Almas cruzadas

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Crescer é difícil, você se perde por um segundo e quando percebe, está sozinha, com 19 anos, atrasada na faculdade, sem emprego e com uma porção de olhares discriminatórios ao seu redor, mas isso não quer dizer que está tudo perdido, às vezes tudo o que precisamos é de um pouco de tempo e alem do mais, você pode sempre fechar os olhos, respirar fundo e recomeçar.
Na noite anterior depois de conhecer o campus com Samantha eu refleti todos os meus passos, eu finalmente estava na faculdade, logo arrumaria até um emprego se tivesse sorte e isso me fez dormir tranquila.
Na manhã seguinte acordei cedo, com sede por aprendizado. Seria oficialmente meu primeiro dia de aula e já estava tudo perfeitamente encaminhado.
Tomei um rápido banho, vesti uma calça jeans escura, de cintura alta, uma blusa rosa bebê um tanto frouxa e como estava meio frio, decidi usar uma jaqueta de couro que Travis havia deixado para trás, assim como fez comigo, por fim, calcei meus inseparáveis pares de botas pretos. Deixei meus cabelos secarem naturalmente, de um forma que caíssem encaracolados pelos meus ombros.
Até então, Sam não havia acordado. Eu estava animada por estar tudo tão harmônico ao meu redor, talvez houvesse mesmo uma chance de eu ser feliz e realizada por ali.
O tempo passou rapidamente enquanto me organizava. Sam já havia acordado e com olheiras profundas, seus olhos me diziam para sequer olhar para ela naquele início de manhã, mas após uma breve ducha, a Sam alegre e positiva ressurgiu. Ela não parava de falar sobre o quão feliz estava por me ter por perto.
Depois de prontas corremos para o refeitório. Algumas pessoas se encontravam fumando no gramado, enquanto o leve sereno frio da manhã, caia sobre nós.
-Não está tão cheio.-Sam disse, empurrando a porta dupla, feita de vidro, para adentrarmos o local.-Normalmente isso e uma zona.-Ela riu da própria fala.
Nos sentamos em uma mesa próxima ao pilar de sustentação do enorme ambiente que era ocasionalmente longe das outras mesas e perto da comida e que, segundo Samantha, era o melhor lugar.
-Quem come batatas fritas antes das oito da manhã?-Questiono, rindo da escolha da minha nova amiga.
-Mais respeito!Batatas são incríveis. Melhor que salada de frutas e café melado de açúcar.-Disse, dando de ombros, com voz irônica.-Aliás, como alguém toma isso tão doce?
Eu simplesmente dei de ombros, rindo de sua fala.
-E então... Esta animada?-Ela questionou, enquanto comíamos.
-Acho que sim...-Disse, olhando em volta, para as mesas quase vazias.-Esse lugar não deveria estar mais cheio?-Questionei.
-É mais cheio normalmente, mas em dias como hoje...-Ela começou mastigando outra batata.-O time vem comer aqui bem cedo, isso faz com que a maior parte do campus acorde mais cedo pra acompanhá-los, já que a esse horário eles treinam.
-O esporte parece algo importante aqui.-Sussurro sem interesse.
-E é!-Ela comenta. -Mas a maior parte das meninas só assistem o jogo por causa dos tubarões do time.-Ela ri.
-Tubarões?-Pergunto, soltando uma breve risada.
-Os gostosos!-Afirma Sam. -Na semana passada decidi acordar mais cedo pra ver um dos treinos e bom, isso aqui estava uma loucura quando cheguei...
-Porquê?-Questiono, dando a última garfada na minha salada.
-O tubarão líder arrumou uma briga... Achei que ele mataria o outro garoto de tanto soca-lo. -Ela disse, naturalmente, como se fosse algo comum de acontecer.
-E ele foi expulso?-Perguntei e Samantha gargalhou.
-Ele é ótimo jogando, Alice. -Ela deu uma breve pausa na fala. -Tão bom que até o treinador já quase apanhou dele e não fez nada.
-Isso é doentio!-Digo, lembrando das cenas agressivas que presenciei no passado.
-As líderes de torcida adoraram...-Revirei os olhos ao ouvir seu comentário, enquanto me levantava da cadeira, rapidamente. -Hora da aula...
Eu estava ansiosa demais para sequer esperar o primeiro sinal tocar, então, nós rapidamente adentramos a sala de história. Olhei a folha de horários revisando minhas próximas aulas.
A sala era enorme e espaçosa, repleta de cadeiras em fileiras ordenadas, como um auditório. Eu olhava ao redor, encantada, enquanto era guiada por Sam, até um acento agradável para conseguir ver bem o enorme quadro branco, à frente.
-Alice?-Eu ouvi uma voz masculina chamar pelo meu nome, mas apesar de estar familiarizada com esse doce tom de voz, não saberia dizer de quem se tratava. Me virei lentamente, em busca do rosto, o dono da voz chamativa para minha surpresa, era Jorge.
-Jorge!-Eu soltei um breve grito, com um sorriso estampado no rosto. Nós estávamos tão próximos que quando percebi, já estávamos abraçados. Jorge permanecera esbelto, com sua pele clara, muito bem cuidada e sua marca registrada, agora um tanto mais sofisticada, uma mexa verde, dentre os fios castanhos de seu penteado curto.
-Você está radiante.-Ele disse sorridente, ao me fazer dar algumas voltas a sua frente.
-Obrigado... Você também!-Eu falei brevemente, demonstrando um sorriso esplêndido e a curta distância, pude ver Jorge passar seus dedos finos por seus cabelos lisos, de forma elegante. Ele se aproximou e se acomodou em um dos acentos, ao meu lado. Eu rapidamente o apresentei a Sam e quando me dei por conta, havíamos engajado em outro assunto, quando de repente, o sinal tocou, a sala lotou de alunos e finalmente, a aula iniciou, com breves falas aleatórias, de nosso destrambelhado professor de história, o sr. Avenue.
Dentre mais alguns horários de aulas distintas, se iniciou o intervalo. Sam, Jorge e eu fomos em conjunto até a cantina do campus e compramos alguns sanduíches, acompanhados de refrigerantes e sucos. Logo, fomos até o pátio do campus e nos acomodamos sobre a linda grama que cobria cada extremidade do local aberto.
-E a Andrea?-Perguntei, curiosa para saber o que havia acontecido com ela.
-Bom... Ela engravidou e parou de estudar.-Ele disse, simplesmente, enquanto devorava seu sanduíche.-Mas não se espante. Ela está bem, está feliz...-Ele continuou a falar.-Tem o apoio dos pais, está trabalhando e bem... Ela adora ser mãe.-Jorge parecia ainda ser muito próximo de Andrea.-E é claro, pretende voltar a estudar quando o pequeno Zachary estiver maior e para minha surpresa, ele adora aquelas aberrações que ela cria...-Ele falou enquanto parecia lembrar das "adoráveis" aranhas que Andrea tinha.
-Que reviravolta interessante a vida dela teve...-Eu falei, sorrindo. Era realmente incrível como Andrea sempre encontrava sua força, não importava a situação, ela era de fato uma grande mulher.
-É... Mas e quanto à você?-Jorge questionou, brevemente fazendo uma careta e eu sabia do que ele estava falando.
-Acabou que vocês tinham razão. Eu me apaixonei por um babaca toxico.-Eu disse, com um tanto de raiva e desconforto. Ainda não me sentia muito bem ao falar de Travis e ao lembrar de todas as situações horríveis que ele me fez passar.
-Pelo menos isso ficou no passado, Alice.-Jorge falou, ao soltar um sorriso singelo.
-Relacionamentos tóxicos são horríveis... -Sam entrou na conversa.-Tive alguns durante a minha vida, mas teve um, em específico, que minha família adorava e isso, fazia eles acharem que tudo que acontecia era culpa minha...
-Bem... Eu proponho um brinde as nossas desilusões, então!- Jorge levantou sua garrafa de suco, nos fazendo rir.
-A superação!-Adicionou Samantha, animada e eu os acompanhei, disfarçando o quanto aquela conversa era desconfortável para mim.
Mal eles sabiam que na verdade, Travis tinha o dom de me destruir e reconstruir novamente, sem que eu sequer o julgasse e tudo aquilo, só acabou quando ele disse, "basta". Ao final, o que pude perceber é que era apenas um experimento para Travis. Ele parecia testar minha mente e corpo, para ver até onde aguentaria com a exaustão que era ter ele junto à mim, até que ele se cansou.
Meu celular soltou um breve som agudo, me tirando dos meus pensamentos. Eu o peguei e deslizei um dedo pela tela, para que desbloqueasse e então, pude ver uma mensagem anônima brilhar, diante meus olhos, dizendo um simples "Olá... Como está?Não diga que já esqueceu de mim... Não faz tanto tempo assim, desde o colegial.".A mensagem me assustou, fazendo meu coração acelerar, abruptamente. Eu rapidamente tirei um print da tela é mandei para minha prima, Zoe, seguido do questionamento, se ela achava que podia ser Travis, o qual ela imediatamente respondeu com um "Não sei... Mas espero que não seja. Acho melhor você bloquear, Alice.". Embora eu achasse que ela tinha razão, tinha algo dentro de mim, uma esperança tola, que ainda achava possível o retorno de Travis, pedindo desculpas e mostrando que não era o babaca que havia me provado ser, e me senti idiota por isso. Não me entenda mal, não era como se eu tivesse esperança de reatar com Travis, pelo contrário, eu queria distância dele. A única coisa que eu esperava, era que basicamente, ele mostrasse que eu não havia desperdiçado meses e minha vida, com alguém tão fútil.
O sinal tocou, para retornarmos às aulas. Sam e Jorge rapidamente juntaram seus materiais, se levantaram e ficaram parados à me encarar, pareciam esperar por mim.
-Podem ir na frente... Eu já vou!-Falei, ao me levantar, puxando meus livros para junto de mim. Eles seguiram seus caminhos de volta à sala de aula e de repente, meu celular começou a tocar, enquanto um ponto de interrogação tomou a tela do mesmo. Eu não hesitei muito e logo atendi a ligação, levando o celular até o ouvido.
-Alô...-Eu disse ao tentar manter minha voz , o mais nivelada possível. Na minha cabeça havia um grande dilema, parte de mim torcia para que fosse Travis e outra parte temia que realmente fosse.
Houve uma pausa dramática, na qual jurava ter ouvido fragmentos de uma voz masculina.
-Olá, estranha!-A voz animada do outro lado, exclamou. Era de fato, uma voz masculina, mas essa eu conhecia bem e não temia nem por um segundo.
-Dylan!-Um alívio estremeceu pelo meu corpo.
-Sim... Estava esperando outra pessoa?-Ele disse, simplesmente.
Eu limpei a garganta com uma breve tosse.-Novamente no anonimato, Dylan?-Eu perguntei, tentando me esquivar de seu questionamento. Não poderia mentir para Dylan. Quando resolvi mandar a carta para a faculdade, ele foi uma das poucas pessoas que sabia e mesmo distante, ele sempre me apoiou, sempre se fez presente quando precisei.
-Perdi meu antigo celular...-Ele disse. Era estranha a facilidade que Dylan tinha para perder celulares. Me perguntava quais festas malucas estava frequentando, apesar de ele sempre negar que comparecia às festas. Certa vez, ele usou a desculpa de que uma caça havia comido seu celular. Foi bizarro.
Creio que por estudar agronomia do outro lado do estado, Dylan já se sente ausente o suficiente e se preocupa em perder a amizade que cultivamos nos últimos meses, se ele sumir por alguns dias nas festas mais doidas da sua universidade, enquanto eu enfrento crises diferentes a cada dia. Talvez ele tenha medo de se divertir, enquanto eu não estou bem, talvez ele se sinta responsável pelo meu estado atual, causado pelas coisas que Travis me fez passar, de alguma forma, afinal, eles eram amigos próximos e parte das vezes que saí com Travis, Dylan estava por perto. Talvez ele sinta que deveria ter me protegido e agora, tem medo de não poder me proteger caso algo aconteça... Ou talvez, ele apenas goste da pessoa que sou, e de passar o tempo comigo e goste de falar comigo, afinal, somos amigos próximos.
O tempo voou enquanto falava com Dylan e quando finalmente nós despedimos, as minhas aulas do dia já haviam se encerrado. Então, eu adentrei um dos prédios da universidade e andei cautelosamente pelos corredores, indo até o meu armário, pegar um livro e guardar alguns outros.
Eu olhei ao redor, tomando coragem para voltar a andar pelo longo corredor e abracei meu livro, seguindo para a saída, quando vi um grupo de jovens se deslocar na direção contrária em que eu estava indo e dentre eles, se destacava a figura alta, de belo porte físico, com olhos cor de mel e cabelos castanhos, que carregava consigo, um ar de superioridade. Era Travis, para meu desespero.
Soltei um longo suspiro, enquanto repetia para mim mesma que o garoto que causou uma de minhas maiores desilusões amorosas, sequer havia notado minha presença ali, um pensamento que se desfez rapidamente, quando recebi que nossos olhares se atraíam como imãs magnéticos.
De repente, tudo pareceu mais lento, ao meu ver. Meus passos eram contabilizados em mente, meus batimentos cardíacos se acentuavam a cada profundo suspiro, esquematizados calmamente para que eu mantivesse o controle da situação. Meus ombros se irrigesseram por alguns segundos, enquanto me escolhia ao passear pelo corredor, ouvindo minha própria voz ecoar em meus pensamentos, dizendo que não conseguiria passar por aquela situação amedrontadora, mas quando percebi, já tinha passado. Olhei para trás, vendo aquele grupo de garotos continuar caminhando e segui, para fora do edifício.
Do lado de fora do enorme prédio, eu senti o vento revigorante tocar meu rosto e logo preencher meus pulmões, com destreza. Meus músculos finalmente pareciam mais relaxados e meus batimentos cardíacos se acalmavam a cada passo que dispunha sobre a macia camada de grama do enorme campus.
Não podia acreditar. De todas as faculdades, Travis estava ali. Me perguntava como eu lidaria com àquilo...
Segui a caminhar em passos largos, pelo campus, indo diretamente para o meu dormitório. Havia passado por grandes emoções no primeiro dia de aula e a única coisa que queria era um abraço de meu avô, mas como isso não era possível, acreditava que uma boa conversa com Zoe, fosse pelo menos ajudar um pouco.
-Por onde andou, garota?-Sam questionou, assim que viu meu rosto pálido ultrapassar a abertura da porta.-Está tudo bem?-Ela se aproximou de mim, firmou suas mãos quentes, nas minhas e logo, me arrastou para um caloroso abraço. Aquilo foi o suficiente para que eu desabasse em lágrimas, mas não eram lágrimas de medo ou tristeza, eu me senti orgulhosa de mim mesma por conseguir andar sem cair em pânico e grata pelo abraço de Samantha, mas ainda sim me sentia ansiosa e desesperada, porém pelo menos por alguns minutos, eu estava imune a sentimentos ruins e dentro daquele abraço, eu me senti segura.
A vida é uma bagunça, feita de encontros e desencontros, nem sempre podemos escolher o caminho à seguir, às vezes só precisamos respirar fundo e seguir andando às cegas mesmo, mas uma coisa é certa, se mantivermos a esperança e confiarmos em nós mesmos, uma hora tudo se acerta.

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⏰ Last updated: Jul 30, 2020 ⏰

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Glass HeartWhere stories live. Discover now