Prólogo

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Eu sabia desde muito nova que meu coração era defeituoso, o médico não precisava ter dito nada, pois ficava evidente em toda tentativa de brincar de pega-pega com as outras crianças quando a falta de ar me alcançava e meu coração doía como se fosse explodir. Os exames, consultas médicas e os remédios soavam como uma obrigação sem importância, como a necessidade de se fazer o dever de casa. Algo que desgostamos, mas fazemos.

Então, aos trezes anos, quando fui internada pela primeira vez em um hospital sem conseguir respirar direito, minha saúde falha virou o centro de tudo. Tornou-se o que eu seria, e condenaria quem me amasse a me acompanhar nessa jornada com mais probabilidade de sofrimento do que de recuperação.

Eu estava sentada no sofá da sala de espera do último andar do hospital aguardando uma cadeira de rodas para ser levada até o táxi e depois para nosso apartamento. Minha mãe assinava os papéis de minha primeira alta apoiada no balcão central das enfermeiras, ela cochichava com o cardiologista e desviava o olhar até mim com expressão desamparada.

As notícias sobre minha saúde não eram das melhores, não havia garantias de que eu conseguiria fazer muitos aniversários. Eu devia estar chorando desesperada, mas estranhamente eu apenas estava aliviada por voltar para casa. Afinal chegar ou não aos trinta anos era algo muito distante para eu me preocupar de verdade.

Havia minhas amigas de escola, as fofocas de quem gostava de quem, os lançamentos no cinema, os novos livros nas livrarias, as bandas do momento e monitorar o correio a espera da carta de Cauã, um amigo feito nesse período de internação, que eram mais urgentes do que qualquer doença idiota.

— Senhorita, aqui está o seu meio de transporte. — uma jovem enfermeira morena sorriu, tentando ser divertida. Sentei-me na cadeira, constrangida por não poder usar minhas próprias pernas que funcionavam com perfeição. — Essa cadeira é especial, apenas para crianças inteligentes.

Abri um sorriso forçado, para ela não continuar com sua fala destinada a crianças, o que eu não era mais.

— Obrigada, eu assumo. — minha mãe informou à enfermeira ao empurrar a cadeira até o elevador, esta sorriu educada ao acenar em despedida.

Ao entrarmos no elevador, minha mãe falava sobre meus novos medicamentos e como estava otimista com minha melhora. O tom esganiçado de sua voz, não me convencia. Suspirei tentando afastar esse medo dela de meu próprio coração e foquei a atenção na enfermeira simpática de antes que ainda me sorria do corredor.

Enquanto um casal de idosos se aproximava do elevador e minha mãe, por gentileza, mantinha a porta aperta, vi uma enfermeira com longos e sedosos cabelos loiros correr aos gritos eufóricos e abraçar a enfermeira simpática.

— Oh! Ele me pediu em casamento! — ela dava pulinhos enquanto a outra analisava o anel a reluzir em seu dedo. — Eunice, nem acredito, quando ele se formar ao fim do ano, vamos nos casar. Nada podia ser mais perfeito.

— Ah, Clara! Que coisa linda! Vocês vão casar, eu sabia.

As duas abraçaram-se sorridentes. As portas do elevador se fecharam me afastando daquele momento de pura felicidade. Olhei para a expressão angustiada de minha mãe ao meu lado. Como em um mesmo lugar e num mesmo tempo poderia haver tanto contraste de sentimentos?

Coloquei a mão sobre a dela e lhe sorri largo, só queria que ela pudesse se sentir um pouco como aquelas duas enfermeiras. Que houvesse espaço para alguma alegria, mesmo em um lugar como um hospital.

Ela sorriu de volta, e eu soube o que fazer para tornar a alegria algo possível em nossas vidas apesar das circunstâncias negativas.




Corações RessuscitadosOnde histórias criam vida. Descubra agora