Capítulo XI

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CAPÍTULO XI

Lavínia Sampaio

Desde que havia me deitado, aquela era a oitava vez consecutiva que eu olhava atentamente o relógio. Beirava quase duas da manhã e minha inquietude colaborava para que o sono se tornasse cada vez mais distante.

Cada vez que eu fechava os olhos e o barulho intenso da tempestade eclodia em meus ouvidos, me recordava de cada detalhe daquele beijo tão surreal. Admirava a maneira tão delicada e inocente que aquele beijo havia acontecido.

Embora aquele beijo houvesse me despertado sensações agradáveis, comecei a pensar se aquilo não havia sido resultado de um gesto ímpeto por parte de minha madrasta. Movida pelo clima sereno que pairou sobre nós naquele momento, acompanhado do pequeno desequilíbrio emocional sobre os problemas financeiros que estava começando a enfrentar, talvez, Marta apenas quisesse encontrar naquele beijo o apoio que tanto precisava.

Pensar daquela forma, apenas me fez remoer-me em dúvidas sobre a veracidade e impulsividade daquele gesto, levando-me a questionar-me novamente sobre quem realmente era Marta? Será que se ela não soubesse sobre minha orientação sexual, teria tido a mesma atitude?

Revirei-me sobre a cama outra vez, libertando um suspiro carregado de frustração. Com os olhos mirando a escuridão do teto, passei as mãos pelos cabelos, recordando-me de seus dizeres a respeito de meu pai. Eles estavam falindo. Por que diabos meu pai não estaria ligando para o que estava acontecendo? E por que ela disse que ele se mantinha distante?

Fechei os olhos por alguns segundos e suspirei novamente. Se a família Bonatti estava beirando a falência, tentar me apropriar do dinheiro de Ricardo não seria mais uma boa vingança.

Se aquele beijo houvesse acontecido dias antes, talvez pudesse usá-lo para atingir meu pai de alguma forma, porém, após ver Marta por outro ângulo, descartei aquela hipótese.

Eu não destruiria apenas um casamento que aparentemente também beirava o fim, mas possivelmente abalaria parte da estrutura emocional de minha madrasta, afinal, ela confiava em mim, embora não soubesse minhas reais intenções quando aceitei a proposta de seu marido. Portanto, teria que encontrar outra forma para prejudicar Ricardo e sentir-me vingada, afinal, ele era o único culpado por toda a desgraça em minha vida.

­­­­*.*.*

Beiravam duas da tarde e o clima chuvoso prevalecia, tingindo o céu com suas nuvens cinza e sombrias, fazendo com que uma leve brisa soprasse, causando-me um pequeno arrepio.

Após trocar saudações com a bibliotecária, recolhi as dúzias de livros que estavam sobrepostos no balcão e os coloquei dentro de uma cesta, indo para o piso superior.

Ainda absorta sobre meus devaneios da madrugada, pegava-me imaginando minha conversa com Marta horas mais tarde. Idealizava seus olhares, nossos diálogos. Inclusive, cheguei a pensar se ela mencionaria algo sobre o assunto, admitindo que não passou de erro. Logo, decidi que se ela acatasse a última opção, iria confrontá-la.

— Pensativa? — Heloísa perguntou aproximando-se enquanto me esticava para guardar um dos livros na última prateleira de uma das estantes.

— Você não deveria estar em aula? — indaguei arqueando as sobrancelhas, admirada com a sua presença por ali naquele horário.

— Sim, eu deveria — falou confiante passando as mãos por entre os cabelos sedosos. — Mas queria falar com você um instante.

Exibi um sorriso fraco e abaixei-me para pegar mais um livro na cesta.

Rejeitada -  Volume I (COMPLETO)Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora