Capítulo 6

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Dia seguinte. Havia acabado de chegar em casa do ensaio para o show no circo voador, exausta. Morrendo de cansaço. As crianças iriam dormir na casa de uma coleguinha de escola, então a casa seria toda minha... e do Mike. Assim que cheguei, me joguei no sofá. Nossa TV nem funcionava, então peguei meu celular e verifiquei minhas redes sociais. Uma por uma. Mensagens de fãs, amigos distantes, conhecidos, produtores: uma confusão. Enquanto eu passava meu tempo ali, tentando me distrair da bagunça que foi meu dia, minha mente relembrava do beijo que Vitória havia me dado no dia anterior. Rápido, mas cheio de amor. E vontade. Recíproco. Nunca havia beijado alguém, mesmo que rapidamente, com tanto prazer de estar ali.

Por volta de trinta minutos depois, a porta se abriu e pude ver Mike entrando pela porta com seu violão e algumas partituras. Me levantei e fui em sua direção, mas ele simplesmente me ignorou. De cara fechada, ele foi até o quarto e fechou a porta. Estranhei. Provavelmente estava chateado ou até mesmo cansado e irritado com o seu dia. Todo mundo tem seus dias difíceis, e ele tinha vários já que estava no período de gravação do seu novo álbum. Fui até a cozinha novamente, onde passei a preparar o jantar.

= POV Mike =

O dia anterior foi confuso pra mim. Extremamente confuso e perturbante. Ter passado o dia no estúdio, e então ir reger a orquestra do musical e depois passar numa cafeteria e ver o que vi foi... estrondoso, talvez.

Flashback on

Assim que terminei o ensaio com a orquestra, decidi passar no estúdio. Quando cheguei, recebi uma mensagem do produtor falando que não poderia ir. Já que não queria ir para casa, enviei uma mensagem para um de meus amigos próximos, Guto, o convidando para tomar um café e conversar sobre a nossa parceria para o álbum, que estava agendada para ser gravada na próxima semana.

"Guto, bora tomar um café naquela cafeteria na Barra? Conversar sobre os projetos, e tal... seria massa. Te encontro lá às 16h?", enviei.

"Fechado. Tô partindo", respondeu.

Nos sentamos em uma das mesas perto da janela de madeira, que dava vista para a praia. À frente, um deck de madeira com várias mesas. Em uma delas pude avistar, depois de muito observar e tentar decifrar, Vitória e... Ana. As duas, sentadas frente a frente, conversando e tomando café. Pareciam extremamente felizes, já que riam e trocavam sorrisos como se fossem um casal.

Guto chegou. Conversamos, trocamos novas ideias, ajeitamos últimos detalhes na nossa música. E assim ficou o nosso encontro. Ainda estávamos sentados quando percebi a movimentação na mesa de Ana e Vitória, onde a cacheada se levantava para ir embora e a morena ia atrás. As duas ficaram na frente do local, e quando o táxi chegou, vi a pior cena que eu poderia ter visto em dias, meses e anos. Se beijaram. E não foi qualquer beijo. De onde eu estava, pude perceber que havia uma conexão entre elas. Uma conexão que Ana nunca havia tido comigo, o que me intrigou. Meu coração palpitou, engoli em seco e tentei ignorar. Tentei não me levantar e ir interferir, tentei não gritar, sair correndo e dizer que ela estava ficando louca. Permaneci quieto. Nem mesmo Guto havia percebido o acontecimento, mas me perguntava toda hora o que havia me deixado daquela maneira: calado e suado.

Flashback off

Ouvi Ana me chamar para o jantar. Saí do quarto, de banho tomado e vestindo a usual regata rosa e uma bermuda. Me sentei à mesa, onde ela já estava à minha espera.

"Como foi teu dia?" ela perguntou, sorridente.

"Bom", respondi, ainda curto e sem muito o que dizer.

"Onde tu tava ontem? Tava te procurando pra jantar fora, mas você sumiu."

"Tava numa cafeteria. Sabe, aquela na Barra. A que a gente sempre vai juntos", disse, dando a primeira garfada na comida. Observei sua reação. Ela não falou nada, só engoliu em seco e continuou a se servir.

Permanecemos num silêncio constrangedor por mais alguns minutos, até ela quebrar tudo e simplesmente me jogar a pior pergunta que ela poderia fazer na vida.

"O que tu acha de eu tatuar 'fidelidade' aqui, no pulso? É uma palavra tão bonita, né?", perguntou, apontando para o pulso direito, fazendo um movimento na horizontal, indicando onde escreveria.

"Ana, chega. De verdade? Chega. Fidelidade é a última coisa que tu tem aqui. Eu vi. E senti. De longe. Quis gritar, quis berrar, quis sair correndo e dar na sua cara por ter feito aquilo. Você não é fiel. Você não é santa. E eu tô cansado. Tô cansado de ficar aqui de vela entre você e outra mulher, que dá pra perceber que vocês duas tem mais conexão e química do que eu e você. Vai, vai em frente. Continua tentando fazer isso escondido, porque não é. Eu vejo. Eu tenho dois olhos, e eles enxergam perfeitamente o quão trouxa você tá me deixando. Ana Clara, chega", soltei. Deixei os talheres caírem sobre o prato e me levantei. "Se é pra ser assim, você me traindo e eu achando que você ainda me ama, então eu prefiro acabar. Ok, temos duas crianças que merecem pais que as amam assim como se amam, mas se você não consegue manter mais um relacionamento, então eu me demito. Eu vou sair disso tudo, você vai ser mais feliz com ela enquanto eu estou aqui, sendo feito de bobo, de vela, pra duas mulheres que mal se conheceram e já estão dividindo mais do que olhares e localizações: estão dividindo almas, e estão se amando mesmo de longe" saí do ambiente e fui para o quarto, onde arrumei uma mochila com alguns pertences meus. Também peguei meu violão, e saí. Saí do quarto e saí da casa. Aquele foi o nosso último momento junto. O último momento que eu vi Ana Clara parada, tentando entender tudo o que se passou naquele discurso, gelada e suando frio. Eu estava cansado, e se ela não estava, eu sinto muito. Casal foi feito pra se amar, e se não há amor entre nós, então acabou. Acabou, e é pra sempre. Com certeza existe alguém que me ame de verdade e não vá me trair na cara dura.


a arte entre nósWhere stories live. Discover now