Capítulo 26

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     E nesta onda de não demonstrar afeto em público, mesmo gostando, Raquel não saía dizendo por aí que gostava das pessoas -como sabem- ela achava que dizendo em voz alta, as pessoas deixavam de gostar dela e iam embora, ora forçadas, ora porque queriam.
   Sua crença foi se fortificando devido os seus gatos. Desde que se entende por gente, Raquel sempre gostou de gatos.
   Gente doida sempre gosta de gatos.
  Por ela gostar deles, eles sempre acabavam sumindo ou morrendo, eles nunca passaram de um ano na sua casa. Por fim, ela disse para si mesma que não ia mais gostar de gatos. 
   O Desespero, seu último e atual gato, jogado covardemente dentro de um bueiro por um idiota e resgatado por Raquel, contra a vontade de sua mãe ela o levou para casa. Ele arranjava um desespero tão grande na hora de comer e brincar que Raquel acabou colocando o seu nome de Desespero.
   "Ele tem cara de Desespero." pensava ela.
   Ele foi o único que durou mais de um ano, 2 anos e meio para ser exata. Durou mais tempo que os outros porque Raquel não o amou igual os outros, amou, mas não com tanta itensidade. Mas o tempo foi passando e Raquel foi se permitindo dizer que o amava.
   "E  da minha cabeça.", pensava ela.
   Mas a vida é invejosa. Não pode vê-la feliz que no mesmo instante já arranja alguma coisa para ela ficar se martirizando. Igual a sua mãe que não pode vê-la quieta que já começa o falatório na sua cabeça.
   Mesmo não sendo a culpa de ninguém, apenas a vida sendo a vida mesmo, Raquel sentiu se culpada pelo seu gato ter sido atropelado.
   Mesmo tomando providências de castra-lo e não o deixando sair de casa para prolongar mais a sua vida, não foi o suficiente.
   Sentada na porta da sua casa tomando um pouco de sol -que precisava desesperadamente- Raquel chamou o seu gato para se juntar à la lá fora. Ela lendo um livro e ele deitado em seu colo. Entretida na história, Raquel não viu para que lado ele foi quando saiu de seu colo, achou que havia entrado para dentro da casa, mas não.
   Pelo quanto do olho viu algo se contorcendo no chão da calçada, de início achou que era um pano ou um plástico voando.
   "Mas não tem vento!"
   Poderia ser o vento que um carro fez ao passar por ali a poucos segundos atrás. Mas não era um pano, nem um plástico.
   Ficando de pé em um pulo, Raquel ficou ali parada vendo o seu gato acabar de se contorcer, não acreditava no que via. 
   Tudo, mas ao mesmo tempo nada, se passava na cabeça dela naquele momento.
   Ligou para a sua mãe que tinha ido ao mercado, entre soluços e lágrimas, não conseguia falar que o seu gato havia acabado de morrer. Por Raquel nunca ter procurado ela em meio aos prantos, a sua mãe chegou rápido achando que tinha acontecido alguma coisa com ela. 
   _Por Deus, Raquel! Eu deixei metade das compras pra trás achando que tinha acontecido alguma coisa com você... por que este estardalhaço todo por causa de um gato?
  A dona Miranda nunca entendeu Raquel, nunca compreendeu aquele sentimento de culpa que Raquel sentia por tudo que ela mais amava a sua volta acabava morrendo. Nunca compreendeu a culpa de Raquel sentia na morte de seu marido.
   Marina por sua vez tentava consola-la. Mesmo não gostando de gatos, sabia a paixão de Raquel por eles.
   _Não fala assim Raquel...-diz Marina acariciando seus cabelos.
   Raquel aninhada em seu peito, dizia que a culpa era dela, que foi ela que o chamou lá para fora.
   _Não foi a sua culpa.
   _Para de dizer que não foi a minha culpa, você não estava lá... -Raquel ficou em silêncio encarando o vazio a sua frente- ele estava cansado e eu insistir que me levasse...
   _O quê?
   Raquel não deu ouvidos a Marina. Revia aquela cena novamente à sua frente.
   _Ele pediu que eu parasse de cantar, aí eu cantei mais alto... -suas lágrimas molhavam seu rosto.
   _De quem você está falando? -pergunta Marina trazendo a de volta ao quarto.
   Raquel a olha com aqueles olhos vermelhos cheios de lágrimas.
   _Meu pai, Marina. A culpa foi minha!
   Dito isto, Raquel levou as mãos tampando o rosto. Já não controlava mais suas lágrimas.
   Marina a abraça sem dizer nada.
   Entre soluços, Raquel respira fundo limpado o rosto. Sorri virando se para Marina.
   _Eu quero ficar sozinha. Pode ir.
   _Não, eu quero ficar aqui com você.
   _Eu estou bem -diz Raquel acabando de limpar o rosto.
   _Eu sei que não está...
   _Mas que droga! -diz Raquel levantando da cama, andava de um lado para o outro- será que eu não posso mais ficar sozinha na minha casa, na droga do meu quarto? Vai embora, eu não pedi pra você vir aqui!
   Não pediu, mas queria que ela estivesse lá sempre pronta para ampara-la. Mas ali, naquele momento de fraqueza, já não queria mais.
   Marina deixou Raquel no quarto, não foi embora com medo que fizesse alguma coisa.
   Encontrou a dona Miranda na cozinha.
   _Oi... -disse sentando na cadeira.
   _Oi. Raquel está lá em cima?
   _Está. Ela pediu um tempo para ficar sozinha.
   A dona Miranda suspira ruidosamente.
   Marina não parava de pensar no que Raquel disse sobre a culpa ser dela.
    _Hum… eu não entendi muito bem... a Raquel me disse que, o pai dela, sei lá... a culpa foi dela. O que ela quis dizer com isto?
   Pelo o olhar que a dona Miranda lançou para ela, Marina deduziu que aquele assunto era um dedo cutucando uma enorme ferida bem dolorosa.
    -Ela nunca te contou? -pergunta a dona Miranda.
   Marina balança a cabeça negando.
   _Bom... -enchendo os pulmões de ar, dona Miranda senta se na cadeira à sua frente- ela tinha apenas 9 anos quando ele... -abaixou a voz- morreu em um acidente de carro. Ela estava com ele...
   Marina sempre pensou que Raquel não conhecia o seu pai, como ela nunca falou sobre ele, então, não perguntou.
   _... se pra mim foi horrível perder o meu marido, imagina para ela que vivia agarrada nele? Eram inseparáveis. A onde ele ia, ela ia atrás... -sorriu ao lembrar- desde o ocorrido, ela dizia que a culpa era dela por ele ter morrido, mas foi só uma fase, depois ela parou de se culpar... Acho que se conformou.
   Não se conformou, Raquel apenas cansou de dizer que era culpa dela, ninguém a entendia. Diziam que era apenas o trauma por perder um ente querido. Ninguém falava o que ela queria ouvir, que a culpa era sim, dela.

   Como toda criança naquela época, Raquel era viciada no PONGO, um programa infantil que passava na tv. Ele estaria na cidade divulgando o seu filme. E Raquel queria muito muito muito ir no shopping onde ele estava.
   Era de tardezinha quando o seu pai chegou em casa depois de um dia cansativo no trabalho.
   _Raquel, o seu pai esta cansado, entenda isto! -disse a sua mãe.
   Raquel estava agarrada nas pernas do seu pai.
   _Não! -olhava para o seu pai- você prometeu me levar!
   _Tá, tudo bem. Vá se arrumar e anda rápido! -seu pai comoveu se com os seus olhinhos brilhantes.
   Raquel saiu saltitante mostrando a língua para a sua mãe.
   _Vai, fica fazendo as vontades dela mesmo, cada dia que passa ela fica mais irritante com essas pirraças!
   _Deixa a menina, Miranda. Afinal, eu prometi leva-la, e uma promessa minha é sempre cumprida.
   _Você quer que ela cresça achando que pode fazer o que quiser?
   _E você quer que ela cresça achando que não precisa cumprir uma promessa?
   Ela bufa revirando os olhos.
   _Deixa eu estragar ela um pouco, é a única filha que tenho. -disse o seu pai abraçando a sua mãe.
   _Também é a única que tenho!
   Já no carro rumo ao shopping, Raquel no banco de trás cantarolava as músicas do Senhor PONGO junto com o toca fitas do carro.
   _"Qual é o meu nome?" -perguntava a música.
   Raquel respondia gritando.
   _PONGO!
   _"Qual é o meu nome?"
   _PONGO!
   _"Diga de novo."
   _PONGO!
   _"Eu sou o PONGO, eu sou o PONGO..."
   _Ele é o PONGO, ele é o PONGO...
   Musiquinha irritante esta que gruda na cabeça e dificilmente saí.
   _Por favor Raquel, não grita... -pediu o seu pai.
   Raquel gritou mais ainda.
   _Eu sou o PONGO, você é o PONGO, ele é o PONGO...
   Tudo aconteceu tão rápido.
   No instante e que seu pai vira se para abaixar o volume, por um segundo Raquel sentiu seu corpo flutuar batendo com força na porta ao seu lado. Desnorteada, tudo se tornou um borrão à sua frente. Presa no cinto de segurança, fora jogada para todo os lados.
   _Pai! -gritou ela antes de desmaiar.

NÃO É A MINHA CULPA SER ASSIM!!!  (Volume 1)Where stories live. Discover now