Desilusão

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Eu confiava tanto em Travis. Achava que ele era o Green Arrow da minha Black Canary, quando na verdade, ele era o Damien Dark, esperando para me esfaquear.
Alguns acham que eu sou muito idiota e por um tempo, eu até considerei isso sobre mim mesma, mas a verdade é que, não tenho culpa de esperar o bem das pessoas. E bem... Travis me deu muitos motivos para que eu acreditasse que ele era a minha salvação, para não cair no abismo, e acabou que ele era algo ainda pior... Ele era o caos e como todos sabem, o caos não é um abismo, mas sim, uma dolorosa escada até ele e agora, vou lhes dizer o porquê.
O barulho do despertador gritou de forma alarmante pela manhã, me deixando com preguiça de ir para a escola, ainda mais com aquela sensação horrível no estômago e a maldita dor de cabeça, mas mesmo assim, eu me levantei e me obriguei a ir. A ausência de Travis já não me surpreendia, já que toda vez, ele fugia pela manhã.
Eu me arrumei rapidamente, vestindo uma camiseta bege, um tanto frouxa, uma jaqueta jeans, uma calça preta, um pouco desfiada e um confortável tênis preto.
Peguei rapidamente minha mochila, jogada em um canto do cômodo e corri para fora de casa, sem sequer tomar café da manhã.
Chegando a escola, tudo parecia perfeitamente normal e moderavelmente tranquilo, para mim.
-Oi, sis!-Eu pude ouvir a voz de Savannah à distância, enquanto ela andava saltitante pelo extenso corredor, até mim.
-Olá, Savannah...-Eu disse, exibindo um sorriso contundente.
-Como está?-Ela perguntou, animadamente. Era estranho ouvir Savannah perguntar como eu estava, ela geralmente não fazia isso, normalmente ela nem falava comigo.
-Estou bem... E você?-Eu disse, em resposta, soltando um breve suspiro, enquanto cruzava os braços em frente ao peito.
-Que bom que esta bem, porque eu também estou.-Ela disse, sorridente.-Olha... Eu não quero forçar a barra, mas eu quero mesmo ter mais proximidade com você.-Ela começou o pequeno discurso.-A gente podia sair junto ou sei lá... Se sua mãe não me odiar, podíamos ficar na sua casa, ver uns filmes e botar as fofocas em dia.-Ela soltou uma breve risada, por fim.
-Minha mãe não te odeia, Savannah... Ela só não achava ético a forma como você agia, mas já que está mudando...-Eu disse, a encarando calmamente.-Claro que podemos fazer uma maratona de filmes e fofocas lá em casa hoje.
-Ótimo!-Ela soltou, em um breve grito, seguido de uma risada.
Soltei um breve sorriso singelo, direcionado a minha irmã e logo, nós começamos a andar pelos corredores, mas sem muita demora o sinal tocou e nos separamos.
Assim que cheguei à minha sala, pude notar a ausência de Travis. Ele faltava demais na escola e nem sequer se preocupava.
-Oi, Alice.-A suave voz de Dylan soou calma, ao me abordar.
-Oi, Dylan... Como está?-Eu disse, educadamente, enquanto me acomodava em meu acento.
-Estou bem e você?-Ele contestou.
-Estou bem...-Eu respondi, exibindo um breve sorriso.
-Bom...-Dylan respondeu em um sussurro, enquanto me encarava de forma distinta. Seus olhos brilhavam, enquanto um sorriso esplêndido tomava conta do seu rosto. Ele era realmente lindo, eu poderia facilmente me apaixonar por ele, se o tivesse conhecido primeiro, ele era encantador.
O garoto ao meu lado parecia estar prestes a dizer algo, quando a jovem professora de religião adentrou a sala, gritando algumas coisas em latim.
Eu soltei um longo suspiro. Queria saber o que Dylan tinha a me dizer e porque ele me encarava de tal forma, mas não consegui, o dia passou rapido e não demorou para  as aulas do dia se encerrarem. Eu finalmente poderia voltar para casa, para o meu refúgio, mas dessa vez não iria sozinha, pois Savannah me acompanharia, como havia dito mais cedo.
Andava em passos extensos pelo campus, quando encontrei Savannah rodeada de líderes de torcida. Eu pensei em revirar os olhos, pela repulsa que aquela cena me causava, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, Savannah abandonou suas amigas e veio para junto de mim. Eu ainda não havia me acostumado com essa nova atitude de minha irmã.
-Vamos?-Savannah perguntou, sorrindo de forma simpática.
-Vamos!-Eu disse, lhe destinando um breve sorriso e logo, saímos andando. Eu achei que ela reclamaria por ter que andar até a minha casa, mas ela não o fez, na verdade, ela ficou o caminho inteiro elogiando os jardins das casas pelas quais passamos e como o dia estava lindo. Era incrível ver essa evolução de Savannah e era ainda mais incrível poder ajudar e apoiá-la pessoalmente.
Quando chegamos em casa, minha mãe já havia saído, mas havia deixado algo pronto para comermos, pois durante o intervalo das aulas, havia lhe avisado que Savannah iria para casa junto a mim. Logo após nos alimentarmos, fomos para a sala, conversar. Era estranho como Savannah estava sendo tão altruísta, ela queria mais falar sobre mim do que sobre ela. Ela parecia mesmo se importar muito e querer estar comigo a cada momento, eu apreciava aquilo.
O tempo passou muito rapidamente com tanta conversa. Sentia que agora ela sabia tudo sobre mim, minhas inseguranças, meus medos, minhas paixões... Seu olhar de compaixão realmente havia conquistado minha confiança.
Já era de madrugada, Savannah estava em sono profundo e eu me mantinha fiel, ao ver o filme que havíamos escolhido, quando pequenas pedras bateram em minha janela. Eu rapidamente saltei e sem temer muito, fui averiguar, para ver do que se tratava, era Travis e ele fazia rápidos sinais com as mãos, me chamando, enquanto exibia um sorriso torto.
Eu soltei um breve sorriso e me virei para ver Savannah. Pensei que ela não se importaria se eu saísse um pouco ou talvez, ela nem percebesse.
Coloquei um casaco marrom, um tanto grande e logo saí da casa, encontrando Travis do lado de fora.
-Vamos?-Ele me recebeu com a pergunta, falando de forma simples.
-O que?Vamos aonde?-Eu questionei, rapidamente.
-Você vai ver...-Ele disse, se aproximando de mim, a cada palavra e logo, me dando um suave beijo. Ele pegou a minha mão e me conduziu até o seu carro, o qual eu adentrei e ele logo deu partida.
O percurso que percorremos foi rápido, pela velocidade que o carro andava pelas ruas da cidade.
-Chegamos!-Travis falou, sorridente.
Eu ergui as sobrancelhas, assim que desci do carro e pude ver do que se tratava.-Um cemitério?-Questionei vendo a enorme placa de entrada.
Ele soltou um suspiro e revirou os olhos rapidamente.-Dá uma chance... É um lugar silencioso.-Ele disse e deu a volta no carro, ficando bem próximo de mim.-Eu adoro lugares silenciosos...-Ele sussurrou ao meu ouvido, fazendo eu me arrepiar por completo.
-Vem!-Ele disse, então revelando a garrafa de vinho em uma de suas mãos.
Nós adentramos o cemitério e achamos um lugar de conforto, se é que era possível. Nós tomamos um pouco do vinho e então, ficamos deitados no chão, dentre os túmulos. Travis parecia bem confortável naquele lugar e por mais estranho que pareça, eu também.
-Tem planos para o futuro?-Perguntei, sem desviar minha atenção das estrelas.
-Talvez...-Ele respondeu em meio ao belo sorriso cativante se lavantando rapidamente e me estendendo a mão. Franzi as sobrancelhas e o segui, parando em sua frente.
-Dança comigo?-Ele perguntou, em um sussuro, me arrancando um sorriso.
-Claro.-Respondi, sendo levada pelo momento.-Mas não temos música...
-Não precisamos!-Ele disse, quase que em um chiado, começando a se mexer lentamente, me guiando consigo. Não contive o riso, ao ver nossa falta de coordenação em meio a dança e ele me acompanhou em uma gargalhada gostosa.
Olho para o seu lindo rosto por alguns segundos e vejo uma estrela cadente cortar o céu de forma genuína.
-Faça um pedido...-Eu disse e o mesmo olhou rapidamente para a estrela, que logo desapareceu.
-Eu já tenho tudo que eu quero...-Ele respondeu de forma calma, me deixando completamente rendida a ele.
Soltei um breve suspiro que ao ser notado por Travis, foi interrompido por um longo beijo e foi ali, em meio a toda àquela mórbida confusão, que ele me fez sentir viva...
A noite passou rapidamente, entre beijos e abraços delicados. Eu voltei para casa quando o sol já estava dando seus primeiros resquícios de luz, minha mãe já havia saído, mas Savannah ainda não havia acordado, então, fui tomar um rápido banho, logo após, vestindo uma blusa de manga curta, com listras horizontais em tons escuros, um short jeans branco um tanto desfiado e um simples All Star branco.
Após alguns rápidos minutos, já estava pronta, então, fui tomar café da manhã e sem muita demora, Savannah apareceu, para me fazer companhia.
-Então... Você saiu, né?-Savannah questionou, inocentemente, enquanto mordiscava seu pão com manteiga.
-S-sim...-Eu gaguejei de início. Não sabia se deveria lhe contar a verdade ou apenas ocultar, mas optei por dizê-la, pois pensei poder confiar em minha irmã, uma vez, para variar.
-Com o Travis?-Ela questionou, simplesmente.
Eu apenas concordei, com a cabeça.
-Como foi?-Savannah falou. Ela parecia animada e interessada pelo assunto.
-Bom... Por mais estranho que pareça, ele me levou a um cemitério.-Eu disse, logo após morder um pedaço de minha torrada.-Foi legal. A gente conversou bastante...
-E beijou bastante, eu espero.-Savannah me interrompeu, com um sorriso safado, no rosto.
-Na verdade... Sim!-Eu disse, com certa segurança. Era legal poder conversar sobre esse tipo de coisa com Savannah e poder confiar nela.
-E é assim que se diverte!-Ela disse, batendo palmas e soltando uma breve gargalhada. Eu apenas à acompanhei no riso e logo, seguimos a conversar. Eu lhe contei tudo que havia acontecido naquela noite e em várias outras. Me sentia livre para falar abertamente com ela, pois Savannah estava realmente mostrando sua mudança, ela estava crescendo e evoluindo.
O tempo passou rapidamente e já estávamos na escola, a aula estava cansativa, mas se tornara mais interessante, pela presença de Travis, que finalmente comparecera.
O sinal para o intervalo tocou. Eu senti um arrepio subir pela minha espinha e instintivamente, segurei firmemente o pingente de coração, no colar em torno do meu pescoço, o colar que meu avô me dera. Aquilo me trazia paz, não importava o quão ansiosa, temerosa ou triste, eu estivesse, aquele colar me trazia conforto e a lembrança de alguém muito importante para mim.
Eu olhei ao redor e percebi que Travis já não estava mais ali. A sala já estava quase deserta, então, juntei meus materiais e os joguei dentro da mochila, logo saindo da sala.
Eu andei em passos pesados pelos corredores da enorme escola, até que alguém me puxou abruptamente para dentro de uma sala e eu me debati, tentando fazer-lo me soltar.
-Calma... Sou eu, Ali!-Travis falou. Eu novamente segurei fortemente o pingente de meu colar e então, as batidas de meu coração começaram a desacelerar. Olhei ao redor e vi que estávamos sozinhos naquela sala, mas não me atreveria a perguntar o que ele queria, pois eu já sabia qual seria a sua resposta.
Travis me puxou para perto de si, com certa calma e pegada.
-Acho que nunca perguntei porque você anda sempre segurando esse colar...-Ele diz, um tanto indelicado.
-Bom... Foi meu avô que me deu!-Eu falei, de forma direta.
-Mas porquê um coração de vidro?-Ele perguntou, tocando o belo e pequeno pingente, com a ponta dos dedos.
-Para simbolizar minha personalidade, pois assim como esse colar, ele disse que eu tenho um coração de vidro...-Eu disse, em meio a um calmo sussurro.
-Interessante...-Travis falou, mas ele não parecia se importar nenhum pouco. Ele então juntou seus lábios aos meus, de forma agressiva e repentina, cortando completamente o assunto, então, eu o empurrei, de leve.
-O que está fazendo?-Eu perguntei, o encarando.
-O que parece?!-Travis falou, ironicamente. Parecia um tanto stressado, o que me causou mais confusão.-Eu cansei dos seus dramas, Alice...-Ele disse e me puxou novamente, continuando a me beijar, sem que eu retribuísse. Eu me debatia enquanto ele desferia beijos quentes sobre meu pescoço, me pondo sobre uma mesa, do laboratório de ciências, foi só no momento em que vi alguns frascos de pesquisa, que me dei por conta da sala em que estávamos.
"O que aconteceu com o Travis que eu conhecia?" Questionei, mentalmente.
-Para!-Eu disse, enquanto o empurrei, novamente, dessa vez, conseguindo afastá-lo um pouco mais.
-Por quê você sempre dificulta as coisas, Alice?-Travis falou em um tom alto e raivoso, batendo uma das mãos, com força, na mesa.-Sua irmã é mais "facinha"...-Ele disse, enquanto de repente, um sorriso sarcástico surgia em seu rosto.
Tudo pareceu ficar lento ao meu redor e embora eu estivesse tentando controlar, eu podia sentir as lágrimas se acumulando em meus olhos, enquanto sentia minha pernas bambearem e tive que usar todas as minhas forças para não cair ao chão.
-Por quê...?-Sussurei, pensando em Travis com Savannah, fazendo meu estômago embrulhar.
-Porquê o que?-Ele questionou, de forma sínica.-Foi legal, Alice... Admita que eu te dei prazer e nós divertimos, mas foi só isso, diversão!-Depois de ouvir suas palavras eu me senti ainda mais despedaçada.-Desde o começo, eu só queria foder a virgem bonitinha e tímida, da escola...
Eu não ficaria ali parada, sendo pisada, traída e manipulada por todos. Havia cansado de ter esperança nas pessoas, porquê esperança só trás miséria eterna e eu não queria viver daquela forma.
Sem pensar muito, apenas destinei um forte tapa no rosto de Travis que ficou sem reação por alguns segundos. Ele parecia não esperar que eu reagisse, parecia crer que eu ia permanecer sempre sendo a garotinha ingênua e manipulável que nunca revidaria, pois bem... Ele estava enganado.
Eu saí da sala em passos firmes e furiosos. Quando trombei com Savannah, na saída do campus.
-Sis, eu estava te procurando...-Sua voz falsa soou e minha única reação foi lhe dar o soco mais forte que já dei em minha vida e ela caiu imediatamente, sem entender nada, provavelmente.
Segurei minha mão, que doia e continue caminhando. Eu queria espancar ela, até deformar seu rosto, mas me controlei e apenas segui andando, saindo do campus, indo diretamente para a minha casa.
O caminho foi rápido e silencioso, eu estava com a mente vazia e todos a minha volta pareciam me encarar como uma pobre coitada. Eu toquei meu pescoço, a procura do meu colar, em busca de um refugio, mas não encontrei, não podia acreditar que o havia perdido, busquei em minha blusa e passei a mão em meu pescoço mais algumas vezes, já desesperada, eu nunca me perdoaria por tal coisa. A dor que me corroía era tão forte que eu sequer conseguia me permitir sentir tristeza, então, foquei na raiva que me consumia.
Depois daquele dia, eu nunca mais voltei para a escola. Por nove meses, eu passei trancada em casa, sendo consumida pela depressão e ansiedade, desenvolvendo cada vez mais os meus problemas de raiva, mesmo fazendo terapia intensiva.
Em mais um dia padrão da minha rotina pacata, estava saindo do banho, enrolada em uma toalha, quando adentrei meu quarto e me deparei com uma jaqueta de couro, preta, jogada cuidadosamente sobre a minha cama. Eu reconheceria aquela peça de roupa em qualquer lugar, era de Travis. Ele implicara tanto comigo por aquela patética jaqueta, no início...
Me aproximei da cama e peguei a jaqueta em minhas mãos, fazendo um pequeno bilhete cair de um dos bolsos.
"Eu disse que você era boa demais para mim, menina super poderosa" Era o que dizia no bilhete, um tanto amassado.
Eu soltei um longo suspiro e inspirei o ar trazendo o perfume da jaqueta para o meu nariz. Senti meus olhos lacrimejarem e joguei a jaqueta em um canto do quarto e quanto ao bilhete, eu joguei fora. Certa vez, achei que amava Travis Collins, mas acontece que amor é se encontrar em outra pessoa, sem se perder em si mesmo e ele inspirava o oposto, em mim.
Eu confesso, aquela situação ainda me machucava muito. Acho que acumulou muita coisa em minha mente, a morte de meu avô, a rejeição de meu pai, a provocação constante de Savannah, a manipulação toda, a traição...
Eu não conseguia lidar com aquilo, então eu simplesmente joguei tudo para o alto, pois eu preferia prejudicar a mim mesma, do que aos outros e eu sabia que se fosse para seguir em frente, eu teria que fazer coisas anti éticas e agressivas, por isso, preferi ficar parada onde estava.
-Você mimou demais essa garota!-A voz gritante invadiu meus ouvidos, mesmo que a certa distância, podia reconhecer a arrogância de meu pai.
Eu vesti meu pijama rapidamente e fui até a escada, averiguar a situação.
-Essa menina é inútil!-Ele continuou a gritar.-Ela poderia ter um futuro brilhante, assim como Savannah está por ter...-Ele soltou um suspiro e pôs a mão na testa.-Ao menos se ela se esforçasse e parasse com esse drama.
-Já chega!-Minha mãe rebateu, fazendo-o se calar.-Você acha mesmo que pode vir até a minha casa, insultar a minha filha e eu vou ficar quieta?!-Ela seguiu a falar, no mesmo tom de voz que ele.-"Essa garota" é a coisa mais preciosa que eu tenho na vida. Ela está com problemas? Sim, mas está lutando como uma guerreira. Ela é o meu maior orgulho e ao contrário de você, ela tem caráter e utilidade, sim!-Minha mãe prosseguiu a falar. Eu podia sentir as lágrimas lutando para transbordar em meus olhos.-Agora, saia da minha casa, Daniel! E pelo seu próprio bem, não volte mais!-Ela ordenou e ele baixou a cabeça e o fez.
Após toda aquela discussão, as lágrimas já escorriam livremente pelo meu rosto. Eu corri até a minha mãe e a abracei fortemente, ela era o meu maior exemplo, minha rainha...
Um ano se passou e quase nada havia mudado. Eu continuava no mesmo estado depressivo, só que ainda mais agressiva.
Depois da discussão com a minha mãe, eu nunca mais vi o meu pai e isso só resultou em mais mágoa.
Já estava no final do ano e eu estava estudando em casa, enquanto permanecia na terapia psicológica.
Eram quase oito da noite, eu estava estirada em minha cama, lendo "O silêncio dos inocentes", quando ouvi a campainha tocar e saltei rapidamente, indo abrir a porta, nada animada.
-Olá, gostaria de falar com...-O homem alto e elegante, do outro lado da porta, começou a dizer, logo olhando para um dos papéis, em suas mãos. Ele vestia um belíssimo terno cinza e carregava com sigo, uma pasta preta.-Alice Hale!-Ele completou.
-Sou eu mesma!-Eu afirmei, o encarando.
-Estou aqui para falar sobre o testamento de Henrik Hale.-Ele disse, simplesmente. Fazia tanto tempo que não ouvia o nome de meu avô, fora de meus pensamentos. Eu sentia tanto sua falta...
-E-entre...-Eu disse, em meio a um breve gaguejo, indicando a sala, para o homem, que logo se sentou no sofá.
-Então... Aqui estão os seus direitos sobre as coisas do sr.Hale...-Ele disse, me entregando uma papelada, que eu não entendia absolutamente nada, mas ele teve o prazer de me explicar rapidamente.
-Você agora é a única herdeira do patrimônio Hale e me desculpe pela demora na entrega... Seu pai não é um homem fácil.
-Acho que entendi... Obrigado!-Eu disse, ao guiá-lo até a porta. Nenhum bem material realmente importava tanto para mim.
O homem soltou um longo suspiro, enquanto erguia as sobrancelhas.-Ele também deixou isso para você!-Ele me entregou um envelope fechado e assinado pelo meu avô.
-Novamente, obrigado...-Eu disse, intrigada com a carta em minhas mãos.
O homem me lançou um leve sorriso e logo foi embora.
Eu corri até o meu quarto, guardei a papelada em uma pasta segura e me acomodei sobre minha cama, para ver o que tinha dentro do envelope.
"Olá, Lily... Se você está lendo isso, provavelmente eu já parti a algum tempo, mas eu não podia deixar de contar mais uma história para você, a minha história favorita...
Essa história começou quando uma pequena e sapeca menininha nasceu. Acredita que eu construí um quarto a mais, na casa, só pra ficar distante do choro dela a noite? Mas ela não chorava, sempre foi uma pequena luz silenciosa, delicada e curiosa. Sabia que uma vez eu derrubei ela da escada? Ela caiu sentada, amortecida pelas fraudas... Não me culpe, estávamos em meio a uma batalha, mas eu fiquei tão desesperado. Nunca contei isso para mãe dela, não queria ninguém apedrejando meu túmulo.
Me lembro também das manhãs de domingo, elas eram animadas por risos e esconde-esconde, enquanto durante a noite, as guerras de cosquinhas eram ótimos momentos.
Bom... Esses são trechos da minha melhor história, não contarei o resto, pois tenho certeza que você a conhece. Essa foi a melhor história da minha vida, nela eu vivi aventuras e inúmeras ficções científicas, mas  chegou a hora da minha pequena menina brilhar sozinha e seguir em frente sem mim...
Eu não podia morrer e deixar de te contar isso.
Antes de partir, pensei em algumas recomendações para dar a esta pequena menina.
Primeiramente, fico feliz que tenha ido ao jogo, espero que tenha se divertido e encontrado o garoto da festa. Eu joguei xadrez depois que você saiu, eu ganhei todas as partidas contra o médico e parei para te escrever esta carta.
Antes de mais nada, queria te contar que minha velha Harley está guardada na garagem da fazenda, quero que fique com ela e faça boas lembranças. Também queria dizer para você aproveitar sua vida, não cronômetre seus horários, chegue atrasada no trabalho pelo menos umas três vezes na vida, mesmo que isso deixe seu chefe furioso, não ligue para as bobagens de seu pai e principalmente não perca seu tempo chorando por mim... Eu estou bem.
Vá para a faculdade, Lily. Escolha algo que você goste, use suas roupas favoritas, cante no chuveiro, beije alguém na chuva e participe de festas quando puder, mesmo tendo aula ou trabalho no outro dia, se liberte da prisão que chamamos de vida, vá fazer trilha nas montanhas como você me disse que queria, conheça o Quênia, é um lugar lindo... Perca tempo na biblioteca, lendo seus romances favoritos e pelo amor de Deus, procure outro filme para ser seu favorito, o seu é um saco! Mas não pare, viva sua vida como se cada segundo fosse o último e quando ninguém mais te entender, seja poeta ou bailarina, se renvente se transforme em poesia. Não se arrependa de nada e quando você tiver netos, conte a eles suas histórias, tenho certeza que eles vão amar. Faça amigos em sua jornada e os leve como família... E lembre-se, você é uma estrela, minha pequena, não uma daquelas que ficam paradas sempre no mesmo lugar, no céu, você é uma estrela cadente, que não deve seu perdão a ninguém.
Para minha querida Alice Hale, a menina que ama livros, do seu querido e eterno galanteador, Henrik Hale, seu avô...

Eu te amo! Tenha uma boa vida Lily..."
Quando terminei de ler aquela porção de palavras melancólicas, eu não conseguia parar de soluçar, enquanto as lágrimas escorriam livremente pelo meu rosto. Eu me sentia tão perdida sem meu avô por perto, mas essa carta me trouxe esperança novamente, eu sabia o que tinha que fazer, passei a mão pelo meu pescoço, sentindo falta do coração de vidro que ficava ali.
Eu usei minha emoção momentânea e escrevi uma carta de inscrição para a faculdade que eu queria ir e sem pensar muito, mandei.
Uma semana se passou de forma ligeira. Eu lia a carta de meu avô todos os dias, para me lembrar do porque eu ainda lutava.
Eu sabia que a formatura já havia acontecido e embora tivesse recebido meu diploma, por motivos mais que óbvios eu não compareci, enquanto todos estavam trilhando seus caminhos e seguindo em frente.
-Querida... Chegou uma carta para você!-Minha mãe gritou e eu saltei rapidamente de minha cama, indo para o primeiro andar, onde minha mãe me entregou o envelope sem sequer olhar, ela provavelmente só havia visto meu nome.
Eu abri a carta rapidamente quando vi o emblema da UCLA (Universidade da Califórnia) e ao ver o conteúdo da carta, paralisei.
-Você está bem, querida?-Minha mãe questionou, tocando minha testa.
-Fui aceita...-Eu disse em um sussurro, exibindo um olhar pasmo e incrédulo. Meus olhos estavam repletos de lágrimas e eu mal conseguia respirar.
-Foi aceita no que?-Minha mãe questionou, ingenuamente. Impaciente e curiosa, ela arrancou a carta de minha mão e quando leu, soltou um grito escandaloso.-Foi aceita na Universidade da Califórnia!-Ela falou, saltitante e sorridente, me abraçando.-Parabéns, minha filha... Eu nunca duvidei de você!-Ela disse, em meio ao abraço composto por lágrimas.-Estou tão orgulhosa de você!
Eu finalmente, depois de tanto tempo, conseguia sentir o ar de felicidade adentrando os meus pulmões, com talvez um pouco de esperança.
O tempo havia passado e minha mãe não parava de falar no quão feliz ela estava e eu realmente a entendia, mas faltava algo para mim. Eu tinha que encontrar com o meu pai e dizer-lhe a novidade e foi isso que eu fiz. Eu fui até o escritório do meu pai e depois de uma hora de espera, eu consegui ficar frente a frente com ele.
-Oi, pai.-Eu disse, seriamente.
-Alice?O que faz aqui?-Ele começou a questionar, ao me encarar de forma estranha.
-Eu só vim lhe contar a novidade, porque apesar de tudo, você é meu pai...-Eu falei, dentre um suspiro.
-Não me diga que está grávida.-Daniel falou, em um tom de julgamento.
-Não... Não estou gravida!-Eu falei, ao revirar os olhos.-Eu vim lhe dizer que fui aceita na UCLA!
-O-o que?-Ele parecia um tanto incrédulo. Não parecia acreditar que eu fosse capaz de conseguir uma vaga em uma das universidades mais disputadas do estado.-Bom... Finalmente está honrando o nome da família.
-Eu honro o nome da família desde que nasci, eu sou uma Hale, não como você ou a hipócrita da Savannah, mas como o excepcional, Henrik Hale!-Eu disse, cheia de orgulho.
-Que seja...-Ele soltou um breve suspiro.-Você não veio aqui só para dizer que foi aceita em uma universidade de sucesso... Eu sei pelo que veio e sim, posso te dar uma segunda chance e pagar a faculdade para você...
Eu não me contive e comecei a rir com sua insípida fala.-Sabe... Uma vez eu fui uma garotinha indefesa que precisava de um pai e eu ganhei um, o Henrik, ele sim, foi um pai para mim!-Eu comecei a falar.-Não preciso de você e nem do seu dinheiro, Daniel!-Eu disse, superiormente.-Além do mais, Henrik deixou tudo o que tinha para mim...-Eu disse, simplesmente e pude ver Daniel se remoer de raiva.-Mas tem razão... Eu não vim aqui só para lhe dar a notícia. Eu vim aqui para mostrar para você que sou superior e não importa o quanto você e sua filha queridinha, tentem... Nunca vão conseguir me vencer, porque a vida é como um jogo de xadrez e... Eu sempre ganho!-Eu falei em tom de superioridade, exibindo um sorriso torto e logo, saindo da sala, indo embora.
Chegando em casa, eu fui rapidamente fazer minhas malas, pois na carta, exigiam que eu já fosse no dia seguinte, para o campus, me instalar.
Depois de já estar com tudo pronto para ir para Los Angeles, olho ao redor em despedida ao me quarto, até que encontro em um canto, a jaqueta de Travis, a pegando em minhas mãos. Seu cheiro parecia permanecer fortemente naquela peça de roupa e eu fiz um trato comigo mesma, de levar aquela jaqueta comigo, para me lembrar de não ser tola e confiar nas pessoas erradas novamente.
Pensamos que somos patéticos por acreditar em algumas pessoas,que acabam por nos decepcionar, mas a verdade é que somos apenas boas pessoas, cobertas de ingenuidade, apenas tentando dar o valor que achamos que as pessoas merecem e nossa bondade as vezes nos cega. Sabe... Eu costumo pensar que quem é capaz de amar, é capaz de ser salvo, mas apenas se quiser e se não quiser, acredite em mim, não vale a pena continuar ao redor dessa pessoa, esperando que um dia ela acorde e perceba que precisa de ajuda, por quê até lá... Ela já vai ter te destruído no caminho e você não terá mais capacidade de ajudar nem a ela, nem a você.
Cuide mais de você mesmo, se dê o valor que no fundo sabe que merece. Se ame, acima de tudo e um dia irá perceber que esse é o amor mais puro e lindo que pode existir. Eu demorei, mas acho que finalmente entendi o segredo da vida. Pessoas mudam pessoas, experiencias mudam pessoas e se você se manter fiel ao que acha certo, no final vai tudo se resolver perfeitamente em frente aos seus olhos e finalmente poderá dizer, "eu entendi o segredo da vida".

Glass HeartWhere stories live. Discover now