.
_Então, tá!


NÃO É A MINHA CULPA SER ASSIM!!!  (Volume 1)Where stories live. Discover now