O perdão

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Eu estava na campina outra vez, fazia bastante tempo que aquele lugar não visitava meus sonhos. Pensei que nunca mais o veria, mas lá estava eu. Eu vestia o mesmo vestido que usava em minha primeira vez ali, então fechei os olhos e os apertei com força, ao abrir novamente minha roupa mudara: Me vi com um vestido volante justo até a cintura que ia até a altura do joelho, na cor cinza, tão cinza quanto aquele céu nublado, eu calçava botas marrons de cano curto. Estava muito frio, podia sentir o vento atravessar meus ossos fazendo-me lamentar a minha magreza; não havia flores na campina, nem folhas nas arvores que a margeavam; os pássaros não exibiam seu belo canto. Tudo estava tão quieto e triste que me flagrei imaginando se estavam sendo solidários a meus sentimentos. Apesar das nuvens densas e do frio penetrante não chovia, talvez as nuvens não desabassem porque sabiam que se o fizessem eu também o faria. Com naturalidade, corri os olhos em direção ao lugar de onde meu amado sempre saía, mas ele não estava lá; então fechei os olhos exasperada e mordi o lábio inferior na vã tentativa de conter o teimoso pranto que insistia em molhar-me a face.

- Porque ele estaria aqui afinal? – sussurrei para a campina.

Senti o vento soprar com violência os meus cabelos, então tremulei as pálpebras e abri vagarosamente os olhos. Lá estava ele, frio e impassível, em seu traje de príncipe medieval; recostado ao velho carvalho de sempre. Ele se pôs a caminhar em minha direção a passos largos, porém andava com tanta suavidade que nem parecia tocar o chão. Olhava bem fundo em meus olhos enquanto executava sua caminhada, a frieza em seus olhos fez meu coração falhar. Por mais que eu procurasse desesperadamente por algo, não havia nada naqueles olhos castanhos que eu tanto amava; não havia amor, nem ódio, nem dor, nem carinho, nem tristeza, nem ressentimento, nada.

Parou na minha frente, tão perto que podia ouvir o som de sua respiração; seus olhos gélidos, tão frios quanto o próprio gelo, ainda me encaravam com intensidade. Mas ele não disse uma palavra.

Então, subitamente, ele olhou através de mim e sua face, antes gélida, se suavizou. Eu não precisava nem me virar para saber quem estava ali. Meu amado desviou de mim e seguiu rumo a ela sem vacilar.

- Andrew? – chamei. Como esse nome mexia comigo, como ele tinha o poder de me desarmar e me fazer saltar para o abismo. – Eu posso explicar. – não podia perde-lo, não queria perde-lo, não suportaria. – Eu te amo. – disse sem pensar duas vezes, não precisava pensar duas vezes, sempre soube da existência e da força desse sentimento. Minha voz saiu esganiçada, embargada pela forte vontade de chorar.

Ele parou de andar e sem nem mesmo se dar o trabalho de se virar e me encarar, proferiu as palavras mais dolorosas que alguém pode ouvir da pessoa estimada.

- Eu não amo mais você. – disse sem emoção. Suas palavras me atingiram como um raio, pude ouvir claramente meu coração se estilhaçar em mil pedaços. A dor era tão intensa e excruciante que a morte me pareceu doce e plena. Nem mesmo Stacye riu em escárnio como sempre fazia, outra coisa se acomodou em sua face. Pena.

Despertei sobressaltada, atônita com o que acabara de acontecer. As palavras de Andrew ecoavam em meus ouvidos me trazendo amargor ao palato. Meu peito ainda doía devido ao estilhaçar de meu coração. Havia mil pedaços dele, porém cada pedacinho, por menor que fosse, reverberava pelo meu amado.

A curiosa expressão de Stacye me veio a mente, tive a impressão de ela se via ao me olhar naquele momento, como um reflexo projetando-se em um espelho. Meneei a cabeça para afastar os resquícios daquele sonho terrível.

O quarto estava quase totalmente escuro, iluminado apenas pela pouca luz proveniente das lâmpadas no jardim que atravessavam a porta que dava para a sacada que estava aberta, pude identificar que se tratava do meu quarto. Estanquei ao sentir uma leve movimentação no canto escuro próximo a porta da sacada. Havia uma poltrona ali, sei disso por eu mesma a coloquei lá. Mexeu de novo, eu estava completamente alerta, tinha mais alguém ali.

O Diário de MarriêWhere stories live. Discover now