22 | georgia roe

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A chuva parecia castigar Brooklyn, deixando nitidamente exposta toda sua ira. O dia havia amanhecido assim. Nublado. Chuvoso. Uma chuva bem forte, parecendo querer destruir todo o lugar, mas até então, não havia danos. Chicoteava o gramado verde que ficava logo abaixo, na calçada. As ruas estavam vazias, não via nem o cantor que passava por aqui, cantarolando qualquer melodia por puro prazer.

Sim, ele não cobrava.

Não recebia nem um centavo.

Ele apenas cantava porque dizia que a música lavava as almas perturbadas.

De fato era verdade.

Assim que a cafeteira apitou, sinalizando que minha bebida preferida estava pronta, eu voltei com minhas pernas para dentro do apartamento, deixando o cigarro ali, na beirada da janela. Primeiro a perna direita, depois a esquerda, assim estava segura. Sem danos maiores.

O habito de sentar na janela para apreciar a vista ainda estava aqui, firme e forte. E eu gostava bastante, era bom para refletir.

Colocar os pensamentos em ordem.

O vento me fazia encontrar o rumo de algumas coisas.

Coloquei o liquido fumegante – e tão amado – na xícara, vendo a fumaça subir e infestar o ambiente com seu cheiro. O relógio marcava cinco e quarenta e cinco, me fazendo soltar uma careta pelo horário cedo... Cedo demais que havia acordado.

Havia ganhado o conselho de procurar um profissional. Um psicólogo. Mas me recusava, as vezes pareço uma senhora de oitenta e quatro anos.

Tão orgulhosa.

Tão dona de si, independente.

Eu resolveria sozinha meus próprios problemas, ninguém poderia me ajudar, ou aliviar tudo isso.

Os sonhos haviam voltado à todo vapor. Não, na verdade não eram sonhos. Eram pesadelos. Mostravam nitidamente uma mão em meu pescoço, me sufocando, usando toda sua força contra meu corpo magro. Nos pesadelos eu sentia dores, das mais profundas, das quais não sentia quando estava absurdamente drogada. Dopada. Inerte aos abusos. Acordava assustada, sentindo meu corpo gritar em alerta, como uma ambulância procurando pelo paciente mais machucado.

Eu estava machucada.

Não havia feridas físicas.

Eram feridas psicológicas.

Dilacerava meu peito mais do que qualquer golpe que já havia presenciado.

Depois de acordar ao meio da noite, com todo silencio perturbador, que parecia gritar o quanto estava sozinha, procurei pela bebida mais forte que se encontrava aqui. Deixando-a me extasiar. Cuidar da minha dor. Me fazer esquecer o quanto sou destrutiva, mas preciso aparentar estar bem. Esvaziei a garrafa, logo adormecendo. Sem as mínimas condições de pensar, ou refletir sobre buscar ajuda.

Era ridículo.

Humilhante.

Como irei ao psicólogo dizer que era uma prostituta? Porque era exatamente isso que eu era. Prostituta. As pessoas não poderiam saber, nunca. Ninguém saberia quem eu era. Nem que para isso eu tivesse que esvaziar todas as garrafas, com o liquido que queimavam meu peito, soando acolhedor tudo aquilo. Ninguém nunca saberia.

Andei, com passos leves, para que não acordasse ninguém até o sofá. Me encolhi ali, usando a manta como escudo, bebericando do café várias vezes para ter energia no restante do dia. Precisava trabalhar, cuidar de todos os meus afazeres e talvez procurar um novo lugar para mim, Calleb e Hera, caso ela quisesse. Minha amiga só dorme aqui uma vez no nunca, já que ela e Alexia estão em um relacionamento mais que sério.

THE REFUGE ✔Where stories live. Discover now