Capítulo 5

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Assim que chegamos no café, arranjamos uma mesa e sentamos. O ambiente era extremamente confortável, com música clássica de fundo, mesinhas de madeira e bancos com almofadas coloridas. Várias flores e plantas cheias de vida nos rodeavam, tornando o local totalmente agradável e natural para um encontro que fosse.

Vitória pediu uma xícara de café amargo sem açúcar. Nada. De. Açúcar. A encarei com aquela famosa expressão facial de "como assim, cara?" e ela só soube rir. Em seguida pedi uma xícara de café tradicional com açúcar. O contrário dela.

"Mas... e aí?" ela me perguntou, assim que o garçom foi embora com nossos pedidos.

"E aí o que?" respondi, colocando meu celular dentro da bolsa.

"O que você faz da vida?"

"Ah, eu sou artista mesmo. Canto e toco. Você já deve ter visto coisa minha por aí. Tem uns cartazes na rua divulgando meu próximo show aqui no Rio" disse, rindo.

"Espera aí... você não é a Ana Caetano, é?" indagou, com uma certa expressão de surpresa. Assenti com a cabeça, ainda rindo. "Meu deus, cara. Não dá para acreditar!" enfiou a mão em sua bolsa e passou a procurar alguma coisa, quando tirou pude ver que era um ingresso. Um ingresso para o meu show. O que estava acontecendo mesmo?

"Opa, então te vejo lá", sorri. Meu coração acelerou um tantinho desde então. Pensar que ela estaria naquele público enquanto eu estava no palco sozinha cantando chegou a me dar certos calafrios, o que fez com que eu passasse a mão pela nuca e olhasse para o horizonte esperando o silêncio ser quebrado.

E o garçom fez esse trabalho pra gente. Ele apareceu então com nossas xícaras, e colocou-as sobre a mesa. Na frente de cada uma de nós. Ao fundo tocava a composição de Robert Schumann, "Kinderszenen", que trazia certo conforto diante ao clima estranho que havia se formado entre nós.

Eu era capaz de observar cada detalhe seu enquanto dava curtos goles naquele café amargo e sem uma pitada de doce. Seus olhos brilhavam que nem o sol, seus cabelos claros davam vida ao local junto com as plantas e flores e seu sorriso me trazia paz. Conversamos sobre dez mil assuntos durante o tempo que passamos ali, frente à frente. Assim descobri que ela fazia mestrado em artes cênicas e que já havia dirigido diversos musicais infantis. Seu currículo era extremamente recheado, desde o ensino fundamental, onde ajudava a dirigir as peças teatrais de sua escola, até o presente, que ela mesma dirige musicais, ajuda a montar os cenários, os figurinos, tudo. Ela era definitivamente a mulher bombril das artes cênicas. Me contou também que seu maior sonho era participar, não importava o cargo, de um espetáculo da Broadway. E que provavelmente isso aconteceria no próximo ano. Imaginei no exato momento a menina cacheada mais bonita do mundo em cima de um palco, fazendo o papel de sei lá, Julieta.

Assim que terminamos e pagamos a conta, o telefone de Vitória tocou. Seu toque de celular era uma composição minha, o que fez com que meu rosto tomasse uma coloração avermelhada no mesmo instante. Ajeitei meus óculos e permaneci quieta observando a cena. Então ela atendeu, falou algumas palavras rapidamente e disse que precisava ir embora o mais rápido possível porque havia acontecido alguns imprevistos. Pediu desculpas milhões de vezes, e se levantou. Aproveitei para ir também. Fomos para a frente do café, onde ela estava à espera do táxi que havia pedido. E então o carro amarelo apareceu. E estacionou na nossa frente.

"Até mais, foi bom conversar contigo", disse, me despedindo dela com um sorriso.

"Tu é incrível. Obrigada por passar esse tempinho comigo", ela me abraçou. "Mas antes..." disse ela, enquanto checava uma coisa no celular e depois passou a me encarar. "Preciso fazer uma coisa pra minha tese do mestrado, é rapidinho", e no mesmo instante ela se aproximou rapidamente de mim e deixou seus lábios colarem nos meus. Seus olhos fecharam, e os meus também. Minha única reação foi levar minha mão à sua nuca. Se eu queria que aquilo tivesse continuado? Sim. Pena que ela só se afastou e entrou no carro, sorrindo. Acenou para mim enquanto tomava distância e eu fui ficando para trás, sem jeito. Me encostei contra a mureta do estabelecimento e comecei a rir. Depois de uns 5 minutos, fui embora caminhando, com a vida feita por um dia só. Mas que dia, né?

a arte entre nósOnde histórias criam vida. Descubra agora