Capítulo 2

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Meu coração passou a bombear o sangue rápido demais quando vi Vitória entrando no auditório com as duas meninas que acenavam para nós dois, abraçados e orgulhosos das nossas próprias filhas. Assim que a porta se fechou, Mike me deu um beijo e continuou me apertando em seus braços, agora com o queixo apoiado na minha cabeça. Esperávamos que as portas do auditório se abrissem novamente e elas voltassem para dizer que queriam ficar conosco, mas depois de alguns minutos percebemos que não voltariam. Elas estavam felizes de fazerem algo novo. A recepcionista começou a rir quando viu que ainda estávamos lá.

"Elas não vão voltar, né?" perguntei para Mike, e ao mesmo tempo para Gê.

"Infelizmente não, suas passarinhas já tão voando longe a uma hora dessas" respondeu ela, ainda rindo.

Respondi com uma risada boba e nos despedimos da mulher.

= POV Vitória =

Desde que havia visto aquelas duas moreninhas, meu coração palpitou. Eu pude enxergar dois universos totalmente cheios de vida em duas crianças que eu mal conhecia. Logo que peguei na mão de cada uma pude sentir a melhor e maior conexão que já havia sentido. Antes que entrássemos e eu pudesse as apresentar para as outras crianças, me agachei em frente a elas e expliquei como seriam as coisas.

"Então, vocês são...", dei uma parada para olhar a lista. "Luísa e Helena. Lu e Le. Ó... a gente tá começando a ver Peter Pan. Vocês conhecem?" as duas assentiram com a cabeça, ainda com um tantinho de vergonha. "Então bora lá, que hoje é dia de fazer farra!"

Fui acompanhada das duas até o palco, onde várias crianças estavam sentadas em almofadas coloridas conversando e esperando a aula começar. Elas logo se encontraram com uma garota que, aparentemente, era amiga de escola de Helena. Meus olhos só acompanhavam seus movimentos. Eles estavam extremamente conectados à alma de cada uma. E provavelmente também à alma da sua mãe. O quão errado isso era? Eu só havia a visto uma vez na vida, naquele exato momento que conversamos por meio de olhos e sobrancelhas.

Pedi atenção da turma e apresentei Lu e Le, que estariam se juntando para a peça de maio. Então relembrei o que havíamos conversado na última aula: Peter Pan. Os papéis seriam definidos até a próxima aula, para isso, juntei duplas para uma dinâmica preparatória fantasiosa.

"Lu, vá com Dudu", apontei para Eduardo, meu filho, que estava conversando com seus amigos. Luísa estava totalmente perdida em seus pensamentos enquanto Helena já tinha sua dupla formada. Assim que Dudu ouviu seu nome, ele passou a observar a garota. Olhou para mim e revirou os olhos, expressando um "sério? Uma garota?". Os dois se juntaram, e passei o exercício.

Com o tempo, fiquei observando cada um. Era aquele momento que eu queria definir os papéis para a peça. Meus olhos estavam vidrados na discussão totalmente fantasiosa que Dudu e Lu estavam tendo. Meus lábios esboçaram um sorriso e minha mão seguiu meus pensamentos para escrever seus respectivos nomes ao lado de Peter Pan e Wendy. Aquilo tinha futuro.

Depois de uma hora e meia apagando e reescrevendo nomes, e passando novas dinâmicas, a aula havia chegado ao final. Expliquei a todos que a folha com os papéis de cada um estaria na recepção até a próxima aula, onde já começaríamos os ensaios. Minhas decisões estavam feitas, e aquilo seria um sucesso. Luísa, mesmo nova no ambiente, com aquelas pessoas diferentes dela, era uma atriz nata, e ela mostrava isso com clareza. Ainda mais na frente de Dudu.

Assim que o auditório esvaziou, fui para a recepção ver se encontrava a mãe de Lu e Le. E lá estava ela, com aqueles cabelos castanhos, os óculos dourados redondos caídos na ponta do nariz, e a bolsa pendurada no ombro. A primeira coisa que me veio à cabeça foi: onde está aquele homem que estava com ela? E foi a primeira coisa que se foi embora quando vi ele aparecer na porta, recebendo as meninas em seus braços. Fui até o balcão da recepção devolver a lista de chamada e pude perceber a mulher se aproximando de mim.

"Oi! Tu que é a professora?"

"É, acho que sou", ri.

"Prazer, Ana. Sou a mãe das duas meninas", disse ela, sorridente.

"Prazer, Vitória. Elas são adoráveis, e Luísa é incrível! Parabéns pelas duas", sorri de volta.

Ana corou. Ela não sabia o que dizer além de deixar um sorriso bobo no rosto enquanto observava as duas falando com o pai.

"Eu vou indo, vou ter que dar uma aula em outra escola. Espero que tu tenhas um dia lindo, viu? Até mais", disse, sorrindo. Me retirei dali com o coração aceleradíssimo. Aparentemente eu estava apaixonada demais. Meus olhos brilhavam e queriam soltar lágrimas só de pensar nela. E ainda mais nela sorrindo. Sua voz era macia e doce, o suficiente para causar diabetes em alguém normal.

a arte entre nósWhere stories live. Discover now