Capítulo 16

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Raquel atravessou a cidade inteira a pé, demorou mais do que o previsto, sentia se cansada e toda hora parava para descansar. Ela era acostumada a bater perna o dia inteiro, mas, a quase dois dias sem comer nada, ficava difícil até subir um lance de escadas de oito degraus.
Já era de tardezinha quando chegou na rua de sua casa, pela hora, a sua mãe já deveria ter chegado.
Sentada na calçada em frente a sua casa, Raquel descansava tomando fôlego para aguentar o falatório de sua mãe.
Parada em frente a porta com a mão na maçaneta, ao gira-la, lembrou que não tinha trago as chaves e a porta estava trancada.
"Que merda!!"
Agora teria que enfrentar de vez a dona Miranda.
Se estivesse com a sua chave, poderia entrar sem que a sua mãe a visse, se não estivesse na sala é claro. Mas como estava sem a sua chave, a sua mãe teria que abrir a porta para ela entrar.
Respirou fundo e tocou a capinha. Evitava ficar de frente para o olho mágico da porta onde a sua mãe poderia vê-la e a receberia com um monte de perguntas querendo saber por onde andava. Ganharia um pouco de tempo até a sua mãe se recuperar do susto em vê-la tocar a campainha.
Alguns segundos depois a porta se abre.
A sua mãe estava surpresa em vê-la tocando a campainha mas não estava surpresa em vê-la.
_A onde você estava? Isso são horas de chegar? Por que tocou a campainha? Cadê a sua chave? Aposto que perdeu. Você está pensando que...
Raquel não queria discutir com a sua mãe ainda de estômago vazio, por isso passou por ela e foi direto para a cozinha. Procurava algo para comer no armário e na geladeira, pegou um pão de sal e um bife já passado que estava na geladeira.
O cheirou, "Deve se de ontem."
Cortou o pão colocando o bife no meio, achou um molho de alguma coisa na geladeira e também o colocou dentro do pão, não se importou por estarem frios.
Enquanto isto, a sua mãe que estava parada na porta da cozinha, não parava de falar.
Raquel fingia não ouvir, deu uma mordida no pão, abriu uma latinhas de refrigerante e deu dois goles para ajudar a engolir. Deu mais uma mordida, mastigava tranquilamente enquanto a sua mãe falava para as paredes.
_Eu não perdi as chaves -disse com a boca cheia- eu as esqueci... junto com... o meu celular...
_Você está pensando que aqui é a casa da mãe Joana onde você pode fazer o que quiser? Não. Você mora na minha casa, debaixo do meu teto e sou eu quem paga as contas dessa casa, apartir do momento que você tiver a sua casa e pagar as suas próprias contas, ai sim, mas por enquanto, você me deve sim, explicações do que faz...
"Eu não disse nada disso!"
_... você não pode sair de casa sem avisar pra onde vai, não é só dizer 'tô saindo' e pronto. Também não pode passar a noite fora... Você acha que é dona de si mesma?...
"Acho!"
Raquel acabou de comer o seu pão, limpou o farelo da boca e guardou o resto do refrigerante na geladeira.
A sua mãe ainda falando.
_... eu já estou cansada de ficar aqui sem saber se você vai voltar, se está bem, onde está, se aconteceu alguma coisa...
_Menos né dona Miranda! -disse Raquel ao passar por sua mãe na porta- pode parar de fingir que se preocupa comigo, os vizinhos e nem as suas amigas estão por perto, então, pode parar com essa encenação toda!
_Voce fala direito comigo menina se não eu vou te dar uns tapas nessa sua boca para aprender a me respeitar!!
Raquel ri andando em direção as escadas. As ameaças de sua mãe já não fazia mais efeito nela.
_Confessa dona Miranda -virou se para ela- você nem se importaria se eu nunca mais voltasse para casa, agradeceria aos céus por ter se livrado dessa cruz que sou eu. Nem passaria mais vergonha com as suas amigas por ter uma filha pirada e lésbica... -começou a subir as escadas.
_Você está pensando que é quem para falar desse jeito comigo, menina? Se o seu pai estivesse...
Raquel para no quinto degrau da escada virando se bruscamente.
_Se o meu pai estivesse o quê? Vai, continua! Se o meu pai estivesse o quê?
A sua mãe hesitante diz com a voz mais baixa.
_Se... se o seu pai...
Raquel a interrompe novamente.
_Cala a boca!! Você não pode falar dele -serrou os dentes sentindo o nó se formar em sua garganta- eu não te dou este direito de falar nele!!
Deu as costas para a sua mãe subindo as escadas correndo com a sua visão embaçada pelas lágrimas que começavam a se formar.
Bateu a porta do quarto.
"Não chora... por favor não chora!" dizia para si mesma com a mão na cabeça, "Agora já é tarde não adianta mais chorar, então, não chora!"
Andava de um lado para o outro, cantarolando uma música na cabeça.
"Atirei o pau no ga-to-to, mas o ga-to-to não mor-reu-reu-reu..."
Não sabia o porque disto, mas, toda vez que queria afastar algum pensamento intrometido, essa era a primeira coisa que vinha na sua cabeça. E dava certo, antes de chegar na 'dona Chi-ca-ca' ela já esquecia, pensava em outra coisa.
"Tadinho, o gato não fez nada!"
Respirou fundo forçando um sorriso, foi até a sua cama que estava do mesmo jeito que deixou a um dia atrás, pegou o celular que ainda estava no carregador.
"Ótimo, não sou eu que pago a conta de luz mesmo!"
Uma chuva de mensagens, notificações e chamadas perdidas apareceu em seu celular depois que o ligou.
"Me deixa em paz vocês tudo!!" apagou todas as mensagens e notificações sem lê-las.
Pegou a sua toalha pendurada atrás da porta e foi para o banheiro tomar um banho.
Não era ela mesmo que pagava as contas, então, tomou um banho demorado sem se preocupar com a energia.
A água caia pesadamente em seu corpo, aos poucos a tensão do seu ombro ia sumido.
"Você mora de baixo do meu teto e tem que me dar satisfação sim do que faz e pra onde vai..." reproduzia a fala de sua mãe na cabeça.
"Você quer que eu vá embora, mãe?"
Esfregava o corpo com força.
Não era a primeira vez que pensava em ir para outro lugar longe da sua mãe. Sempre quando brigavam, Raquel pensava em juntar a suas coisas e ir morar em outro lugar, na casa de Lia talvez, não com seus parentes. Lia morava sozinha mas era chata, não deixava Raquel em paz e os seus parentes eram piores do que a sua mãe em questão de querer saber a onde ela vai e o que ela faz, se bobear, querem até saber quantas vezes ela soltou pum durante o dia, ela não tinha tanta intimidade com eles assim e muito menos saco para aguenta-los. Também não podia bancar um apartamento sozinha, o salário que ganhava no Caffé não era lá grandes coisas para manter uma vida sozinha.
Mas depois da briga, enquanto decidia um lugar para ir, a sua raiva ia passando e ela via que não havia o porque sair dali.
A sua mãe não pegava no seu pé o tempo todo, nem se preocupava com ela, se Raquel falava que ia sair e não sabia se ia voltar naquele dia, a sua mãe dizia "Ok!", as vezes nem falava nada. Era sempre assim, quando estavam em casa, Raquel ficava no seu quarto e a sua mãe no outro, só se viam na hora das refeições mas sem muitos assuntos.
O que deixava Raquel mais injuriada, era que quando a sua mãe estava em casa junto com ela sem plateia, Raquel podia fazer o que fosse, roubar, matar, se espernear, se drogar e a sua mãe não faria nada, nem um "A" diria -ela prefere fingir que nada aconteceu do que encarar os fatos- mas estando perto de alguém seja ele conhecido ou não, a sua mãe enchia a boca para falar que era uma boa mãe, que se preocupava com Raquel e que não sabia mais o que fazer para ajudar a sua filha é blá blá blá, Raquel estando do lado dela e sendo o centro das atenções, não dizia nada, só a olhava enojada sentindo pena da sua mãe.
O pior era que as pessoas ali que ouvia as lamentações de sua mãe, achava que ela era uma santa e que a sua filha, uma delinquente.
Desligou o chuveiro enrolando se na toalha.
Pensou em voltar pra o Caffé, juntar uma grana novamente, o suficiente para ter o seu próprio canto bagunçado e não depender mais de ninguém. Só que ia demorar demais até ter essa grana toda, se é que aceitariam ela de volta.
Também podia riscar Lia de seus planos, elas ainda não estavam bem.
Bruna? Ainda tinha que se lembrar de ficar com raiva dela.
Marina...
Mesmo se as duas não estivessem brigadas, Raquel não moraria com ela, não que não quisesse, mas, porque, Marina não tocara mais neste assunto e Raquel não ia pedir descaradamente para ir morar com ela.

NÃO É A MINHA CULPA SER ASSIM!!!  (Volume 1)Where stories live. Discover now