A viajem

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Todos pararam de comer e conversar, eu havia conseguido a atenção da minha família, cada um deles me lançava olhares estupefatos. Um grande "O" se formou nos lábios de Eliza assim que ela assimilou o que eu tinha dito, porém ela logo fechou a boca e virou-se bruscamente para olhar meu pai e não perder a expressão que ele faria.

- Para onde? - perguntou meu pai, como se para garantir que não tinha ouvido errado.

- Itália, vou visitar...

- Ah querida! pensei que odiasse aquele lugar. - falou minha mãe.

- Eu preciso visitar o meu passado, acho que já passou da hora. Sinto que nunca conseguirei avançar enquanto não o fizer.

Meu pai apenas me observou por um tempo, calculando meticulosamente cada palavra que me diria afinal não era novidade para todos ali o quanto aquele assunto era delicado para cada um de nós e principalmente para mim. Falar sobre o passado era quase um tabu em nossa casa, justamente pelas feridas que os acontecimentos daqueles dias causaram em mim. Meu pai ficou quieto por apenas alguns poucos minutos, mas pareceram horas, ponderando que decisão tomar. Ele respirou fundo e finalmente se pronunciou.

- Tem certeza de que é isso que você quer? sei o quanto é doloroso para você. - disse.

- Eu sei, mas preciso fazer isso e prometo voltar no domingo. Só preciso de algumas horas lá  terei cuidado e não farei nada irresponsável. Eu só tenho que ir lá. - a ultima frase saiu quase que sussurrada.

- Se é o que deseja, não a impedirei. Só volte a tempo de ir a suas aulas. -  assenti.

O clima ficou estranho por alguns minutos, mas logo voltou a suavidade e todos conversavam normalmente.

Tive uma noite sem sonhos, quer dizer, nos poucos momentos em que cochilei. No dia seguinte, na universidade, o tempo voou. Andrew, como sempre me ignorou completamente enquanto andava para lá e para cá conversando animadamente com Stacye, se me olhou em algum momento eu não vi. Taylor estava sempre comigo, falando coisas que eu mau ouvia, Liz por outro lado ria de tudo. Eu apenas sorria para tudo e acenava  com a cabeça torcendo para não ter sido uma pergunta.

Quando a aula acabou, fui direto para casa. Subi para meu quarto e tomei um banho demorado e coloquei uma roupa leve. Entrei no closet procurando minha mala, a peguei e coloquei aberta na beira da cama e passei a arrumar minhas coisas dentro dela, visto que viajaria na manhã seguinte.  Havia dito a Taylor e a Liz que viajaria na sexta e voltaria no domingo, não precisava dizer meus motivos já que ambos conheciam muito bem a minha história, eles usaram de discernimento e ao verem minha expressão cansada não fizeram perguntas, acho que eles poderiam deduzir pois disse que estava indo para Itália.

Terminei de organizar tudo, fechei a mala e a coloquei perto da porta. Desci para o jantar e graças a intervenção divina ninguém comentou nada sobre a viajem no dia seguinte. acabei de comer, pedi licença a todos e fui direto para meu quarto, precisava me preparar mentalmente para aquela viajem.

Acordei com o conhecido som do despertador, controlei o forte desejo de atira-lo contra a parede. Peguei minhas coisas e fui direto para o banheiro sem me dar o trabalho de olhar meu reflexo no espelho só para constatar que estava horrível após falhar miseravelmente em ter uma boa noite de sono. O banho estava bem quente, do jeito que eu gosto, demorei bem mais que o habitual. Sai e tratei de vestir a roupa que havia separado, uma calça jeans preta cintura alta, uma blusa de alcinha azul marinho com os dizeres em dourado na frente: " I'm campible of the impossible", botas marrons cano alto com salto baixo. Peguei a delicada correntinha prateada que meu pai tinha minha dado quando eu sai do hospital e coloquei em meu pescoço, em minhas orelhas  coloquei brincos igualmente prateados, decidi deixar minhas madeixas soltas, até porque não estava muito afim de elaborar um penteado. Enfiei um gorro preto na cabeça, fiz uma maquiagem simples unicamente para esconder as olheiras e passei um batom suave. Peguei meu casaco aveludado marrom e desci para tomar café da manhã, partiria após ele. Obviamente faltaria as aulas daquele dia. deixei minhas

Meu pai foi o primeiro a me ver quando entrei na cozinha. Poderia jurar que seus olhos brilharam.

- Está linda! - falou meu pai, minha mãe sorriu em concordância.

- Claro que está, não gastei meu tempo para fazer filha feia. - disse com falso ultraje. Todos rimos.

Lucy serviu a mesa e se sentou em seu lugar ao meu lado, me dando um beijo na testa antes. Era bom tê-la como amiga, sabia que se precisasse ela me defenderia com unhas e dentes. Lucy entendia minha dor por, por várias vezes visitou meu quarto trazendo um copo de leite quente e biscoitos, me confortando enquanto chorava rios de saudade, vigiando meu sono até que eu estivesse bem.

A comida estava deliciosa como sempre, portanto comi como um pedreiro. Lucy havia feito meu café da manhã favorito: panquecas, ovos mexidos, suco de maracujá, tora de banana com chocolate, sanduíches. Não tinha como não comer bastante. Quando acabamos fomos para a saída, peguei minha mala e vesti meu casaco. Todos iriam se despedir no aeroporto, meu voo sairia  as 9 horas.

O transito não estava ruim então chegamos cinco minutos antes do embarque. Fiz o chek in e aproveitei o tempo para me despedir, beijei e abracei todo mundo e segui para o portão de embarque. Decidi checar minhas mensagens na vã esperança de encontrar algum sinal dele, mas não encontrei nada, rapidamente um vazio se instalou dentro de mim, sabia que ia fazer algo extremamente difícil e queria que ele estivesse ali.

Pensei em como as pessoas sempre me deixam e uma lágrima escorreu pela minha face, tratei de enxuga-la assim que ouvi meu voo ser chamado. Logo estava dentro do avião em uma confortável poltrona próxima a janela. Saquei meu livro e me pus a lê-lo, Li por algumas horas  mas logo fui vencida pelo cansaço e dormi. Acordei com a comissária de bordo me chamando para colocar o cinto. O avião pousou e desembarquei. Estava frio na Itália, na verdade estava frio em boa parte da Europa, fiquei feliz por estar com roupas quentes. Sai do aeroporto e chamei um táxi. Falava fluentemente italiano, apesar de ter passado muitos anos fora, eu sou italiana e minha família gostava de se comunicar em nosso idioma natal sempre que possível. Pedi ao taxista para me levar a um lugar em que eu poderia alugar um carro. Não demorou muito e eu já estava em um carro alugo a caminho de minha cidade natal.

 Três horas depois eu estava entrando nela, não havia mudado muita coisa, o ar estava frio e pesado, o céu estava nublado, lembranças tristes invadiram minha mente, mas eu as afastei. Fui para o centro daquela pequena cidade e me hospedei em um pequeno hotel, fiz o chek  in  e subi para meu quarto. Nem desfiz as malas, afinal não ficaria muito tempo, peguei minha toalha e  fui para o banheiro, liguei o chuveiro e deixei a agua cair em minhas costas, fiquei ali por uns minutos.Sai do banheiro, vesti uma calça moletom e uma blusa branca de mangas que iam até o pulso, calcei minhas pantufas. Liguei para recepção pedindo serviço de quarto, não sairia daquele quarto até o dia seguinte, até porque já era noite.

Comi, escovei os dentes e me joguei na cama. Pensei na minha família, em meus amigos e em Andrew. Será que ele soube da minha viajem? Será que sente minha falta? Será que está pensando em mim? Será que ele se importa? Será que ele vai me perdoar algum dia? Não posso perder mais ninguém. E com esse pensamento eu adormeci pesadamente.

Acordei as dez da manhã, estava mais frio que no dia anterior. Levantei, fiz minha higiene, abri a mala e peguei uma calça lag preta, uma blusa de mangas longas azul e vesti, peguei meus tênis brancos e calcei, tirei meu casaco preto da mala e o estendi na cama. Liguei para a recepção e pedi que trouxessem meu café da manhã. Fiz uma maquiagem suave, prendi meu cabelo em um rabo de cavalo. Tomei café, vesti meu casaco, peguei  chave do carro e desci, estava mais movimentado que no dia anterior. Meu carro estava no estacionamento do hotel, entrei nele , dei a partida e segui caminho que mais detestava na face da terra, visitaria uma velha amiga lá.

Estacionei duas quadras antes do lugar, queria tempo para pensar no que diria a ela depois de tanto tempo, mas não consegui pensar em nada. Meu coração gelou quando alcancei o portão e  só piorou quando entrei no cemitério, caminhei vagarosamente até o túmulo em questão. Parei em frente  ele e logo as lembranças vieram como brasa e me atingiram como um raio.



O Diário de MarriêWhere stories live. Discover now