Capítulo 8

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= POV Mike =

Meu coração estava tomado por raiva, angústia e ódio. As duas meninas estavam comigo, estávamos seguros de pessoas que traíam as outras para se beneficiar. Passamos a noite juntos no hotel, e durante a madrugada fui capaz de procurar por passagens aéreas para Londres. A mesma cidade que havia gravado meu primeiro disco. As meninas tinham seus passaportes, eu tinha o meu, tudo estava praticamente certo. Iríamos partir na noite seguinte, sem avisar nada e ninguém. Pois então me lembrei que tinha de pedir autorização para Ana, e precisava também de visto para ficar mais tempo por lá. Maldito nome, maldito pensamento, maldita lembrança. Pensei que tudo estaria feito legalmente a partir do momento que havia comprado as passagens. Não cogitei em ligar para ela, não cogitei em entrar em contato com ninguém, nem mesmo seus pais e amigos. Nada. Iria mesmo assim. Finalizei o que tinha de resolver para nossa "fuga" inesperada e fui dormir. 5 da manhã.

Assim que as meninas acordaram, às 9h, a primeira coisa que me perguntaram era onde estava Ana Clara.

"A mãe de vocês não tá bem, ela tá com uns problemas e a gente vai ter que ficar longe dela por um tempo. Mas isso vai se resolver uma hora. Fiquem tranquilas, vocês estão comigo", sorri enquanto contava. As abracei, e pedi o café da manhã pelo serviço de quarto. Elas não poderiam sair até de noite, o que era triste para elas, porém preocupante se saíssem. Com toda a certeza Ana já havia acionado a polícia da cidade, do país e do mundo para que conseguisse encontrar as duas.

E foi assim o nosso dia: ficamos no quarto assistindo desenho animado, jogamos cartas, cantamos, brincamos, e então às 20h saímos. Saímos escondidos, saímos às pressas e logo pegamos o táxi. Chegamos no aeroporto, tudo ocorreu bem. Embarcamos. O voo foi longo, cansativo, e as meninas dormiram. Por sorte, no Brasil não haviam pedido autorização para que Luísa e Helena saíssem sem a mãe. Assim que chegamos na Inglaterra, descemos do avião e passamos por controles e afins. Estávamos praticamente ilegais por lá, não havíamos visto sendo que ficaríamos mais de 6 meses. Passamos, também com sorte. O policial que verificou a documentação me olhava com uma cara suspeita e chegou a falar com os seguranças para que ficassem de olho em mim. No momento que aconteceu, engoli em seco. Cheguei a olhar para trás enquanto me afastava dos guichês com as meninas, e o policial continuava olhando os documentos que havia deixado lá. A fila não tinha andado. Passei a andar um pouco mais rápido e coloquei as meninas sentadas no carrinho. Seguimos em frente, pegamos o táxi e fomos até o hotel que havia reservado.

- 7 meses depois –

Fazia um mês que eu estava ilegal no país com as meninas. Elas estavam curtindo a vida nova, ainda que sentissem falta da mãe. Tudo era diferente, elas haviam aprendido melhor inglês e estavam adaptadas ao novo local. Helena e Luísa estavam extremamente inseridas no ambiente musical e teatral, e estavam muito felizes com isso. Certo dia, certa manhã, certa segunda feira, ouvi a campainha tocar descontroladamente. Desci, desconfiado de que seria alguma criança enchendo o saco e que eu poderia ignorar. Quando olhei pelo olho mágico, enxerguei dois policiais e um carro da polícia estacionado na rua. Respirei fundo e abri a porta.

"Você é... Maicon Dantas Túlio da Silva?" um deles perguntou. Afirmei com a cabeça e engoli a saliva que nem existia mais. "Nós temos um mandato de busca, o senhor está preso por estar ilegal no país. Sabemos que você tem duas filhas, e elas serão encaminhadas para uma família adotiva. Peço que venha conosco sem precisarmos usar a força e a violência." Assenti aos policiais. Uma hora isso iria acontecer. Chamei as meninas, sempre acompanhado de um deles, e então fechei a casa. Fui para o carro, e de lá fui para a delegacia. E depois para a prisão. Sem as meninas, sem ninguém. Sozinho. Tudo tão rápido, tudo tão estranho. Não sabia onde minhas filhas estavam, não sabia quando as veria de novo. E tudo isso por culpa de Ana Clara. Maldita. Nunca deveria ter ficado com alguém que era tão provável a fazer essas coisas. Ainda na minha frente.

= POV Luísa =

Tudo estava estranho. O clima no carro estava estranho, Helena estava extremamente assustada e eu também. Fomos levadas para uma espécie de orfanato, onde ficamos por algumas horas até uma família aparecer para nos levar para a nossa casa. Eu não queria aquela vida. Ainda era nova, tudo estava tentando se processar na minha cabeça, mas... eu queria meu pai. E queria minha mãe. Nunca soube o que havia acontecido com ela, mas sabia que provavelmente sentia minha falta. E eu e Helena também sentíamos. Os dias que passamos junto da nossa nova família, August e Claire, foram adoráveis. Foram legais. Mas lá dentro nosso coração clamava pela presença de nossos pais. Doía, e às vezes, mesmo nova e inocente, tinha vontade de fugir.

= POV Ana =

Prestes a subir no palco do Chevrolet Hall, em Belo Horizonte, recebi uma informação da produção. E eles pediram para que eu voltasse para o camarim. O show iria atrasar por volta de meia hora por causa disso. Ainda que eu não quisesse saber disso, descobri que Mike havia sido preso. Mas só isso. Nada de detalhes, nem de onde estava, nem das minhas filhas. Ele havia sido preso. Havia feito alguma besteira que o causou uma medida drástica como essa. Meu coração quase saiu pela boca, e eu não soube o que falar nem pensar pelos trinta minutos que antecederam o novo horário da minha apresentação. Eu estava vazia, completamente sem saber o que fazer. Preocupada. Mike tornou minha vida um inferno. Eu havia tentado me matar algumas poucas vezes depois de 2 meses sem notícias das minhas filhas. Eu estava sozinha no mundo, minha única companhia eram as poucas amigas que restavam, minha banda e minha produção. Subi no palco sem saber como cantar. Esqueci a letra diversas vezes, esqueci acordes, esqueci o ritmo, esqueci que o público estava lá. Nervosismo. Preocupação. Ansiedade. Tudo em uma só pessoa. Eu olhava para aquela multidão em minha frente, que havia pagado uma fortuna para me ver cantando e tornando aquela noite a melhor de todas, mas para mim aquela era a pior. Descobrir que meu (ainda) considerado marido havia sido preso me abalou, ainda que eu não quisesse que tivesse abalado.

Eu queria paz daquilo tudo. Eu queria sumir. Queria encontrar minhas filhas e protege-las do que sei lá que estavam passando.

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