Inesquecível

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Dizem que o primeiro amor é inesquecível, mas o que a gente não espera é que seja inesquecível de uma das piores formas possíveis. Por acaso você já sofreu por amor?!
Minha primeira desilusão aconteceu em Havana, em um dos fins de semana em que viajei para à casa de minha tia milionária, Amélia Hale, uma arquiteta de sucesso.
A viagem até Havana havia sido longa e cansativa, mas durante o trajeto pude aproveitar o tempo para colocar minha cabeça em ordem.
Desde muito pequena sempre fui insegura, e a aparência baixinha e fofinha nunca ajudou em meus olhares trocados com o espelho, mas além do mais, quem não ficaria insegura tendo Savannah Hale como irmã?!A garota loira, de cabelos longos e perfeitamente ondulados, olhos azuis, claros feito a superfície do oceano, corpo magro, mas com às mais perfeitas curvas. Uma jovem extrovertida e perfeita ao ver da sociedade, a queridinha do papai.
Sou tirada de meus pensamentos quando papai chama minha atenção com uma breve fala.
-Você não vem, Alice?-Sua pergunta me fez olhar para os lados e constatar que já estávamos em frente à enorme mansão de uma das minhas tias favoritas. Desço do carro com certa pressa, olhando tudo à minha volta, admirada e impressionada pela grandiosa beleza do local. Sinto algo atingir uma de minhas pernas, um leve impacto me faz virar rapidamente para a suposta direção de onde o objeto havia sido arremessado, segundo meus cálculos. Um de meus muitos costumes bestas, sempre calcular as coisas em mente, por mais simples que sejam. Meus olhos circulam inquietos, na ágil busca por quem haveria arremessado tal coisa em minha direção. Sem muita dificuldade, meu olhar cruza com o de um belo jovem, de pele escura, olhos lindamente esverdeados e um corpo escultural. Olho para baixo e vejo o que havia me atingido a pouco, uma bola de basquete, tão típico, tão clichê. Me esquivo, para pegar a bola, um tanto pesada em minhas mãos e quando volto a me levantar, meus olhos cruzam novamente com as belas orbes esverdeadas do jovem, que agora, estavam bem à minha frente.
-Oi...Foi mal por isso aí.-As palavras se deslocam de sua boca, de forma calma e um tanto desajeitada, enquanto ele apontava para a bola em minhas mãos. Sinto minhas têmporas corarem quase que imediatamente e em um rápido reflexo, mordo o lábio inferior, tentando me conter de expor minha fútil timidez.
-T-tudo bem...-Gaguejo, enquanto sinto meu rosto pálido, queimar como se estivesse sendo assado e nesse momento, poderia jurar que estava vermelha feito um tomate.
-Eaí, Joe!-O grito espesso de uma voz famíliar, preencheu meus ouvidos. Era minha prima, ela surgiu ao meu lado de forma repentina, como em um daqueles filmes de terror, onde o assassino surge completamente do nada.
-Oi, Zoe...-Ele disse, enquanto seus olhos ainda não haviam se desgrudado dos meus. Ele pareceu pensar por mais alguns segundos e então se pronunciou.-Eii, vai ter um luau lá na praia hoje...Apareçam por lá!-Ele finalizou, com um toque sedutor na voz e com uma rápida piscada de olhos, enquanto se afastava com um sorriso brilhante em seu belo rosto.
-Com certeza!-Gritou Zoe enquanto tornava seu olhar, sobre mim.
-Não me olha assim, Zoe...-Digo me virando para seguir meu caminho até a enorme porta da mansão.
-Ele gostou de você, Alice!-Ela disse, enquanto corria tentando acompanhar meus passos, com seu sorriso esperançoso de sempre. Zoe Hale era uma garota incrivel, ela era quase tão perfeita quanto Savannah, a diferença entre as duas é que Zoe era uma menina doce, meiga, divertida e sempre compreensiva, diferente de Savannah, que era uma megera indomável. Falando na mesma, a loira me encarava encostada no patente da porta, com um olhar acusatório. Ao passar ao seu lado, apenas me encolho, como se ela me amedrontasse, o que de fato acontecia, de certa forma.
As malas se desfizeram praticamente sozinhas, enquanto Zoe e eu à bagunçávamos, na busca da roupa perfeita, para a ocasião. Por fim, o que encontramos foi um vestido um tanto frouxo, de cor branca, com pequenos detalhes, semelhantes a minúsculas flores pretas. Fora o vestido que mais me caiu bem, de acordo com as palavras escandalosas e exageradas de minha prima. Após algum tempo, já estava jogada na cama, observando à Zoe, tão animada como sempre, andando pelo quarto ansiosamente, fazendo seus 1001 planejamentos. Naquele momento, assim como em vários outros, durante meus quatorze anos de vida, desejei internamente ter pelo menos 1% de sua confiança.
Solto um longo suspiro.-Está quase escurecendo, Zoe...Se não sairmos agora, meu pai não vai deixar que eu saia mais!-Tomo um tempo, olhando ao redor, no belíssimo quarto de paredes elegantes, na cor lilás.-Incrível como Savannah pode fazer o que quiser, quando quiser e eu...Não posso fazer nada, apesar de ser a mais velha!-Completo revirando os olhos, em meio a um curto suspiro.
-Deve ser porque eu sou uma filha melhor!-A voz irritante soou feito uma corneta em meus ouvidos. Direciono meu olhar, com cuidado, na direção de onde a voz vinha, era Savannah, ela estava escorada ao marco da porta, com os braços cruzados em frente ao peito.-Vai sair com esse vestido brega, Alice?-Ela disse em meio a um olhar que transmitia uma sensação de nojo.
Olho para o vestido em meu corpo e de repente, parece que toda a certeza de beleza que Zoe havia me passado, havia evaporado com as palavras rudes de Savannah.
-Bom...Brega é você, que não tem senso de moda, priminha!-Disse Zoe ao notar meu olhar inseguro. Ela parecia um leão, prestes a atacar sua presa.
-Bom...Não precisa ser rude, Zoe.-Ela diz como se tivesse conseguido exatamente o que queria, irritar Zoe e me deixar insegura.-Você que sabe se quer usar isso. Só estou dizendo porque eu amo você, Sis e não quero vê-la passar vergonha!-Ela transborda sínismo em suas palavras tóxicas como ácido sulfúrico.
-Acho que vou trocar...-Digo quase que em um sussurro.
-De jeito nenhum!-Zoe saltou à minha frente, me fazendo olhar fundo em seus enormes olhos castanhos.-Escuta...Você está linda, Alice!Você é linda, não importa a roupa que use ou se ande por aí nua...Você é linda, e além do mais, é uma pessoa incrível!-Ela suspira e segura meu rosto, com suas mãos, macias feito algodão.-Nunca deixe que te digam o contrário!
Zoe era como o anjo que me levantava toda vez que eu caia, ela era a pessoa em que eu mais confiava, a única pessoa capaz de me fazer perceber que eu realmente era uma pessoa incrível, pena que o sentimento durava pouco, com a chegada dos novos comentários maldosos de Savannah.
-Ok...Chega de draminha, né?!Podemos ir agora?!Já estou cansada de esperar!-Savannah soltou as palavras juntamente de uma revirada de olhos épica.
-O que?!Quem disse que você vai ir junto?-O foco de Zoe mudou novamente. Eu podia ver a veia na testa dela pulsar, como nunca, ela estava realmente furiosa.
-Eu não vou, Alice?-Ela direcionou seu olhar mais falso, a mim.-Você ia sair para uma festa e me deixar aqui?!
Eu, como uma tola, cai em seu papo furado, como sempre, não queria magoá-la.-Claro que você vai com a gente!-Assim que eu o disse, pude sentir o olhar de Zoe me fuzilando a curta distância, enquanto ela bufava, feito um touro bravo. Savannah sequer se importa se alguém está chateado ou incomodado com ela, apenas se importa se tudo sair como ela planeja, o que sempre acontece.
O caminho até a praia foi dividido entre resmungos e sussuros. Zoe não estava nada feliz, e pra variar eu estava no meio do fogo cruzado. Savannah não parecia preocupada com nada, seus longos cabelos loiros pareciam dar toda a confiança que ela precisava.
A praia estava repleta de rostos desconhecidos, por mim. Ao andar pela areia da praia, posso senti-la deslizar entre meus dedos dos pés, de forma que me encanta. Quando levanto a cabeça, após alguns segundos apenas andando e observando a espessa areia sob meus pés, olho ao redor e sem muita dificuldade, posso encontrar, dentre tantos rostos desconhecidos, um dos rostos mais bonitos que ja havia visto, era Joe Hummfray, o belo jovem que havia conhecido mais cedo. Ele estava ao redor da fogueira, sentado em um tronco de árvore jogado ao chão, observando as pessoas ao redor, quando finalmente, nossos olhares se cruzaram novamente. Ele não exitou, se levantou e andou em nossa direção, em passos largos, enquanto esboçava um dos mais lindo sorrisos que já havia visto.
-Oi, meninas...-Ele disse de forma calma, assim que nos alcançou.
-Oi. Então, eu vou ali...Cumprimentar a fogueira!-Zoe disse da forma mais desengonçada possível, seu estilo natural. Ela logo saiu andando rapidamente para pouco distante de nós.
-E eu...Vou ali fazer sucesso!-Savannah falou logo que passou ao meu lado, me dando um leve tapa no ombro, enquanto exibia um sorriso simpático e confiante, acenando para todos ao redor, com uma pose superior, como se fosse uma presença ilustre, como se soubesse que seria a grande dona das atenções.
-Que bom que veio...-Ele sussurrou, parecia um tanto tímido. Eu apenas sorri e fiz sinal de concordância, com a cabeça. Então, ele se esforçou para seguir a falar.-Então, eu nem sei o seu nome...
-É Alice...Meu nome é Alice!-Digo em meio a um sorriso constrangido.
-Bom...É muito legal te conhecer, Alice!-Ele diz simplesmente e de repente, o assunto começa a brotar naturalmente.
O tempo passou tão rapidamente que nem notara, a noite caiu e a bela e reluzente lua, se pendurava sobre a esplêndida Havana, deixando seu reflexo se expor lindamente sobre as águas da praia onde estávamos. Joe e eu conversávamos por um longo tempo já, sobre as coisas mais aleatórias possíveis e durante todo o tempo, pude notar, à distância, que mesmo sempre rodeada de pessoas, Savannah não desgrudava seu olhar faminto por encrenca, de nós. Minha atenção foi puxada subitamente para a garota divertida à minha frente, Zoe.
-Hora de ir!-Ela disse, mantendo seu tom alegre. Zoe era sempre alegre, parecia uma fada da positividade.
Sorrio e concordo com sua fala, tornando minha concordância em um breve aceno de cabeça.
-Bom...Já deu minha hora, meu pai meio que...-Comento envergonhada, sem precisar terminar a frase. Para minha alegria, Joe sorriu, se mostrando compreensivo.
-Entendo...-Seu sorriso se alargou de forma rápida. Sentia como se ele realmente me entendesse.-Bom...Nos vemos mais tarde!
Assenti, mesmo sem entender o significado de sua frase. Caminhei em passos rígidos de vergonha, pelos olhares das pessoas, que me cercavam como nunca enquanto me aproximava de Savannah.
-Temos que ir!-Falei baixinho, para não chamar atenção.
-Já?!Aposto que isso é coisa da Zoe...Papai me deixaria ficar aqui até o amanhecer se eu quisesse!-É claro, eu já deveria esperar por um chilique, ela não aceitaria seguir as regras, sem reclamar com tudo e todos.
-Quem me dera pudéssemos te deixar aqui para os tubarões comerem...-Sussurrou a voz sonolenta de Zoe, logo atrás de mim.-Mas não podemos, então...Vamos logo e você pode reclamar no ouvido do seu papai!-Ela completou de forma irônica e sem dar tempo de Savannah responder, ela me arrastou para longe da multidão,em direção ao carro que já nos aguardava à alguns segundos. Savannah nos seguia, com a feição de um cão raivoso, andando em passos firmes e pesados, quase que marchando.
O caminho de volta para a mansão foi silencioso, a não ser pelos suspiros irritadiços de Savannah.
Quando pude finalmente sair do ambiente asfixiante e entrar na enorme casa, vi meu papai sentado no sofá, lendo um livro sobre a política cubana. Suspirei alto, chamando sua atenção, seu olhar correu por mim e me deu um leve aceno de cabeça, diferente de quando Savannah entrou no ambiente.
-Meu docinho, como foi a festa?
-Até a Alice e a Zoe darem chilique, estava tudo ótimo...-Ela diz, se jogando no sofá, enquanto suspira, revirando os olhos.
-Como assim, querida?!-Ele perguntou jogando os óculos de leitura em cima do sofá.-Tem algo a dizer sobre isso, Alice?
Eu tentava formular frases em minha mente, mas não conseguia, estava desacreditada, como ela pudera fazer aquilo novamente. Ela nunca iria crescer?!
-A gente só voltou na hora que o senhor pediu, tio!-A voz de Zoe cortou o silêncio momentâneo, me salvando mais uma vez.
-Espero que seja só isso mesmo!-Ele fala seriamente.-Agora...Vá tomar seu banho e depois vá dormir. Não fique a noite inteira acordada, mexendo no celular, fazendo coisas inúteis!-Ele completa e eu apenas aceno com a cabeça, logo tomando rumo, subindo as escadas calmamente, tentando segurar a onda de choro que estava por vir.
-Eu também vou.-Ainda um tanto próxima da sala, posso ouvir a voz de Savannah falar dócilmente.-Boa noite, papai!
-Boa noite, vida...Dorme bem, qualquer coisa, me chame que irei correndo!-Ele pronúncia de forma suave e cuidadosa, lhe dando um beijo na testa. Eu sabia disso, porque era o que ele sempre fazia.
Ao entrar no quarto, me direcionei direto para o banheiro, as lágrimas já estavam banhando meu rosto. Era sempre assim, Savannah, a boa menina, inocente, perfeita, a filha preferida, já eu, apenas o encosto desnecessário.
Supiro arrancando as roupas com certa pressa e ligando o chuveiro, a água quente e acolhedora abraçou meu corpo enquanto eu me desmanchava em lágrimas. Depois de alguns segundos, já estava sentada ao chão, segurando meus joelhos próximos ao rosto, enquanto as lágrimas se misturavam à água do chuveiro e eu contia minha voz de expressar meu choro alto.
Após alguns minutos me recuperando em frente ao espelho, saio encolhida no meu próprio mundo e caminho para a cama, onde Savannah já estava e pelo que parecia, a mesma já dormia à algum tempo.
Apesar da ansiedade por uma boa noite de sono, parecia impossível sequer sentir um pouco de sonolência e tudo que eu podia fazer era rolar de um lado pro outro na cama, até o momento em que pequenos ruídos atingiram a janela, me assustando. Por um rápido instante, penso em acordar Savannah, mas logo percebo que seria uma péssima idéia, pois ela apenas faria escândalo, como sempre. Me levanto calmamente, jogando minhas pernas para fora da cama, firmando meus pés ao chão frio. Ando em passos calmos e silenciosos, até a enorme janela envidraçada, coberta por um suave tecido branco, quase transparente e logo atrás dele, posso ver a silhueta masculina se mover calmamente, para um lado e para o outro. Me esquivo para puxar a cortina e finalmente ver quem ali estava. Para minha surpresa, o rosto que tenho a primeira e única vista, é o belo rosto de Joe. Ele estava sorrindo lindamente, como em toda vez que lhe vira.
-O que está...?-Começo a dizer, em um tom baixo, abrindo a janela.
Ele solta um chiado, levando o dedo indicador aos lábios, em sinal de silêncio.-A lua está linda...Venha ver!-Ele estende a mão para mim, eu apenas sorrio e firmo minha mão contra a sua, passando meu corpo magro pela janela. Nós nos sentamos ali mesmo, no telhado e ficamos olhando a lua e as estrelas, novamente conversando sobre os assuntos mais aleatórios, trocando sorrisos bobos. Em um momento da madrugada, ainda em meio a conversa fiada, ele me envolveu em um abraço carinhoso e assim ficamos, por muito mais tempo, até que a voz rígida e irritante de Savannah surgisse na conversa.
-Alice, o papai está chamando!-Ela diz e meu corpo gela.
-E-eu tenho que ir!-Digo e logo me levanto, passando novamente pela enorme janela, mas agora em direção contrária. Quando vou fechar a janela, posso ver a luz da lua tornar seu sorriso ainda mais brilhante e então sorrio de volta, finalmente fechando a janela e à cobrindo com a cortina.
-Onde está o papai?-Digo me virando para encarar Savannah.
-Eu inventei aquilo!Estava te salvando de ter o pior primeiro beijo, com aquele garoto ridículo...-Ela fala simplesmente, esboçando caretas horrendas enquanto se referia a Joe. Não poderia acreditar, mais uma vez ela teria me privado de algo que eu queria, por sua opinião vasta. Eu queria gritar, queria chorar e dizer algumas verdades para a tal garotinha mimada à minha frente, mas eu não o fiz, como sempre, engoli sapos e fui me deitar com a consciência pesada, por não dizer o que deveria para Savannah.
Os minutos se passaram rapidamente e Savannah já estava dormindo novamente, mas eu sequer conseguia fechar os olhos, em pensar no que poderia ter acontecido, aquela noite, no telhado da bela mansão Hale. Os minutos se transformam em horas rapidamente e o pensamento de que eu havia feito algo errado, tenta me consumir, mas por fim, com muita dificuldade, consigo adormecer, com o pensamento reconfortante de todas as vezes em que Joe havia dito o quanto havia gostado de mim, naquela noite iluminada, o que me fazia pensar que haveriam mais noites como aquela.
O dia amanheceu um tanto chuvoso, deixando um clima pesado no ar.
Como de costume, acordei pela manhã e Savannah ainda dormia feito o anjinho que não era. Me levantei calmamente, tomando cuidado para não acordá-la, cada segundo sem ouvir sua voz irritante e seus comentários maldosos, se tornaram um presente para mim. Tudo que eu esperava daquele dia, era perfeição. Iria ver Joe e nós finalmente nos declararíamos um ao outro, seria tudo perfeito como em um daqueles filmes clichês, que passam na TV. Com pensamentos positivos e as palavras sussurradas pela voz aveludada de Joe ecoando em minha mente "parece que lhe conheço a milhões de anos", corri para fora do quarto, espalhando minha animação pelos corredores da casa vazia e silenciosa. Desci o lance de escadas de forma alegre e saltitante.
-Onde está Alice?-Posso ouvir a suave e delicada voz de minha tia soar com certa calma, enquanto me aproximo da sala de refeições.
-Dormindo...Aposto que virou a noite mexendo no celular.-Sua resposta soou ácida aos meus ouvidos. As palavras de meu pai, mostravam o quanto ele não me conhecia, pois era um fato, que não importava a hora que eu fosse dormir, logo pela manhã, estaria acordada bem cedo. Suspiro, tomando coragem para adentrar a enorme sala, contendo as lágrimas de se formarem em meus olhos, tentando manter minha esperança e otimismo intactos. -Bom dia, família!-Digo lhes mostrando um de meus mais belos sorrisos. Posso ver meu pai amassar o papel reciclado do jornal que segurava em suas mãos, enquanto tossia em reflexo, ao se engasgar com o café amargo, que tomava. Vê-lo tropeçar em suas próprias palavras era uma dádiva para mim.
-Bom dia, querida!-Minha tia falou de forma dócil e gentil, ignorando a ridícula reação de meu pai ao ouvir minha voz. Sorri e me sentei ao seu lado, ao redor da mesa.
-O-onde está Savannah?-Perguntou Daniel, ao fim da tosse, com um leve gaguejo.
-Dormindo!-Digo calmamente, enquanto mordo um pedaço do delicioso bolo de cenoura. Não podia deixar de notar a ausência de Zoe, seu sarcasmo e suas respostas rápidas e destemidas já estavam me fazendo falta.
-Deve ter passado a noite mexendo no celular.-A voz de minha tia soou zombeteira e o sorriso sarcástico seguido de uma piscadinha irônica, não me permitiram duvidar de que era uma provocação ao meu pai.
Vejo meu pai bufar, impaciente com a provocação, enquanto minha tia revira os olhos, entediada.
-Daniel, você é tão chato!-Ela debocha, como sempre, exibindo seu lindo sorriso debochado. Sorrio para ela e continuo a beliscar meu pedaço de bolo.
O resto da manhã passou silenciosamente. Nós partiríamos de volta à Califórnia durante a noite, e tudo parecia tranquilo. Durante a rápida manhã, fiquei me fuzilando com perguntas sem respostas como: "Onde estaria Joe?" "Será que continuaríamos a nos falar quando eu fosse embora?" "Será que voltaríamos a nos encontrar nas minhas férias?" "Como seriam as coisas?". Sorri, quando lembrei de nossa conversa na noite passada, eu não precisava ficar tão insegura, afinal, ele havia gostado de mim.
Já estava no auge da tarde, o tempo se destacava instável e chuvoso. A família estava reunida na sala, com exceção de Zoe, que ainda dormira.
A campainha toca e Savannah salta do sofá, de forma tão alegre feito nunca.-Eu atendo!-Ela abre a porta e juntamente com a primeira vista de Joe, ela expõe um sorriso que incendeia, a mesma não dá tempo para que o garoto diga uma palavra sequer e logo o puxa para dentro da casa, o levando rapidamente para a sala, onde todos estavam. Nos minutos que se passaram a seguir, Savannah estava agindo de forma estranha, mas tudo o que podia fazer era ignorá-la de forma que a beleza irradiante de Joe ofuscasse minha visão.
Os minutos se transformaram em horas aterrorizantes, todos os olhares calorosos e os suspiros encantados que lançei à Joe, eram desviados, evitados e esnobados de forma dolorosamente impecável.
-Meninas, vão fazer as malas...Já está quase na hora de sairmos!-Disse Daniel, no tão seco e rígido de sempre, destinando seu olhar final à mim.
-Ok, papai...-Savannah lhe serviu com uma resposta simpática. Ela se levantou, destinando um olhar sedutor e completamente indiscreto, à Joe e logo, me puxou para ir junto com sigo, para o quarto.
Savannah, como sempre, deixou que eu arrumasse sua mala sozinha, enquanto tagarelava sobre coisas inúteis e totalmente sem importância para mim. Tudo o que eu conseguia pensar eram nos meus olhares e sorrisos, desviados pelo garoto que a pouco havia dito que gostava tanto de mim. "Será que eu fiz algo errado?" era o único pensamento que corria pela minha cabeça, a culpa e a insegurança destruíam o meu ser a cada segundo, corroendo o meu eu interior, tirando toda confiança e otimismo que me restava.
-Tá me ouvindo, Alice?-O grito ensurdecedor entoado pela voz flácida de Savannah, atingiu meus tímpanos de forma bruta. Eu apenas concordei com a cabeça, pareceu o suficiente para que ela seguisse a tagarelar, sem se importar se me incomodava.
-Olá, priminha querida!-Zoe falou em um tom certamente alto, de forma alegre, enquanto entrava no quarto, toda sorridente.-E oi para você também, Savannah!-Ela completou, destinando um olhar de repulsa à Savannah, que imediatamente revirou os olhos, junto de um suspiro stressado e saiu do quarto.
-Tudo bem, Alice?-Zoe parecia realmente preocupada, ela parecia conseguir olhar através do meu corpo e enxergar minha alma devastada, por trás de toda encenação.-O que aconteceu?
-Sabe...-Comecei a falar, um tanto relutante, não havia porque esconder meus sentimentos e pensamentos de Zoe, ela era uma das poucas pessoas que realmente me entendia e se preocupava.-Ontem à noite Joe me disse coisas incríveis, me fez ter esperança e hoje ele me ignorou a tarde inteira, ele sequer olhou direito para mim. Eu não sei o que fazer...Tem algo errado comigo?
Zoe pôs as mãos sobre meus ombros e me fez olhar fundo em seus olhos que inspiravam calma e confiança extrema.-Primeiro que...Não, não tem absolutamente nada de errado com você!Você é uma pessoa incrível, é bondosa, cheia de compaixão...-Ela disse de forma inspiradora.-E sobre o Joe, ele deve ter ficado tímido por causa do seu pai. Eu conheço ele, não tem com o que se preocupar. Ele é um cara legal, não iria te magoar...
As palavras de Zoe recuperaram minha auto-estima, meu otimismo e minha confiança, como sempre. Não sei o que faria sem os conselhos e as palavras inspiradoras de Zoe.
Ponho cada peça de roupa que havia levado para aquela rápida viagem de fim de semana à maravilhosa Havana, de volta dentro da mala e assim que termino, desço o lance de escadas juntamente de Zoe, voltando à sala de estar, onde todos estavam.
-Porquê Alice está demorando tanto?-Ainda nas escadas, posso ouvir a voz de meu pai com seu tom raclamativo e implicante.
-Não sei...Eu arrumei minha mala rápido, não sei como ela consegue demorar tanto.-Savannah era tão falsa, eu percebia, mas mesmo que me prejudicasse muitas vezes, ela era minha irmã, essa era a minha justificativa para não queimar o mundo dela de uma vez.
-Estou aqui!-Digo adentrando a enorme sala.
-Finalmente!-Disse Daniel em meio a um suspiro, tornando seu olhar sobre Joe, para a fala que viria a seguir.-Vai com a gente até o aeroporto, Joe?
-N-não, senhor...-Ele gaguejou, quando nossos olhares se cruzaram. Havia algo diferente, já não era emocionante quando nos olhávamos, era constrangedor e tenso.
-Vai sim!Por favor, Joey...-Savannah avançou em Joe, com sua forma carismática. Ela havia personalizado o nome dele, da forma em que lhe agradara.-Vamos!-Ela finalizou pegando na mão dele, fazendo seus dedos se entrelaçarem. Ao ver a inacreditável cena, senti um impacto acelerar meu coração, meu corpo gelou, eu podia ouvir as batidas rápidas do meu coração, ecoando em meus ouvidos, tive a sensação de um calafrio constante estar passando através de meu corpo.
-Tudo bem...Eu vou!-Joe falou calmamente, enquanto trocava olhares carinhosos com Savannah. Eu estava surtando, estava desacreditada, "Joe dissera que gostara tanto de mim, ele não teria me trocado por Savannah, como todos e além do mais, Savannah não faria isso comigo!" Era o que eu pensava no momento, aquilo não poderia ser real, eu devia estar entendendo tudo errado e não deixaria minha paranóia acabar com as coisas para mim mais uma vez. Suspiro alto e solto um sorriso forçado.
-Então vamos logo!-Disse a voz firme de Daniel, ao fundo do silêncio cortante. Poderia ter certeza de que Zoe não teria notado o que havia acontecido, porque senão, ela já haveria atacado Savannah e Joe com seus argumentos bem pensados e palavras ofensivas.
O caminho para o aeroporto apesar de rápido, me deu tempo para pensar e constatar que talvez Joe não gostasse tanto assim de mim.
-Última chamada para o vôo 354, para San Diego, na Califórnia!-Dizia a voz feminina que se deslocava dos auto falantes, foi o que me trouxe de volta a realidade, saindo dos meus pensamentos turbulentos, era como se eu tivesse andado até ali no piloto automático.
-Esta na hora de irmos, meninas!-Disse Daniel, de forma clara e rápida, apontando para a entrada do corredor de embarque. Concordamos imediatamente e foi quando a onda de despedidas se desencadeou. Minha tia me deu um leve beijo na testa, e Joe apenas acenou para mim, de longe. Um som insurdecedor tocou, quando a luz que sinalizava o corredor de embarque, acendeu. Meu pai já estava adentrando o corredor, quando me virei para puxar Savannah e percebi que ela estava abraçada à Joe e logo, ela pregou um breve selinho em seus lábios carnudos. Eu tentava conter as lágrimas que já haviam se formado em meus olhos, com muita dificuldade, quando Zoe me abraçou fortemente, sussurrando palavras, algumas que nem conseguira entender direito.-Tudo bem...Ele é um babaca, sua irmã é uma babaca!Não se atreva a se culpar, Alice...Não esqueça que você é maravilhosa e pessoas tóxicas assim, não merecem suas lágrimas!Eu amo você...-Ela disse e me empurrou para o corredor de embarque, enquanto sorria lindamente, tentando transmitir sua paz, logo atrás dela eu ainda podia ver o rosto envergonhado de Joe, após o beijo de minha irmã, que parecia bem animada com o fato.
A viagem seria demorada, isso eu já previa, mas não sabia que iria ter que aguentar Savannah falando de sua paixonite quase o caminho inteiro. Ela dava detalhes, de como se sentia e de como fora seu beijo, enquanto eu tentava me mostrar indiferente e feliz por sua "conquista". Quando ela finalmente adormeceu e parou de tagarelar, foi quando eu consegui expor meus sentimentos, quando eu finalmente consegui libertar as lágrimas para que rolassem livremente pelo meu suave rosto, enquanto continha os soluços. Ali, sentada naquele banco de avião, finalmente voltando para casa, foi quando eu percebi que havia tido minha primeira decepção amorosa e sentia como se meu mundo estivesse desmoronando.

Glass HeartWhere stories live. Discover now