Você não tem culpa

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É estranho como as vezes um dia começa como um incrível sonho que se converte em um terrível pesadelo...
Sinto os dedos longos de Travis segurarem meu pulso, e levanto a cabeça.
-Vem...-Ele disse suavemente, enquanto me puxava para segui-lo. O som de sua voz me trouxe certa calma, trazendo-me de volta a realidade que agora, não parecia tão tensa. O segui em silêncio, observando os casais bêbados, largados pelos cantos, e as garotas que dançavam animadamente, sem nenhum pudor.
-Eaí, Collins...-Uma voz feminina um tanto grave surgiu próxima a nós, fazendo-me procurar involuntariamente pela dona de tal, no aglomerado de pessoas.
-Oi, Maya!-Travis falou a abraçando suavemente. Assim que localizei a garota à nossa frente, pude reconhecê-la como a garota que sempre aparecia na lanchonete de minha mãe, acompanhando Travis e seus amigos. Ela me olhou de cima a baixo, como se estivesse decidindo se eu era uma ameaça ou não e logo, soltou um sorriso frouxo.
-Oi, garotinha!-A jovem de cabelos perfeitamente cacheados e olhos reluzentes, falou, de forma seria e calma, mas sua atenção não se prolongou em mim. Suas belas orbes voltaram a Travis que parecia alheio a suas olhadas significativas.
Solto um longo suspiro, esperando que algum deles tomasse a frente na conversa, novamente e foi então, que Travis o fez.
-Vou buscar uma bebida!-Ele simplesmente disse e começou a se afastar de mim, em passos largos, me deixando ali, com a jovem que parecia me desprezar. Suspiro de forma longa e cansada, enquanto olho na direção para a qual Travis havia saído.
-Então...Você e Travis são amigos?-A voz de desdém da garota, cortou a música alta.
-É...-Respondi.-Somos amigos.
-Eu e ele também somos GRANDES amigos!-Ela disse, enfatizando a palavra "grandes", em duplo sentido.
Sorri, sem graça por toda aquela situação, desviando meu olhar para os lados.
-Você é irmã da Savanah, não é?-Ela perguntou, simplesmente, soltando um sorriso enojado. Respiro fundo e a encaro, concordando, com um rápido aceno de cabeça.
-Engraçado...-Ela começa.-Vocês são bem diferentes, não é mesmo?!-Ela sorri, irônica.
-Realmente, somos um pouco diferentes. -Sussurro, constrangida.
-Bom...-Ela olha para os lados, fazendo, na minha opinião, um biquinho ridículo.-Vou me divertir. Aproveite a festa, Alice!-Foram suas últimas palavras, antes de se retirar de perto de mim.
Depois de alguns longos minutos esperando ver ao menos um rosto conhecido, desisto de esperar por Travis e procuro um local para me sentar. Ando, me encolhendo por meio dos corpos animados e suados, buscando fugir de qualquer contato, até chegar em um sofá, encostado no canto da enorme sala da mansão. Me sento em um dos cantos do sofá, enquanto uma dupla conversa animadamente na outra ponta.
Conforme os minutos passaram, meu arrumado rabo de cavalo, foi desmanchado, se tornando um desajeitado coque, embolado pela minha fita. Suspiro profundamente, quando percebo que a bateria do meu celular havia se esvaído. Sinto um certo desespero tomar conta de mim e algumas lágrimas tentarem fingir dos meus olhos. Olho para o lado, em busca de uma distração e percebo a dupla que antes conversava, me observando atentamente.
-Oi, queridinha!-O jovem de olhos verdes e cabelos castanhos, com algumas mexas num belíssimo tom de verde escuro, na outra ponta do sofá, fala, me encarando.
-Olá...?!-Digo, um tanto sem jeito.
-Parece assustada...-Ele ri, de forma afeminada. Seus olhos eram pequenos, seu nariz tinha uma esplêndida forma arredondada e seus lábios eram finos e delicados, bem o contrário dos seus ombros largos e corpo forte.
-Um pouco...-Respondo, expondo minha timidez.
-Relaxa, garota!-A moça de cabelos vermelhos e olhos cor de mel, que estava ao lado do jovem disse, expressando sua suave voz de forma simpática, enquanto dava de ombros.-Meu nome é Andrea e esse é meu escandaloso amigo, Jorge!-Ela vos apresenta e sorri.
-Escandaloso não!- Jorge resmunga, de forma irônica.-Sua invejosa.-Ele completa.
Não pude conter a risada pelas caretas feitas por Andrea.
-Meu nome é Alice!- Me apresento, calmamente.
-É um prazer, Alice!-Eles disseram, juntos e depois disso iniciamos uma conversa animada.
Após inúmeras risadas, meus mais novos amigos, Jorge e Andréa foram embora. Eles até haviam sido educados em me oferecer carona, mas acabei negando, na espera de Travis.
Me levanto do sofá, no qual apenas eu estava sentada, e caminho rumo a cozinha, onde várias pessoas bebiam cerveja e entornavam várias doses de tequila. Caminho até a pia, em busca de água, para minha garganta seca e me sento na extenso balcão, que dividia a cozinha, me mantendo afastada dos rostos desconhecidos.
Enquanto bebia minha água, pude ver Travis entrando no cômodo, acompanhado de um rapaz loiro, com pircing na sombrancelha e belos olhos azuis, que ria de forma animada, enquanto Travis apenas esboçava um sorriso de canto. Continuo os encarando, esperando que meu contato visual, chamasse atenção de Travis. Quando seus olhos baterão em mim, um sorriso maroto brotou em seus lábios e eu mal reparei as pessoas que os seguiam.
-Ainda aqui, Alice?-Travis disse, enquanto tornava seu olhar um tanto pensativo, sobre mim. Ele havia esquecido que ia me levar para casa?
-Alice!-O grito espesso do garoto que estava à acompanhar Travis, ecoou no local, enquanto ele corria até mim, de forma extremamente animada e desengonçada, logo, me apertando em um rápido abraço.-Pessoal, essa é a irmã da Savannah!-Ele concluiu ao dar um salto, animado, enquanto apontava para mim e em questão de segundos, os murmúrios das pessoas ali presentes, começaram.
-Nossa, que diferente, digo... Estranha!-Uma jovem de olhos verdes e longos cabelos castanhos, sussurou para a amiga, de olhos azuis e cabelo mediano, loiro, logo ao seu lado.
-Irmã da Savannah?!Tá zoando!-Um garoto de cabelos e olhos igualmente castanhos, ombros largos e maxilar cerrado, debochou.
-Tadinha, não chega aos pés da irmã!-Foi a vez de Maya falar.
Meu coração estava acelerado e eu podia sentir minhas mãos soarem frio. Embora eu estivesse acostumada a ouvir aquele tipo de coisa, cada vez que ouvia, a sensação de insegurança só se intensificava.
Sinto um par de mãos pousar em meus ombros e encaro o dono das mesmas. Era um rapaz de olhos castanhos, cabelos loiros, ombros estreitos e corpo magro e alto. Ele tinha um sorriso amigável nos lábios, quando sua pergunta saltou para fora dos mesmos.
-Posso me oferecer para te levar para casa?-Sua pergunta me pega de surpresa, ainda mais por notar que o mesmo não parecia embriagado e não havia nenhum duplo sentido em suas palavras, mas antes mesmo que eu pudesse responder, Travis atravessou a cozinha com agilidade e empurrou o garoto com força, para longe de mim, fazendo o mesmo, cambalear, tentando manter-se de pé.
-Qual é, cara?!Tá maluco?-O garoto grita, exaltado pela atitude de Travis.
-Ei Travis... Que isso, cara?-Caleb interviu na situação, colocando-se entre os dois rapazes.
-Eu só estava sendo educado!-O rapaz loiro ressalta, indignado.
-Acontece que ela não precisa da sua educação!-Travis gritou, ainda mais enfurecido, fazendo as pessoas a nossa volta arregalaram os olhos, assustadas.
Respiro fundo, prevendo a confusão ainda maior que aquilo poderia resultar e decido tomar uma atitude. Salto do balcão e começo a caminhar em direção a Travis, mas sou impedida por Maya, que segura meu pulso firmemente. Suspiro, irritada e me solto da mesma, usando um pouco de força.
-Travis...-O chamo com calma.-Travis!-Chamo mais uma vez, só que dessa vez, em um tom mais alto, fazendo o mesmo desviar seu olhar até mim. Me aproximo dele, segurando firmemente seu braço.
-Vem comigo!-Digo, de forma seria, arrastando-o junto de mim, para fora da casa.
Quando finalmente chego a saída, percebo Caleb e Maya, nos seguindo fielmente.
-Deixa que eu levo ele para casa!-A voz de Maya ordena, enquanto tentava nos acompanhar com seus saltos extra altos.-Garota!-Maya falou, em um tom autoritário, novamente, falhando em puxar minha completa atenção. Eu estava focada demais em cuidar de Travis, para ficar dando ouvidos às baboseiras estúpidas que ela soltava pela boca, feito veneno.
-Não!-Travis saltou, em protesto.-Eu vou com a Alice!
-Ok, cara... Se acalma!-Caleb disse, em um tom bonançoso. A expressão exposta em seu rosto demonstrava que ele estava visivelmente receoso.
-Isso é culpa sua!-Travis grita, fazendo menção de atacar Caleb, mas ele para, quando percebe minhas mãos presas em seu braço.
-Tudo bem, cara...Se acalma!-Caleb falou. Ele parecia um tanto assustado. A impressão que eu tinha, era que Caleb tratava Travis como se fosse uma bomba relógio, prestes a explodir ou até mesmo, um vaso rachado, prestes a quebrar, se ele não tomasse cuidado com as palavras que usava, mas aquilo não me surpreendia, devido as ações do rapaz ao meu lado.-Vou guardar seu carro. Vai ficar aqui em casa, ok?Amanhã você busca, tá bem?
Travis apenas concordou, com a cabeça.
-Vou chamar um táxi!-Caleb afirmou, ao transferir seu olhar sobre o celular e digitar uma rápida mensagem.
Passaram-se alguns poucos minutos e nós continuamos em frente a casa, mas agora, apenas eu e Travis, já que Caleb teve a decência de arrastar Maya de volta para dentro e graças ao céus, o táxi não demorou muito a chegar.
-Vamos!-Eu disse, o ajudando a se conduzir até o carro amarelo. Ele parecia aborrecido e até um tanto irritadiço.
Nós adentramos o carro e eu logo informei ao motorista o destino que seguiríamos até a minha casa, primeiramente.
O caminho até minha residência, foi completamente silencioso. Era estranho que Travis não se tornara um daqueles bêbados falantes, ao contrário, ele se tornara ainda mais quieto e reservado ou talvez, apenas estivesse envergonhado... Se bem que a última opção não combinava muito com o garoto.
Quando o carro estaciona na porta de minha casa, encaro Travis, por alguns segundos.
-Agora é só você passar o endereço da sua casa para o motorista, Travis!-Digo com certa calma, observando o rapaz, que apenas revirou os olhos para mim.
-Não posso ir pra casa!-Ele diz, um tanto grogue.-Vou dormir aqui, hoje.-Sua voz rouca fala, antes dele tentar passar por cima de mim, no banco traseiro, do carro.
-O que?-Solto em meio a um quase grito.
-Não posso ir para casa, Alice!-Ele diz, em um tom ainda mais alto, como se isso, fosse me fazer entende-lo.
O motorista encarava tudo, atento, provavelmente calculando o melhor momento para chamar a polícia ou nos expulsar.
Solto um longo suspiro, enquanto passo meus olhos ao redor pensando em uma alternativa, por fim, decido que não seria uma boa ideia Travis voltar para casa naquele estado.-Tudo bem...Você pode ficar!-Finalizo a frase, saindo do carro. Logo, vejo o jovem que permanecia no automóvel, abrir sua carteira e jogar uma nota exagerada sobre o ombro do motorista.
-Faça bom proveito da gorjeta...Compre maconha e bebidas para o senhor. Divirta-se!-Travis falou, saltando para fora do carro e eu quase não conti o riso.
Depois de muito cambalear, finalmente chegamos a entrada de casa. Tento fazer o máximo de silêncio ao abrir a porta e logo, dirijo meus passos aos milhares de degraus da escada, levando Travis praticamente, jogado sobre mim.
-Faça silêncio, Travis!-Resmungo, enquanto o garoto parecia tropeçar em tudo.
Assim que chegamos ao meu quarto, arrumei uma cama para Travis, no chão, logo ao lado da minha cama. Ele milagrosamente, deitou-se, sem reclamar.
Senti um certo alívio, por finalmente estar no meu quarto, apesar de não saber o que diria a minha mãe no outro dia.
Vou até o meu guarda roupa e pego um pijama de verão, em um belíssimo tom de rosa bebê e então, vou até o banheiro, trocar-me. Quando retorno ao meu quarto, Travis ainda está acordado, encarando o teto, iluminado por algumas estrelas em néon. A única diferença de quando me retirei dali, é que agora, Travis estava apenas de cueca.
-O que você pensa que está fazendo?!-Reclamo, desviando o olhar de seu corpo. Ele me olha, confuso e depois olha para o seu próprio corpo e solta um sorriso maroto.
-Belo pijama, Alice maravilhosa...-Ele sussurra, ao voltar a me observar.
-Travis, coloca uma roupa!-Digo, incrédula por suas atitudes. Ele me olha como se eu fosse um verdadeiro ET em sua frente e passa as mãos pelo rosto.
-Não!-Ele fala, entediado, depois de uma bela revirada de olhos. Me dando por vencida, desisto daquele diálogo.
-Boa noite, Travis...-Digo, ao me jogar sobre a cama e calmamente me cobrir com cobertas macias. Logo, ouço um rápido barulho e minha cama balança um tanto.
-O que...?-Eu falei tão baixo que deveria ser quase inaudível.
-Boa noite, menina super poderosa!-Ele sussurra, ao se deitar ao meu lado na cama e ligeiramente, adormece.
Acordo de manhã, com a brilhante luz do sol, refletindo em meu rosto, infelizmente havia esquecido de fechar a cortina. Reviro-me na cama cuidadosamente, ao lembrar que Travis ainda estava ali. Ele que o mesmo dormia feito um bebê sonolento. Tive pena de acorda-lo, pois o mesmo deveria estar de ressaca, então, poupei-me de fazer barulho, enquanto me levantava, mas foi inevitável. Assim que joguei minhas pernas para fora da cama, Travis soltou um suave xiado, enquanto sentava na cama, exibindo uma expressão sonolenta e aparentemente mau humorada, até que, ele abriu um de seus mais lindos sorrisos.
-Bom dia, Florzinha!-Ele disse, ao se espreguiçar.
-Não era, Lindinha?-Questiono, em um tom irônico. Ele revira os olhos e boceja. Era incrível que até quando bocejava, ele exibia uma aparência atraente e sensual.
-Eu sou a lindinha!-Digo, entoando minha voz de forma confiante e solto um breve suspiro, enquanto olho ao redor, tentando manter seu corpo semi nu, fora do meu campo de visão.
-Bom...Eu vou tomar um café, coloca a roupa e vem, se quiser.-Digo, rapidamente, enquanto me levanto, avançando em passos curtos e delicados, para fora do quarto.
-E sua mãe?-Travis questiona, com a bela voz rouca.
-Já saiu!-Grito, descendo as escadas de forma rapida, indo diretamente para a cozinha.
Adentro a cozinha calmamente e respiro fundo, sentindo o cheiro de café quente que invadia o cômodo, provavelmente mamãe havia preparado, antes de sair. Sorrio de lado e começo a abrir os armários, buscando ingredientes para encrementar o desjejum.
Preparo ovos mexidos e bacon, rapidamente, como de costume, mas em dobro, caso Travis decidisse ficar. Não sei por quê e nem como, mas eu podia ter certeza de que ele viria para a cozinha muito em breve e ele o fez. Solto um sorriso singelo, ao vê-lo sentar-se ao meu lado. Nós tomamos o café da manhã calmamente e então fomos para a sala.
-Eu tenho que ir buscar o meu carro!-Travis falou.
Meus olhos rodaram ao seu redor.-Tudo bem...-Falei simplesmente e o acompanhei até a porta.
-Bom...Tchau, menina super poderosa!-Ele falou e se aproximou para me dar um beijo de adeus, na bochecha, mas acabamos nos trombando e um rápido selinho ocorreu. Nós nos encaramos por alguns segundos, por aquela estranha situação, um pouco proposital, das duas partes. Travis soltou um sorriso glorioso, de canto e começou a se afastar de mim, em passos rápidos e espaçosos, mas seus passos param na metade do jardim frontal, da minha residência e logo, ele retorna para minha frente, me vendo escorada no marco da porta. Suas mãos se prenderam rapidamente em minha nuca, me pegando completamente de surpresa, o mesmo me pregou um profundo e magnífico beijo. Quando nos separamos, ele se afastou e sem me dar tempo para uma resposta ou pergunta, ele apenas seguiu andando, para longe de mim, exibindo um sorriso esplendido de vitória.
Tranco a porta, com um maldito sorriso bobo, tomando meus lábios. Era incrível a sensação que Travis trazia ao meu corpo, uma sensação boa, de segurança, que até me fez esquecer que na noite passada ele quase havia esquecido de mim.
Me sento no sofá e abraço uma das várias almofadas espalhadas ali, soltando um longo suspiro, enquanto tentava acalmar o frio na barriga e a ansiedade que tentavam me invadir de todas as formas.
Todas aquelas sensações e sentimentos me deram a ideia de visitar alguém, meu avô. Ele era meu melhor amigo, eu geralmente o visitava aos fins de semana, mas já que estava desocupada, resolvo ir vê-lo, afinal, já estava com saudades de ouvir suas histórias repetitivas.
Subo correndo as escadas e invado meu quarto, buscando peças no armário, para me trocar.
Tiro um vestido não muito curto, na cor amarela, repleto de delicadas flores brancas e pretas, de dentro do guarda roupa. Ando até a sapateira e tiro de lá uma bota preta, de cano curto, sem muitos detalhes.
Após ter decidido a roupa que iria usar, à visto rapidamente e corro para fora da casa, levando comigo, apenas uma pequena mochila preta, com alguns detalhes em dourado, carregando nela, minhas chaves, uma garrafa d'água, alguns documentos, dinheiro e meu celular.
O caminho até o ponto de ônibus foi rápido e animado pelos meus fones de ouvido.
O ônibus logo parou à minha frente. Naquela parada não costumava ter muita gente e dessa vez não foi diferente.
Adentrei o ônibus, em passos alegres, cumprimentando o motorista que me recebeu com um sorriso amigável. Logo, entrego as notas já separadas ao cobrador, indo para o fundo do ônibus não muito cheio.
Desbloqueio a tela do meu celular rapidamente, para mandar uma mensagem para minha mãe, lhe avisando que estava indo visitar o meu avô, pois logo já estaria sem sinal. Rapidamente, ela me respondeu com um "tudo bem...Mas posso saber por quê a senhorita não está na escola?". Soltei um sorriso nervoso, pensando em como lhe responderia e logo digitei, rapidamente. "Estou ficando sem sinal...Depois conversamos. Beijos, amo você!" Era a mais pura mentira, as barras de sinal estavam completamente cheias, mas eu não consegui pensar em nenhuma resposta para dar-lhe no momento. Desligo a tela do celular, reiniciando a música, logo após ver a mensagem carinhosa de minha mãe. "Diga ao seu avô que mandei um abraço. Se cuida, amo você!"
O caminho até meu destino demorou um pouco, o suficiente para me fazer cair no sono.
-Alice?!-A voz carinhosa de Alfred o cobrador, me acorda.-Chegamos!-Ele ri, me olhando. Sorrio e concordo com a cabeça, descendo do ônibus, dando um leve aceno de cabeça para Patrick, o simpático motorista.
Ainda havia muito chão até a casa de meu avô. Eu tinha que adentrar uma estrada quase deserta, pois os ônibus não circulavam por tal caminho, mas aquele complexo caminho arenoso, valia a pena, quando a recompensa era ver o rosto alegre do meu avô.
Enquanto caminhava, imaginava o senhor Hale, sentado na sua varanda, assobiando e observando o céu, deixando o tempo passar calmamente.
Depois de mais 30 minutos de caminhada, já podia ver a casa do vizinho mais próximo da fazenda do vovô.
-Bom dia, Alice!-A senhora Valquíria gritou, do jardim, onde estava acompanhada do seu marido, o senhor Marcos. Sorrio, acenando para os dois, animadamente e continuo meu caminho. Após mais 10 minutos, finalmente eu podia ver meu objetivo. Como eu imaginava, lá estava o senhor Henrik Hale, depositado em sua velha cadeira de balanço. Mesmo um pouco distante, já podia ouvir seu assobio, acompanhado pelos pássaros, isso tornava ainda mais animador estar ali. Respiro o ar puro do campo e corro em direção a casa, gritando. -Vovô, vovô!
-Lily!-Ele diz, ao saltar da cadeira, tão rapidamente que nem achava ser possível.
Ao ouvir sua voz rouca chamar por meu apelido, enquanto ele exibia um esplendido sorriso, foi um convite para eu pregar-lhe um firme e carinhoso, abraço.
-Que bom que veio...Eu estava com saudade de perturbá-la com minhas histórias malucas!-Ele disse em um tom um tanto zombeteiro. Eu amava o senso de humor do meu avô, ele estava sempre contente e sempre tentando alegrar os outros.
-Já disse que não me perturba com suas histórias...Eu amo ouvi-las!-Digo, em meio a um sorriso, seguido de um longo suspiro.
-Não acredito que ainda usa isso...-Sua voz soou um tanto baixa, enquanto ele tocava o pingente em forma de coração, pendurado em meu colar.
-Claro que eu uso! Eu prometi nunca tirar...-Eu falei, soltando um sorriso orgulhoso. Eu realmente amava aquele colar, sempre que me sentia perdida ou sozinha, eu o segurava e parecia que tudo se iluminava e uma paz enorme me cercava.
-Bom...Mas você tinha oito anos quando prometeu, não achei que fosse sério.-Ele diz, enquanto passa seus olhos calmante, pelo meu rosto, observando a cada detalhe.
-Eu nunca mentiria para o senhor!-Falei, com certa destreza.
-Eu não duvido disso...-Henrik falou, enquanto botava uma das mexas do meu cabelo, para trás da orelha, contorcendo os seus lábios em um sorriso alegre.
Nós adentramos a formosa cabana, enquanto iniciavamos uma conversa sobre as histórias de como ele conheceu minha, já falecida avó, sobre o casamento deles e como ele era galanteador na juventude. Eu sorria abertamente a cada palavra sua, mas ele não poderia deixar de questionar sobre as novidades na minha vida e como ele era meu melhor amigo, eu não deixaria de contar um detalhe sequer, esperando seus sábios conselhos que sempre me ajudavam a seguir em frente. Nós fizemos um chá e voltamos à varanda. Nos sentamos lá e ficamos conversando, por um longo tempo, até que, de repente, entre uma conversa e outra, ouvimos o suave ronco de um carro, se aproximando.
A belíssima mercedes benz s63 amg, na cor cinza, invade nosso campo de visão, estacionando logo em frente à cabana.
-Droga...Não tem sinal!-A voz cortante de Savannah, surgiu para fora do carro, seguida de inúmeros xingamentos, enquanto chacoalhava os braços para o alto, em busca de sinal, no celular.
-Alice?-Disse Daniel, saltando para fora do carro, com certa elegância e logo, se aproximando da varanda, rapidamente subindo os poucos degraus, para chegar até nós. Ele parecia surpreso por me ver ali. Será que era por quê sentia-se envergonhado por não ter convidado-me para ir visitar o vovô, junto dele ou será que ele apenas não contava com a minha presença por ali?!
-Oi, pai...-Digo, em meio a um sussurro um tanto recatado.
-Você está aqui, Sis...Me ajuda a achar sinal para o celular!-Savannah disse, me entregando seu celular e logo, cruzando os braços em frente ao peito. Sério que ela ia ficar sempre esperando que eu faça tudo por ela?!
Eu não sabia bem o que dizer, não sabia que eles viriam. Encaro vovô, que tinha um sorriso debochado, enquanto encarava Savannah.
O senhor ao meu lado arqueou as sombrancelhas e tomou o aparelho de minha mãos, devolvendo para Savannah, que imediatamente franziu o cenho, incrédula.
-Falei para o papai que ia sair com a gente ontem, Sis...Ele ficou tão feliz que você finalmente estava se esforçando para se enturmar, mas você não compareceu.-Savannah falou, espalhando sua toxina pelo ar.
-É...Eu achei mesmo que você estava tentando, mas foi só mais um alarme falso.-Meu pai falou, simplesmente, dando de ombros.
De canto de olho, eu podia ver o olhar incrédulo de meu avô, alternando seus olhares sobre meu pai e Savannah.
-Bom... Primeiramente, ela não precisa andar com um monte de gente para agradar ninguém. Se ela gosta de ficar sozinha, deixe a menina ser feliz!-A voz de meu avô parecia um tanto agitada, enquanto ele o falava. Aquele assunto aparentemente o deixava bem nervoso, ele não parecia gostar de ver-me sendo tratada daquele jeito.-E além do mais...Ela saiu, sim. Foi a uma festa, se divertiu e fez novos amigos!-Ele completou, em um tom provocativo.
-E eu não fui convidada para essa festa?!-Savannah soltou. Ela parecia pasma pelo simples fato de ter ficado de fora de uma festa e além do mais, talvez se a tivessem a convidado, ela nem iria. A obsessão dela é pelo controle mesmo e por saber que ela é a rainha da popularidade.
-Venha Alice, comprei um xadrez novo... Que tal jogarmos?-Meu avô questiona, ignorando totalmente a presença do filho e da outra neta.
-C-claro...-Gaguejo, de início. Como era possível meu avô ser tão incrível?!-Vamos jogar!
-Se prepare para perder, Lily!-Ele diz, soltando uma suave gargalhada.
-Claro...Tá bom, talvez algum dia, mas não hoje.-Solto um rápido suspiro.-Porquê hoje, eu vou ganhar!
Nós adentramos à casa e atravessamos a sala rapidamente, indo em direção ao quarto de meu avô. Já dentro do quarto, eu me escorei na cama, esperando que meu avô pegasse o jogo, na cômoda, mas em meio a isso, embora ele estivesse de costas, podia ver que estava segurando firmemente o peito.
-Vovô...Está tudo bem?-Perguntei, me aproximando dele. Ele não me respondeu, o que me deixou ainda mais preocupada. Ainda de costas, eu não podia ver sua expressão facial, mas seus ombros largos pareciam tensos. Ele estava agoniado e em completo desespero, até que seu corpo desfaleceu e eu, em um rápido instinto, tentei segura-lo, mas acabei por cair, juntamente dele.
-Cléo!!!-Eu gritava desesperadamente, pelo nome da enfermeira que estava cuidando dele. Meu avô estava desmaiado, em meus braços e eu já estava me banhando em lagrimas.
Cléo entrou no quarto, apressada, acompanhada de meu pai e Savannah.
Se deparando com a cena, a primeira coisa que meu pai disse, enquanto Cléo examinava meu avô, foi: -O que você fez?
-O que você disse à ele, Alice?-Savannah completou, em desdém. Ela não parecia preocupada, apenas passava a impressão de superioridade, enquanto jogava a culpa de algo inimaginável, sobre mim.
Vendo aquela cena, todo aquele caos, um medo surreal de perder meu avô se instalou em meu peito, o que só contribuiu para o aumento de minha angústia.
Sabe quando estamos a beira do caos e começamos a rever todos os momentos passados recentemente, tentando achar um erro, algo que disse, algo que fez, algo que pensou... Tentando achar um motivo para aquilo estar acontecendo, um motivo para se culpar?Bom...Você não vai encontrar, porque você não tem culpa!
Pena que eu demorei para perceber...

Glass HeartWhere stories live. Discover now